terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Mais de 2 meses sem atualizar meu blog, e a realidade é que nesses últimos 2 meses muita coisa nova aconteceu em minha vida. De uma hora para outra, como num estalar de dedos ou num piscar de olhos, vi minha rotina se alterada completamente por novidades nunca antes pensadas ou imaginadas por mim. A começar pelo trampo novo que acabei arrumando em Ilhéus. Realmente eu nunca me imaginei morando em uma cidade e trabalhando em outra. Agora me submeto novamente, depois de mais de 5 anos sem um trabalho fixo, a uma rotina de horários. Horário para acordar, para pegar o ônibus, para almoçar, para voltar para casa. Horários e mais horários, que alteraram completamente meu cotidiano, antes flexibilizado e aleatório até certo ponto. E por conta desse trampo, ultimamente tenho me sentido exaurido no final do dia, chegando em casa praticamente esgotado fisica e mentalmente, a ponto de nem ter disposição para utilizar meu PC e acessar a net, ou falar com meus amigos no TS de minha guild de Cabal Online.
Em contrapartida, a situação melhorou significativamente em termos financeiros, e isso se reflete no fato de que fecharei 2010 sem dívida alguma pendente. Em se tratando de estabilidade financeira e pessoal, acredito que estou vivendo a melhor fase de minha vida, fase essa nunca antes experimentada dessa forma e com essa magnitude antes. E ainda assim, diante de tudo isso, diante dessa fase positiva em minha vida, eu ainda me surpreendo com essa sensação sempre insistente de que algo me falta, algo ainda muito maior e mais profundo, algo que sempre procurei durante toda essa minha vida e que ainda não encontrei da maneira como eu esperava. Alguns poderiam me dizer que eu ainda não encontrei o real sentido da vida, da minha vida, mas prontamente eu discordaria e sequer concordaria com essa opinião, pois eu sei muito bem que não se trata de encontrar sentido para a vida que vivemos, ou no caso, para minha vida. Provavelmente eu já tenha encontrado por diversas vezes aquilo que sempre busquei, e sei que já encontrei, e me senti agraciado por isso. Entretanto, chega um momento em que percebo que a essência daquilo que encontrei não é completa da maneira como imaginei, e é nesse momento em que sou pego nessa sensação de vazio, que eu poderia definir como uma certa solidão insistente.
Mas se estou vivendo uma ótima fase em minha vida, por que então sou acometido por essa sensação? Por que tenho essas divagações constantes? Talvez seja pelo fato de que esse vazio deva ser um espaço em minha vida que esteja reservado para algo muito maior e muito mais importante prestes a acontecer futuramente. E eu torço para que realmente seja isso mesmo, pois é tudo o que sempre busquei, mais do que um bom emprego, uma boa casa ou dinheiro no bolso. Assim como uma personagem que, em um episódio da 3ª temporada da série DEXTER, buscava, pouco antes de morrer, encontrar a torta de limão perfeita. É a nossa busca constante e ininterrupta por aquilo que possa dar um sentido completa às nossas vidas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Foi uma noites dessas em que você não espera por surpresas que ele apareceu. Bateu em minha porta como sempre fizera em outros tempos. eram pancadas firmes, fortes. A princípio aquelas batidas me assustaram, afinal, àquela hora da noite eu não esperava por ninguém e não fazia a menor idéia de quem poderia ser. Nem sequer imaginava que pudesse ser aquela pessoa que, tempos atrás, havia desaparecido por completo de minha vida após discutir desafiadoramente comigo e bater a porta com uma raiva desconcertante. Entretanto, ao abrir a porta, fui pego de surpresa por sua presença diante de mim, com um sorriso de contentamento ao rever um amigo de tanto tempo. Estava diferente, a fisionomia serena, um rosto mais amigável, feições de quem estava longe de problemas. Cumprimentou-me, festivo, perguntando como andava minha vida. Ainda surpreso, retribuí seu gesto de cumprimento, e buscando conter meu completo espanto, respondi prontamente. "Comigo anda tudo bem".
Entramos e iniciamos uma conversa animada e amistosa, eu sempre mostrando certa surpresa, e ele sorrindo, feliz pelo reencontro depois de tanto tempo de afastamento. Claro que o período de exílio a que nossa amizade tinha sido submetida foi mais uma atitude consciente e uma decisão unilateral da parte dele, mas naquele momento nada disso tinha muita importância. O reencontro e a receptividade positiva de ambos com relação ao momento era o mais importante naquela noite. Sentamos e iniciamos um diálogo alegórico de lembranças rápidas e nostálgicas. Ele sorria, e olhava para mim sempre afirmando que eu nunca mudava, que continuava sempre o mesmo, a mesma fisionomia, o mesmo rosto, os mesmos trejeitos. De minha parte, já era o contrário. Olhava para ele e não visualizava mais aquela pessoa de antes. Cabelos curtíssimos, mochila nas costas, gestos e palavras de alguém que iniciava sua jornada universitária, buscando expor suas descobertas e suas opiniões sobre todo o conhecimento que começava a adquirir. Ele em nada lembrava aquele jovem cabeludo roqueiro cuja rebeldia se transmutava nas roupas escuras que costumava vestir sempre e nas músicas que ouvia, como nos acordes transgressores e distorcidos de bandas como Vintersorg. Para mim, era como estar observando um céu azul e claro logo após um tufão, um tornado, uma tempestade negra.
Ele sorria sempre, mas não demorou muito, e durante o desenvolvimento de nosso franco diálogo percebi que seus olhos traziam o brilho inquietante das dúvidas existenciais. Ele sorria, mas à medida em que ia explicando o motivo de seu reaparecimento, seu sorriso ficava mais contido, mais sutil, até que em algum momento da conversa sumiu, dando lugar a um leve semblante sereno de uma pessoa que buscava respostas. Algo o incomodava por dentro, e esse incômodo tornou-se visível nos gestos mais comedidos. Mesmo após me contar sobre sua vida e sobre suas conquistas durante o tempo em que havia sumido, eu podia perceber que havia algo mais naquele reencontro do que apenas rever uma amizade de outra época. Havia algo mais, como uma revelação a ser feita. E essa revelação veio calma, mansa, entre frases pausadas, pensadas, sem alarde. "Eu desapareci, mas depois de algum tempo surgiu em mim essa necessidade de buscar novamente amizades antigas", dizia ele. "Eu desapareci pois eu queria renegar todo um passado que eu vivi. Eu queria esquecer um passado de frustrações e decepções. Entretanto, recentemente eu senti um vazio dentro de mim, como se eu não conseguisse mais me reconhecer como pessoa, como eu mesmo. Reneguei meu passado, pessoas importantes e isso custou muito caro para mim". À medida que meu amigo falava, eu começava a entender aquele semblante em seu rosto que misturava numa mesma face expressões de alegria, satisfação, angústia e certa tristeza. "Eu me lembro exatamente do dia em que brigamos, e até hoje nem entendo direito porque aquela discussão existiu. Você gritou comigo, se irritou e saiu batendo a porta com uma fúria extrema. Depois daquele dia, você desapareceu e nunca mais te vi novamente", expliquei, lembrando o fatídico dia em que nossa amizade havia sofrido um duro golpe. Ele ouvia tudo atentamente, com um olhar parado, como que tentando relembrar tudo, e um sorriso de decepção. "Mas agora eu estou buscando resgatar tudo o que eu tentei renegar. E eu percebi como aquela atitude minha custou caro para mim agora. E eu percebi que de todo aquele passado, todas as amizades que eu busquei afastar de mim durante todo esse tempo, você é a única coisa real que sobrou hoje". Nesse momento eu estremeci por dentro. Ele estava mostrando para mim sem nuances e sem rodeios o nível de importância que nossa amizade passava a ter naquele exato momento de nossas vidas. "Você é o único elo que me liga a todo um passado que reneguei tanto que hoje não consigo lembrar e nem visualizar com exatidão. É como se toda uma época de minha vida tivesse se tranformado em uma sequência desconexas e vagas de imagens, como um sonho que mal consigo me lembrar. E hoje, você é o único amigo que tenho que pode me fazer lembrar de tudo que tentei e consegui esquecer. Quero trazer de volta meu passado, para que eu possa entender quem eu sou hoje a partir do que eu fui".
Enquanto ele me explicava num tom meio exaltado mas sempre contido, eu ouvia atento cada palavra sua, tentando absorver aquela situação da forma como ela merecia e deveria ser absorvida. Foi quando eu realmente me dei conta da importância verdadeira que minha amizade havia se tornado para ele. Ele me olhava com olhos brilhando em questionamentos, dúvidas pulsando firmes mostrando a necessidade quase urgente de respostas e esclarecimentos. Não hesitei em dizer a ele que, no que ele precisasse de mim, eu estaria sempre ali, presente, para ajudar a resgatar seu passado, do qual eu fiz parte de forma inquestionável. E então, naquele momento, eu me transmutei em um Viajante do Tempo, preparado para empreender uma jornada de retorno a um passado não muito remoto e trabalhar num processo arqueológico-temporal de resgate de momentos, situações, palavras, emoções e experiências vivenciadas pelo meu amigo. Eu olhei para ele e sorri. Estava preparado para o salto de volta ao passado.

...continua...

sábado, 28 de agosto de 2010

Incrível como a vida, em determinados e raros momentos, se torna extremamente fascinante e reveladora. Em uma simples conversa de poucas horas você pode obter fatos novos em cima de situações vividas e que você dava como certas as conclusões já alcançadas. E então eis que surge diante de você uma nova visão naquela mesma paisagem que já foi vista tantas e tantas vezes pelos seus olhos. Aquilo que se considerava segredo nunca revelado lhe é mostrado como algo que já descoberto há tempos. E aquilo que nem era nenhum segredo se torna ponto importante para se entender atitudes e palavras de outrora. Uma longa conversa numa sexta à noite tem descortinado, para mim, todo um universo paralelo ao universo que sempre vivi e que sempre me foi colocado, por mim mesmo, como um conjunto de fatos consumados e concluídos. É como andar de ônibus sentado apenas de um lado, observando uma parte da paisagem, sem saber que ao lado existe outros horizontes a serem admirados em outras janelas. E nesses dias o que tem ocorrido comigo é que estou sendo colocado do lado do ônibus que nunca havia sentado e admirando uma nova paisagem pelo mesmo caminho que já passei antes.
Como descrever a sensação ao perceber que uma frase era dita com uma intenção completamente diferente daquela que você havia imaginado? O que antes era algo meio confuso e dúbio hoje se revela simples e explicado. Os olhos arregalam, a sobrancelha se curva para cima em sinal de sutil espanto e surpresa, a boca sugere um leve sorriso de satisfação pela descoberta esclarecedora. Seu rosto sorriu diante de mim quando revelações iluminaram suas nebulosas dúvidas. Ainda está tudo meio vago e indistinto, mas já pode-se definir, pela simples geometria das explicações riscadas no papel, que um leve caminho foi traçado de início, com setas esferográficas indicando trilhas a serem desvendadas. "É muita informação a ser processada no momento", foi dito ao final da conversa. Estou sendo prolixo em explicar algumas situações inusitadas que estou vivendo no momento? Provavelmente. Mas o que escrevo aqui hoje é tão somente fruto inerente das mesmas conversas prolixas que tenho tido ultimamente. Prolixas na verbalização e extensas nas explicações, e que se torna extremamente necessário que seja assim. É como garimpar em uma mina. É preciso cavar com calma, abrir caminho cautelosamente, caso você deseje ir o mais fundo possível em busca de suas riquezas interiores e retornar à superfície são e salvo sem o perigo de ficar soterrado sob suas próprias descobertas. Tenho me sentido assim ultimamente, redescobrindo calma e cautelosamente uma riqueza antiga, que ressurgiu diante de mim questionadora e desafiadora em sua maturidade alcançada depois de muitas quedas e tropeços.
Minha vida vislumbrou, experimentou e vivenciou muitos "Tsunamis", "Explosões Solares", "Terremotos", e tenho certeza que ainda tenho muito o que viver, mas cada dia que vivemos sempre nos traz algum tipo de surpresa, algum fato inusitado que nunca foi sequer calculado, imaginado, pensado. Para mim, esse inusitado está vindo em determinadas noites, trazendo para mim a mais pura sensação de estar enxergando algo realmente novo e fascinante a partir daquilo que já vimos e conhecemos, assim como as Nuvens da Manhã Gloriosa flutuando sobre meus olhos admirados.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Eu sempre vivo dizendo que esse nosso mundo nervoso e cruel se perdeu completamente com a inversão de valores e a degradação do ser humano. E eu sempre vivo dizendo que esse nosso mundo está próximo de um fim iminente, o momento derradeiro de um ciclo caótico e desastroso para todos. E então eu tenho diariamente a confirmação de que não existem mais pessoas a quem podemos chamar de heróis. Sim, não existem mais heróis, aqueles a quem poderíamos apontar como exemplo de pessoas com valores morais e éticos, com personalidade firme e decididas, dispostas a lutar por tudo aquilo em que elas acreditam. Sim, todos nós nos perdemos em um caldo subversivo de valores e sentimentos dúbios, posicionamentos ambíguos, opiniões muitas vezes paradoxais e cínicas, facilmente questionadas por outros. A Terra é azul, as noites são escuras e o mundo é cada vez mais cinza. Tudo diluído nesse cinza, onde as pessoas demonstram atitudes extremistas, grotescas, ridículas, animalescas, vivendo e matando por questões materialistas e mercenárias.
Sim, eu tenho meus valores, meu senso de ética, de moral, procuro ser correto, procuro ser justo, e discuto acirradamente pelas minhas opiniões e minhas idéias. Não fumo pois sou inteligente o suficiente para entender que o cigarro destrói você por dentro lentamente. E tenho a noção exata de que atualmente eu vivo um dia de cada vez mesmo. E quando digo isso, não é metaforicamente, não é em sentido figurativo. Eu realmente vivo um dia de cada vez, e penso no hoje. Não faço planos para daqui a 6 meses, 1 ano, não penso o futuro com planejamentos e projetos maiores. Lógico, tenho objetivos delimitados desde criança, quando decidi ser escritor e buscar alcançar esse sonho, nem que leve minha vida inteira. Mas tirando esse sonho de criança que carrego desde sempre, não tenho nenhuma lista de planos futuros. Vivo o presente, vivo cada dia de forma positiva e sorridente, converso com meus amigos e meus afilhados, dou risadas, debato temas e idéias. Não cultivo pensamentos torpes, deprimentes, mesquinhos, negativos. Tenho momentos de dificuldades, sim, tenho momentos de raiva, de fúria contida, de erros e pequenos fracassos, de vacilos. Tenho momentos em que deixo inadvertidamente escapar meus piores demônios interiores, que nem são tão assustadores. Tento equilibrar meu yin e yang. Tenho meus karmas, meus fardos espirituais para levar nesta vida.
E mesmo assim, tento ver o melhor lado da vida, tento sempre enxergar momentos melhores para mim e para todos aqueles que conheço. E minha conclusão diante de tudo isso é que, não existindo mais heróis a quem possamos ter como exemplo de vida, eu acabo me colocando como herói de mim mesmo, tentando sempre sobreviver a cada dia de minha vida. Se existirem heróis para nos servir de exemplos, eles devem estar ou vivendo em universos alternativos ou refugiados em ilhas distantes no Mediterrâneo. Ou então todos eles já morreram.
Por ora, prefiro recordar o saudoso e lendário Ayrton Senna, lamentar as atitudes de Felipe Massa, do chorão do Fernando Alonso e da Ferrari durante o GP da Alemanha deste domingo e escutar a sonoridade descontraída e brincalhona do Pato Fu, que acaba de lançar seu novo álbum "Música de Brinquedo", uma delícia divertida para os ouvidos.

domingo, 27 de junho de 2010

A criação de tudo através do princípio do silêncio. Os dedos flutuando no espaço por ondem fluem as palavras. O turbilhão de idéias ou a inércia de calmarias, enquanto tento emparelhar mundos ou separar universos. Uma prosa propositalmente desorientada, intencionalmente corrompida em partes misteriosas e obscuras, como um poema implorando para ser lido nas entrelinhas. Experimentando particularidades ambiciosas, melodias aos milhares no embaralhamento das palavras. Pedaços lançados numa aleatoreidade traçada desde o início. Isso é possível? A revolução das mentiras, a evolução das frases dissimuladas, o frescor da falsidade que acaricia a leitura das faces expostas. Escrever para as massas, obter conquistas e glórias, mudar o rumo do jogo, amassar o óbvio e o lugar-comum. Reinventar-se e desorientar novamente novas mentes. Subverter a vertente antes que alguém tente. Olhar para a frente e escrever sobre a atmosfera que te persegue, sobre o estranho contaminado pela perversão virulenta, sobre os discursos cuspidos nas calçadas. Reverter tudo e escutar, através do princípio do silêncio de tuas palavras, a poesia da paixão que te domina e quer transformar o teu mundo numa utopia de romantismos devastadores e lágrimas tsunâmicas. Libertar o teu próprio sentido de desconstrução através do que você escreve. Liberar o florescer dos teus sentidos e vontades aparentemente direcionados. Levantar as mãos e descobrir que o céu não está em lugar nenhum, e que existe tão somente a nossa fome de enxergar a rotatividade dos dias e noites, um mundo alternado em azul e preto.

Poema em prosa escrito por Ulisses Góes

Imagem acima extraído da capa do álbum
Heaven is Whenever [2010], da banda The Hold Steady

sábado, 26 de junho de 2010

Sim, vivemos a História todos os dias. E não estou aqui para comentar sobre o pão e circo que nos assola a cada 4 anos de nossas vidas. Não quero cometer o equívoco de cair no lugar-comum da unanimidade. Quero falar e comentar sobre as coisas que tocam meu coração da forma mais intensa possível. Seria possível então eu falar sobre as palavras de José Saramago enquanto escuto Bob Dylan? Acredito que sim, pois eu sempre deixo as palavras fluirem de meus dedos na hora em que elas realmente devem fluir. Eu poderia estar escutando Michael Jackson, já que ontem completou-se 1 ano desde sua morte estranha e sem sentido. Mas o contexto não se encaixa definitivamente. Deixemos o Rei do Pop descansar em paz após passar pelo nosso universo carregando seus carmas pesados e experimentando uma vida conturbada. No momento, prefiro enxergar minha realidade escutando a voz cheia de blues de Bob Dylan.
O grande escritor português morreu, foi homenageado, cremado mas não posso deixar esse momento de nossa História passar em branco, até porque Saramago, pela sua maneira incrível de escrever, me influencia na minha forma de escrever, de tentar contar algo. Ele desenvolve seu universo de personagens e fatos de uma forma que tudo parece fluir consistente e único, sem separações, como se os universos, tanto o do leitor como o do livro, se fundissem, misturando suas verdades e seus acontecimentos. A obra de Saramago é única, e só me entristece o fato de que a Humanidade ainda é limitada demais no âmbito do conhecimento para entender a perda que tivemos essa semana. Saramago é uma dessas pessoas que vem ao mundo para nos mostrar somente que a Humanidade ainda não está preparada para certos níveis de conhecimento e sabedoria. Ela própria se limita em fronteiras de ignorância e demência, tal qual os romanos telespectadores nas arenas do antigo Império Romano, extasiados pelo espetáculo proporcionado pelos gladiadores matando uns aos outros. Os imperadores sabiam muito bem como drogar o povo e os fazerem esquecer dos problemas que os afogavam numa vida miserável.
A morte de Saramago não serve apenas para nos mostrar um passado cruel e lamentável. na verdade, ele serve para mostrar nosso presente contamporâneo que se repete de maneira atualizada e ridícula. É fato realmente que o futebol é o ópio de um povo, não apenas o povo brasileiro, mas de toda uma Humanidade, extasiada pelo espetáculo proporcionado pelos "gladiadores" nas arenas de nosso tempo. Eles estão preparados para isso realmente, pois é até onde eles conseguem chegar e até onde seus olhos conseguem ver. É o limite de suas próprias fronteiras intelectuais e humanas. E eu, enxergando a morte de uma grande pessoa dotada de uma sabedoria fabulosa, tenho que olhar para trás e lamentar essa Humanidade, que infelizmente não consegue enxergar para além das fronteiras que criaram para ela.

"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar"
~ José Saramago [1922-2010]

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Eu vivo ciclos de momentos em minha vida onde, apesar de aparentemente parecidos, nenhum se iguala ao outro. Cada um é definido por uma sequência de situações e experiências que as tornam únicas. Cada um desses ciclos me trouxe diferentes gostos amargos e diversos níveis de sofrimento e drama, além de diferentes maneiras de amar. O amar solitário, o amar cegamente, o amar possessivo, o amar desesperado, o amar contido, o amar acompanhado, o amar amadurecido. Cada um desses ciclos de minha vida abriu minhas janelas da percepção de minha personalidade, mostrando ora minha forma sincera e romântica de amar, ora meus demônios interiores prestes a soltar-se perigosamente. Cada ciclo, uma batalha cruel e silenciosa, uma guerra muitas vezes desigual onde a derrota mostrava toda minha vulnerabilidade e fraquezas. Nunca imaginei que erraria tanto, que choraria tantas dores, que tropeçaria em caminhos que imaginava tão seguros.
Mas houve surpresas saborosas e incríveis em minha vida, não posso negar isso. A amizade e o companheirismo veio de onde eu nunca esperava, vitórias simples que me encheram de alegria, aprendizados que me amadureceram sem que eu sequer percebesse. Agora estou aqui, com essa modesta bagagem imensa de experiência e conhecimento, que me parece suficiente para eu saber agora por onde caminhar e quais decisões tomar daqui pra frente. Eu disse bagagem imensa, mas eu estou ciente de que tudo que trago dentro de mim ainda não é o suficiente. Ainda não tão experiente assim, tenho muito chão pela frente e ainda tenho muito o que aprender nessa vida. Escrevo durante as madrugadas enquanto tomo goles de café, e penso no momento que estou vivendo agora. São decisões que terei de tomar, e sei que essas decisões agora farão minha vida tomar uma forma totalmente nova e nunca antes experimentada por mim. Eu sei que esse ano é decisivo, eu sei que busco realizar projetos e tornar reais meus sonhos mais sinceros. Não posso garantir, mas talvez eu esteja fazendo meus últimos trabalhos gráficos aqui, talvez eu esteja me preparando, mesmo sem saber exatamente, para mudanças desafiadoras. Espero ansioso e esperançoso pelo resultado da Bolsa da FUNARTE. Eu quero acreditar que conseguirei, eu preciso conseguir, é minha maior chance de sentir essa mudança radical que parece cada vez mais próxima. Não há nada, atualmente, que eu deseje mais no mundo do que EU dar certo. Sentir minha vida dar certo da maneira como sempre pensei e poder respirar os novos ares que sempre sonhei. E ser escritor reconhecido pelos meus livros é algo que sempre sonhei.
Ontem o Brasil fez seu primeiro jogo na Copa do Mundo 2010, vencendo a Coréia do Norte por 2x1. Mas isso pouco importa pra mim. Hoje dei ótimas risadas vendo o descontraído Tiago Leifert no programa Central da Copa falando sobre o fenômeno mundial da hilária campanha "CALA BOCA GALVAO" disseminada no Twitter e que fez Galvão Bueno dar boas risadas e levar na esportiva. Assisti diversas conferências da E3 2010 ao vivo pela internet sobre os próximos lançamentos de jogos previstos para esse ano e para 2011. Mas, sinceramente, nada disso é importante para mim hoje. Ciclos estão chegando ao seu fim inevitável, para dar lugar a algo novo que ainda não consigo definir, mas que tenho certeza é o que estou esperando há muito, muito tempo. Desde que eu era criança.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Uma sensação incômoda me invadiu o espírito ontem. E eu sei o que motivou o aparecimento dessa sensação. Algo como um gosto amargo de desânimo por uma derrota que provavelmente você não queria acreditar que ocorreria. Senti isso uma vez, quando participei pela primeira vez de um concurso de poesias e acabei amargando um 7º lugar com um poema intitulado Linha 147, inspirado no violento assalto e sequestro do ônibus da Linha 174 ocorrido em junho de 2000 no Rio de Janeiro. A inversão dos números no título do poema foi acidental e acabou escapando de minha revisão final. Esse foi um dos raros trabalhos líricos onde minha inspiração foi a violência urbana e o caos social vivido pela sociedade contemporânea. Nesse ano, amarguei o gosto da derrota. No ano seguinte, participei novamente do mesmo concurso e então vivenciei o sabor da vitória. O tema desse concurso era o escritor Jorge Amado, e então venci o concurso com o poema Oração para Amado, uma homenagem minha para essa grande personalidade do mundo literário. O fato estranho e marcante dessa minha vitória é que nesse mesmo ano, em agosto, Jorge Amado acabou falecendo em Salvador. E eu estava ao lado de sua casa no dia de sua morte.
Eu sempre fui uma pessoa obstinada e decidida com relação aos meus reais objetivos, e esse concurso me fez comprovar mais ainda esse lado de minha personalidade. Não me entreguei após a derrota, apesar do desânimo evidente em meu semblante, e tentei novamente, obstinado e incansável. Não desisti e fui recompensado com justamente aquilo que eu mais queria. É o que acontece quando acreditamos naquilo que criamos e que trazemos para esse mundo. Agora estou vivenciando tudo isso novamente. A batalha constante, o desafio, a imprevisibilidade do resultado, a possível derrota, a tão sonhada vitória, a queda, o desânimo, o novo impulso e o chamado para uma nova batalha. Parece que nossa vida aqui se resume a essa linha de acontecimentos. No meu caso, existem momentos claros em que respiro tudo isso, a expectativa de vitória e o sentimento de derrota, e vice-versa. Agora eu começo a me questionar se estou sendo obstinado o suficiente para as conquistas que desejo, ou se me falta mais determinação e força de vontade para seguir em frente e desenvolver ainda mais meu trabalho literário. Tudo isso dentro de mim são incertezas e incógnitas suspensas. A única certeza impregnada em mim é que tenho que continuar escrevendo sempre e buscar minhas vitórias, não importa o quão amargo seja o sabor da derrota.

oração para amado

Eu estou vestido com as palavras
da literatura de Jorge
Armado com o que há de Amado
Para que meus versos
mostrem tua prosa e teus reversos
teus escritos feitos e teus feitios
e que ninguém imagine tua pessoa
apenas como nome de rua em curso
título de casa, referência de concurso.

Eu estou vestido com as palavras
da literatura de Jorge
para sentir seu amado mundo
presente pulsando vivo
nos feitos defeitos e desfeitos
dos coronéis e jagunços
nas safadezas façanhas e facetas
de Gabriela Tereza e Tieta
na Flor faceira e dissimulada
nos passos largados na praia
da molecada abandonada
na caçada cruel da emboscada
no caçuá carregado pela mão calejada
no cacau na ponta do biscó
na colheita e na empreitada

Eu estou vestido com as palavras
da literatura de Jorge
para derramar teus cabelos brancos
por Itabuna Ilhéus Salvador Paris
e mostrar todo o seu universo amadiano
guardados no lirismo destes versos que fiz.


Por Ulisses Góes
Poema vencedor do XI Concurso
Regional de Poesias Euclides Neto
Ilhéus ~ Bahia

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ontem vasculhei papéis antigos dentro de um envelope branco, e encontrei relíquias minhas. Rascunhos de poemas e contos, desenhos que fiz há tempos atrás, entre alguns outros documentos que não faço idéia do por que decidi guarda-los. Na verdade, eu procurava contos que escrevi quando adolescente. Estavam finalizados, prontos, e mostravam a forma como eu escrevia naquela época. Eu procurava um conto em especial. Acabei encontrando dois incríveis, e todos os planos simplesmente mudaram. Dois contos que eu escrevi me chamaram a atenção de tal maneira que decidi fundi-los em um conto novo. Então comecei a escrever uma história nova baseada naquelas histórias que eu havia escrito. E novamente me surpreendi com o que acabei desenvolvendo. Não quero criar expectativas antecipadas sobre meu conto e nem sua possível participação em futuros concursos. Mas confesso que eu tenho escrito coisas mirabolantes, com finais dignos de deixar os leitores completamente chocados, surpresos. Segue abaixo o conto finalizado. Boa leitura.

Filho do Fim do Mundo

O mundo girava de forma lenta e estranha ao seu redor num déjà vu sinistro. Uma sensação que o dominou completamente logo após ser atingido pelo projétil disparado pelo policial que o perseguia. A bala o atingiu nas costas, e então ele foi engolido por um silêncio com mãos de veludo. Seu corpo parecia agora desobedecer completamente as leis do tempo e do espaço. Tudo parecia estar mais lento, movimentando-se tão vagarosamente que ele podia enxergar cada gota da chuva caindo, uma por uma, diante de seus olhos. Seu corpo ensaiou uma pose mortal de balé, e começou a pender para frente, devagar, cada vez mais devagar. As pessoas, os carros, a rua, tudo diante de si obedecia agora a movimentos cadenciados pelas frações de tempo, milésimos de segundo. A dor provocada pelo tiro percorreu cada célula de seu corpo na velocidade de um choque elétrico. A velocidade da dor contrapondo-se à vida em slow motion diante de si. Em seu rosto juvenil havia a presença viva de um choque repentino, uma descarga violenta de emoções que invadia seu espírito de forma ininterrupta. Aquela manhã chuvosa de abril se espremeu em um diminuto momento lancinante de violenta combustão social. Continuava a cair lentamente para frente, e enquanto caía, experimentava o confuso sabor amarulento da paralisação dos movimentos. Seu corpo ficou mudo de ações, todos os gestos desmaiados após o tiro certeiro do policial. Seria esse o verdadeiro gosto da Morte? Estaria então sucumbindo para o inevitável fim de tudo? Seu cruel destino realmente se realizaria? Durante o movimento lento e mortal de seu corpo, sua mão apontou para o céu de onde desabava um dilúvio, lançando longe a arma que antes segurava com determinação e raiva, durante o assalto que tentava praticar contra um casal de turistas idosos em visita àquela conturbada cidade maravilhosa.
A dor parecia retardar o tempo e entorpecer sua mente que viajava em retrocessos de lembranças. Como chegou até esse momento fatal de sua vida? Então seu destino já estava traçado e ele não teria a menor chance de qualquer mudança? Recordou o ardente dia anterior, aquela manhã ardente que cozinhava seus miolos e deturpava suas idéias, queimando o pouco de juízo que ainda devia ter em sua cabeça de jovem marginal abandonado. Sua mente vivia atormentada por sonhos estranhos que tinha certas noites e que nunca conseguia explicar do que se tratava. Talvez fossem consequências do uso excessivo das drogas. O escasso juízo que tinha conseguiu juntar perambulando em um mundo que só lhe oferecia migalhas imprestáveis e nenhuma alternativa de sobrevivência decente. Nunca esteve em uma escola. Nunca aprendeu a ler ou escrever. Nunca aprendeu a desenhar letras ou soletrar palavras, nem sequer sabia como era seu nome escrito num papel. Não teve educação alguma. Apenas vícios e fome, uma idéia violenta na cabeça e uma arma na mão. Foi justamente no dia anterior que seus olhos enxergaram o fundo do poço, a escuridão do desespero, a dominação das drogas por todo seu corpo juvenil. Precisava de dinheiro para sustentar seu vício, e viu-se num beco sem saída. E aos 16 anos de uma vida mal vivida, entregou-se completamente ao caminho perigoso da violência urbana e do roubo armado. Sentia toda sua vida de completo abandono e sofrimento, de fugas e dores, de noites escuras vivendo escondido em prédios abandonados ou em galpões antigos, ou embaixo de viadutos que seguiam em direção a um progresso que ignorava infâncias marginalizadas. Sentia-se um marginal. E como um delinquente juvenil, conseguir uma arma não foi difícil, e apesar de nunca ter assaltado ninguém antes, sua mente deturpada pelas drogas que consumia foi afetada por uma coragem alucinógena. Estava disposto a realizar o ato, a conseguir dinheiro para continuar sustentando seu vício que o levaria ao desfecho fatal daquele momento.
Enquanto seu corpo caia lentamente atingido pela bala, sentia o ar ficar insustentável dentro de seus pulmões. Ele realmente não conseguia entender aquela insustentável leveza de seu ser marginalizado, flutuando tão lentamente para a morte. Ele não compreendia ainda que o tempo fluia de forma diferente tanto para a vida quanto para a morte. Ele estava experimentando o tempo da morte, que escorregava mansa em microssegundos sutis. E memórias que ele sequer imaginava ter repentinamente explodiram num feixe de luz diante de seus olhos arregalados. A arma ainda saltava pelo ar, girando e girando em meio a uma chuva que caía quase suspensa. O jovem garoto não saiba ainda o que acontecia realmente e não acreditava que aquilo tudo acontecia com ele, e mesmo contra a vontade dele, sua memória explodiu em milhares de imagens estranhas, nítidas e surpreendentes. Vislumbrou um momento de sua vida que sua mente não conseguia descobrir onde estava guardado. Estaria tendo flashs de sua vida pouco antes de sua morte, ou tudo era puro delírio de sua mente? E diante de si já não via mais aquele dia chuvoso e fatal. Tudo ao seu redor foi desaparecendo de forma desfocada e fluente num clarão silencioso, tão somente silencioso... Uma outra paisagem tomou forma diante de seus olhos aturdidos. Viu um entardecer.
Era final de tarde diante de si. Anoitecia na caótica cidade grande. Era o momento de acender todas as luzes da Humanidade. Prédios iluminados, postes acesos, painéis luminosos de propagandas consumistas. Um out-door gravou em sua mente de criança a imagem gigante de uma bela mulher sorridente oferecendo a todos incríveis serviços de telefonia e internet de banda larga. O céu era tingido por um entardecer violáceo envolvido por negras nuvens anunciando um temporal. Ventanias anunciavam um dilúvio prestes a desabar naquela metrópole em fim de expediente. O pequeno garoto de 6 anos sentia o vento intenso em seu rosto, enquanto caminhava à beira de avenidas movimentadas e congestionadas pelo tráfego intenso de carros. Todo aquele caos não o incomodava, apenas a fome o perturbava. Acompanhava silenciosamente e de perto seu pai, catador de papel e de latinhas de alumínio que passava o dia inteiro recolhendo material reciclável, e em cujo rosto estava exposta a face esmagadora de exclusão social. Ao lado de seu pai, caminhava sua mãe, grávida e cansada de parir tantos filhos no mundo. Caminhavam silenciosos e cansados, com passos que pareciam sempre demonstrar que eles estavam fugindo do sofrimento diário, tal qual nordestinos fugindo maltratados do distante mundo árido do sertão e agora vítimas da indiferença da caótica cidade grande. O pequeno garoto sentia fome, assim como seus irmãos mais velhos, que a essa hora estariam perambulando pelas ruas vendendo doces nos sinais ou pedindo esmolas pelas esquinas. O menino tinha a estranha sensação agora de estar dentro de um sonho distorcido, e mesmo assim tudo era muito nítido diante de si. Ele olhou para seu pai e se lembrou de que ele percorria as ruas amealhando jornais velhos, caixas de papelão e latinhas de alumínio para garantir o amassado pão abençoado que seus filhos devorariam na velocidade de um comercial de TV. Então, ele olhou para sua mãe e se lembrou de seu rosto marcado pelo sofrimento tortuoso e tristeza insistente, e de seu ventre de mulher a carregar seu próximo irmão, de destino quase duvidoso e futuro provavelmente incerto.
A noite ganhava seus contornos obscuros e luminosos enquanto um rio conturbado de luzes e buzinas trafegava indiferente ao lado deles. Relâmpagos iluminavam o céu urbano, enquanto trovões cortavam o ar em estrondos assustadores. O garoto e seus pais seguiam por diversas ruas e avenidas, traçando um caminho sinuoso e irregular, buscando a rota mais curta para chegar ao seu destino, seu lar, um barraco armado com papelões e restos de madeira compensada que ficava embaixo de um viaduto. Em algumas avenidas, as lojas ainda estavam abertas. Seu pai parou em frente de uma dessas lojas e começou a catar os papelões largados juntos com sacolas de lixo. Sua mãe segurava a barriga, como que sentindo o peso de sua maternidade, ao mesmo tempo em que olhava meio admirada as imagens fluindo nas telas dos televisores de LCD, num estado de hipnose que não chegava a tirá-la completamente da realidade que a cercava. O garoto terminou de pegar os últimos papelões quando se assustou com seu pai gritando pela sua mãe, chamando ela para ir embora. Continuaram a jornada embalados por esperanças e dúvidas a respeito do dia de amanhã. Já o menino não compartilhava dessa mesma sensação, e ficava confuso com seus pensamentos. Sua mãe constantemente amaldiçoava a vida que levava. “Deus se esqueceu da gente”, reclamava indignada. Já seu pai se resignava e sabia que não tinha tempo para tentar entender como funcionava o mundo onde perambulava, já que estava ocupado demais buscando meios para sobreviver com sua mulher e seus filhos. O céu continuava com seu espetáculo de luzes e estrondos. O temporal era iminente. Eles apressaram os passos e tomaram o caminho de uma rua mal iluminada e pouco movimentada, fétida e cheia de lixo acumulado. O menino então viu o momento exato em que sua mãe soltou um grito agudo e levou a mão à barriga. Seu pai assustou-se, largando a carroça que puxava e correu para prestar socorro à mulher, já ajoelhada no chão.
Naquele momento a chuva desabou forte e assustadora. O menino apavorado presenciou a gravidade da situação, e imediatamente ajudou seu pai a colocar papelões no chão da calçada e acomodar sua mãe ali, que gemia de dor. E pelo ar ecoaram gritos assustadores de uma mulher que não suportava mais as dores que sentia. Seu irmão iria nascer ali mesmo, no meio da rua, no meio da chuva, no meio do nada, em uma rua mal iluminada daquela imensa metrópole. A chuva desaguava em suas faces miseráveis. Seu pai segurava a mão de sua mãe, e ela, aturdida pelas dores, todas as dores que podia suportar, fazia força para ter mais um filho. Era uma mulher em meio a uma tempestade, sem qualquer ajuda médica, dando à luz e sentindo que sua dor era multiplicada pelo sofrimento da vida que tinha. E ali mesmo, entre gritos e gemidos, apoiada pelo marido e pelo filho, expeliu mais uma vida, cuspida junto com um choro abafado pelo barulho daquele temporal. Seu pai, com as mãos ensaguentadas, pegou seu rebento envolto em sangue e placenta e o entregou nas mãos da mulher, em cujo rosto mostrava uma mistura de emoções embaladas por alívio, alegria e tristeza.
No início daquela mesma rua surgiu repentinamente um marginal descambando em tombos nervosos e passos rápidos. Sua pernas ágeis bucavam a todo custo fugir das sirenes das viaturas que o perseguiam, e dos policiais que o haviam flagrado momentos antes tentando assaltar um posto de gasolina. Os olhos do menino enxergaram aquele meliante passar por eles numa fuga frenética e alucinada. O garoto levantou-se e ficou em pé, no meio da chuva, observando aquele marginal fugindo pela rua. Seus pais, porém, absortos pelo instante que vivenciavam, não chegaram a ver o homem passar por eles correndo com passos cada vez mais fugitivos. Virou-se e viu seu pai entrar em desespero profundo e sua mãe tombar a cabeça desacordada. Aparentemente tinha desmaiado, perdido os sentidos momentaneamente, mas o homem olhou para ela e tocou seu corpo, como que tentando sentir seu coração e ter certeza de que ela ainda estaria viva. Naquele momento, o menino viu seu pai ser engolido pela sensação da morte, e uma descarga de adrenalina invadiu seu corpo. Seu pai entrou em desespero, como que temendo o pior. As sirenes das viaturas começaram a soar cada vez mais perto, e uma delas surgiu no início da rua, fazendo uma manobra arriscada na esquina. Aquele barulho havia chamado a atenção de seu pai, e rapidamente ele se ergueu desesperado e com a idéia fixa de pedir ajuda para sua mulher, e levá-la para o Pronto-Socorro mais próximo. E então, em pé, parado ali no meio da chuva, o pobre menino observou seu pai, com as mãos sujas de sangue, correr para o meio da rua na direção da viatura que vinha em alta velocidade. Seu pequeno irmão recém-nascido chorava nos braços de sua mãe que trazia agora no rosto o semblante de alguém que já não pertencia mais ao mundo dos vivos. O menino apenas ficou ali, inerte naquele momento, olhando anestesiado tudo aquilo acontecendo ao seu redor. Seu pai correu feito um louco em direção à viatura, e então tudo aconteceu rápido demais. O veículo não teve tempo de desviar, atingindo em cheio o homem, lançando seu corpo para o ar, fazendo-o saltar por sobre a capota do carro. A viatura freiou bruscamente de lado, e rapidamente os policiais saíram de dentro assustados com a situação. E o menino, sentindo seu coração numa aceleração nunca experimentada antes, viu lá adiante o corpo inerte de seu pai estirado na rua. Completamente chocado, o garoto não conseguiu se mexer. Apenas observava tudo aquilo, calado, com um olhar fixo, enquanto ouvia o choro de seu pequeno irmão nos braços de sua mãe, e os policias debruçados no corpo de seu pai morto. Sua mente não conseguia ainda acreditar que tudo aquilo estava acontecendo, e toda aquela cena para ele ainda parecia ser surreal, parecia um sonho estranho que a qualquer momento sumiria diante de si logo após um clarão. E ele realmente esperava que tudo ao seu redor fosse desaparecendo desfocado e fluentemente num clarão silencioso, tão somente silencioso...
Mas isso não aconteceu. Nunca aconteceu. E todo o sofrimento pelo qual passaria pelos seus próximos anos tinha nascido justamente neste dia. Toda a sua vida de abandono, clandestinidade, humilhações e marginalidade precoce, tudo havia nascido deste dia. E o pobre menino passou toda sua vida sem nunca imaginar ou entender que seus sonhos estranhos nada mais eram do que visões do futuro. E ele passou toda sua miserável vida sem se lembrar que justamente naquele dia fatídico, pouco antes de toda aquela tragédia acontecer com seus pais, ele tinha vislumbrado nitidamente sua primeira visão do futuro. Ele tinha visto o momento exato de sua própria morte. Uma visão que ele só se lembraria no último dia de sua vida, naquele exato momento no qual o mundo girava de forma lenta e estranha ao seu redor num déjà vu sinistro.

Conto escrito por  
Ulisses Góes ~ maio 2010

[update do post]
O conto acima escrito foi revisado e teve algumas pequenas partes reescritas posteriormente à data de publicação aqui no blog.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Eu senti novamente e claramente aquela sensação lógica de que devo parar de fazer alguma coisa que não faz mais nenhum sentido para mim. Isso já me ocorreu raras vezes em minha vida, em outras épocas remotas e de maneira bem peculiar. É um sentimento que me invade e me preenche de questionamentos sobre aquela atitude que estou tomando ou aquela ação que estou praticando. Fico então olhando para o tempo e me perguntando mentalmente, "Por que ainda faço isso? Qual a razão de continuar fazendo isso?". Tudo isso vem seguido imediatamente de afirmações que parecem querer apenas responder minhas indagações interiores, "Não há mais razão de você agir assim, já que isso para você não traz qualquer sensação de realização ou de amadurecimento pessoal". E então me veio à mente aqueles escritores atormentados por seus dilemas mais profundos, que os conduzem a encruzilhadas em suas vidas nas quais eles precisam decidir por um caminho apenas. Perder-se completamente numa trilha de situações esporádicas e sem importância, ou buscar seu caminho de aprimoramentos e evoluções pessoais? Lembrei-me agora da última visita que Cainã me fez, onde eu falei pra ele com toda sinceridade que aquele "Ulisses" que ele conhecia pretendia mudar e dar novos rumos à sua vida. Ele fez um ar de espanto, como que não acreditando em princípio nas minhas palavras. É como se durante todo o tempo que ele me conheceu e me conhece, ele tivesse gravado em sua mente e seu espírito apenas uma imagem minha, tão somente uma imagem nítida e imutável, aquela que permaneceria por todas as nossas vidas e enquanto nos conhecêssemos. Minhas explicações continuavam, e eu expressei para ele aquela sensação que sempre tenho comigo, a sensação de que vivo em um universo paralelo, um universo a qual não pertenço e que fui conduzido sem saber, assim como o personagem Peter Bishop, da série Fringe.
Não que eu tenha me arrependido de conhecer todas as pessoas que conheci, especialmente aquelas que se tornaram as mais importantes e especiais para mim, meus dois afilhados, meus amigos mais preciosos e raros, pessoas que cruzaram minha vida e deixaram suas marcas praticamente inerentes em meu ser, meu espírito. Não me arrependo nunca de as ter conhecido. São meu maior tesouro dessa vida. O que considero apenas como erro foi alguns caminhos que escolhi e que tracei equivocadamente durante épocas importantes de minha vida. Não sei se era realmente para tudo ser assim desse jeito. Podia ter sido diferente. Tudo podia ser um pouco diferente, e então teríamos um mundo um pouco diferente do que temos hoje. A lista de convocação de Dunga para a Copa 2010 podia ser diferente. O final de Lost podia ser diferente. O acidente de Bono essa semana durante ensaio da tour do U2360º podia não ter acontecido. Tudo podia ser diferente, e no entanto, foi do jeito que foi, e aqui estamos. Divagar sobre essas possibilidades outras é querer caminhar em realidades paralelas, aquelas que podem existir mas que nunca realmente saberemos se elas existem de fato.
A certeza que tenho, assim como algumas outras que sempre carrego comigo, é de que sempre que tenho a sensação que descrevi no início desse texto, eu acabo realmente tomando uma decisão radical, sumária, irrevogável, irreversível. Diante dessas sensações e de minhas decisões baseadas nelas, nunca voltei atrás, nunca me arrependi, nunca retrocedi. Essas decisões são as que mais me fizeram amadurecer como ser humano, como pessoa. O que eu espero é que, no final, todas elas tenham me levado definitivamente ao lugar ao qual eu pertenço de verdade. O lugar onde minha essência é minha realidade completa.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Hoje é um daqueles dias em que você simplesmente desacelera e acompanha a vida em slow motion. Sim, é uma segunda-feira, mas para mim existem datas que forçam a reflexão sobre o tempo que passa. O tempo passa, e algumas situações se tornam preciosidades que é preciso deixar registrado para uma posteridade que vislumbra dias melhores. As amizades, as lembranças, os sorrisos, as frases que nunca sairão de sua mente, as músicas que farão parte de você sempre. Essa semana que passou recebi de meu afilhado Flávio Malicheski um presente poético, uma versão musicalizada de meu poema "Os Passos de Johnnie", versos que escrevi no final de 2008 e que postei aqui mesmo no meu blog. Ele estava atrás de versos para compor uma música, e eu ofereci a ele que colocasse melodia nesse poema. O resultado foi Magnífico. Para quem quiser conferir como ficou o resultado, basta clicar aqui e fazer o download da música que ele acabou compondo em voz e violão.
Magnífica também é a data de hoje, aniversário de Bono Vox, que acaba completando meio século de existência. Cinquentão líder do U2, essa banda que marcou muitos momentos de minha vida, até mesmo na minha infância, sem eu saber que era U2 tocando na rádio, ou passando na TV. O tempo realmente passa, e não demora muito estarei vislumbrando outras datas comemorativas e guardando diversas outras lembranças em minha memória. No momento, busco agilizar um projeto audacioso e que me faz pensar o quanto eu sou persistente e nunca abandono meus sonhos, por mais desanimadores que possam ser os obstáculos à frente algumas vezes. Aqui estou eu elaborando um projeto para concorrer à Bolsa FUNARTE de Criação Literária, lendo e relendo diversas vezes todas as páginas da proposta e torcendo para que eu possa, enfim, conseguir tornar real esse sonho que busca voos ambiciosos por céus cada vez mais amplos. Não paro, não desisto, não desanimo nunca. Afinal, como escrevi nos versos de meu poema "Os Passos de Johnnie", estou suando em palavras pelos poros, derretendo minha raiva em versos. Continuo seguindo meu caminho. Magnificent.

domingo, 2 de maio de 2010

É bem verdade que sou escritor. É bem verdade que sou poeta. E sendo poeta, tive a coragem e ousadia de escrever versos em outras línguas. Já escrevi versos em italiano, em francês [com supervisão e revisão de uma grande amiga minha professora de francês], e hoje tive a ousadia suprema de escrever um poema em alemão. Aí alguém, silenciosamente em sua mente, faz aquele questionamento crucial: "se você é poeta e escritor, o que tem de tão corajoso e ousado em fazer versos em outras línguas?". E eu respondo que a ousadia e a coragem está justamente no fato de que eu não sei falar italiano, nem francês, muito menos alemão. Então podem jogar aquele contra-argumento em cima de mim, afirmando que basta escrever o texto em português, jogar no tradutor do Google [o supremo pai virtual de todas as respostas] e ele se encarrega do resto. E eu rebato novamente e de maneira firme, e explico o seguinte: antes de mais nada, não se pode confiar 100% nos tradutores do Google. Se for utilizar eles apenas como uma espécie de suporte, para tirar alguma dúvida a respeito de uma tradução simples, uma palavra ou uma expressão, tudo bem. Mas confiar um texto inteiro aos tradutores do Google é um erro primário e amador de quem preza por tudo aquilo que escreve. E segundo: existe o contexto do que se escreve, existe todo um universo de pensamentos, sentimentos e emoções inserido por detrás de um conjunto de versos, de um poema bem escrito. Todo escritor e todo poeta escreve com a alma, com o espírito aberto a tudo aquilo que toca fundo em seu coração. Uma cena do cotidiano, um amor que inunda seu coração, uma saudade que aperta, uma música que se ouve, uma lembrança, um fato. Tudo isso é combustível ativo que, quando lançado no íntimo do poeta ou do escritor, flui pelas suas veias como sangue e desperta explosivamente suas alegrias ou tristezas mais interiores. Por tudo isso que eu considero uma ousadia suprema e muita coragem minha em escrever versos em alemão. Esse poema traduz sentimentos e sensações pelas quais já passei diversas vezes em minha vida e que vez ou outra domina meu espírito. Não com a mesma intensidade de outrora, mas que ainda consegue incediar minha alma de poeta. A seguir, o poema em alemão, e logo abaixo a tradução.

in meinem Herzen 

Ist kein Licht am Horizont
ein Sturm kommt auf

Er hat die Augen zugemacht
Ging ein Sturm los

Die Wahrheit ist wie ein Gewitter
Es fließt durch meine Venen
Es schläft in meinen Tränen
Ich weine leise in die Zeit

Du ist wie ein Gewitter
Nach einem Windstoß
Du bist mir ans Herz gewachsen

Ohne dich kann ich nicht sein
Mein Herz Brennt
und übrig bleibt ein Mundvoll Asche
und ein Sehnsucht so grausam

[tradução]
Em meu coração 

Não há luz no horizonte
uma tempestade se aproxima

Ele fechou os olhos
Começou uma tempestade

A verdade é como uma tempestade
Ela flui pelas minhas veias
ela repousa nas minhas lágrimas
Eu choro suavemente no tempo

Você é como uma tempestade
Depois de uma rajada de vento
Você cresceu em meu coração

Sem você eu não existo
Meu coração queima
e o que resta é um bocado de cinzas
e uma saudade tão cruel 

Ulisses Góes ~ maio 2010

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Isso é algo que me entorpeceu praticamente no primeiro momento em que acordei. E acordei já pensativo, querendo logo analisar o que havia sonhado, e porque havia sonhado, e os detalhes do que havia sonhado. Foi uma viagem onírica vertiginosa, e raramente tenho esse tipo de sonho intenso e sufocante. Até cheguei a postar diversos comentários no dia seguinte ao sonho em meu Twitter. Vou tentar aqui em meu blog, com o máximo de lembranças possíveis e detalhes relatar esse sonho estranho, sinistro, catrastófico.
Até onde consigo lembrar, puxando cuidadosamente pela memória detalhista, o sonho começava comigo andando por um pátio de uma escola, ou faculdade, onde eu já havia estudado. Bom, pelo menos no universo do sonho, eu já havia estudado ali, e era um pátio meio semelhante ao pátio da Uesc, conhecida universidade do Sul da Bahia. Eu caminhava e então ficava sabendo que um grupo de pessoas estavam fazendo pesquisas referente a pequenos abalos sísmicos que estavam ocorrendo em minha cidade. Para ser bem exato, o epicentro dos abalos ficavam no centro, bem no centro de minha cidade. O intrigante é que na cidade do meu sonho, o local do epicentro era justamente o colégio. Só que o colégio ficava em um local onde, na vida real, aqui em minha cidade, funciona um grande hipermercado. Bom, voltando ao âmbito do sonho. Curioso, fui procurar essas pessoas conhecidas minhas que estavam fazendo as tais pesquisas. Logo encontrei entre essas pessoas um conhecido professor de Física aqui de minha cidade, que por sinal ensina em alguns colégios particulares e cursinhos aqui. Em meu sonho, ele e mais outros menos conhecidos estavam pesquisando os abalos em um laborátorio montado bem próximo do epicentro. Mais curioso ainda, fui justamente ao local onde sentiram com mais intensidade os tremores, e então, ao chegar nesse local, observei no chão fissuras e rachaduras que estavam sutilmente se abrindo. Então senti os pequenos tremores, e logo em seguida, de alguns pequenos buracos no chão começaram a jorrar lava derretida. O chão tremeu mais intensamente, e onde eu pisava sentia um aumento excessivo de temperatura. Estava começando a ficar quente, e a terra começava a tremer com mais intensidade. O grupo de pesquisas pediu para que todos saissem dali o mais rápido possível, pois tudo indicava que o chão por baixo da gente iria explodir em um mar flamejante de lava.
Eu comecei a correr, e atrás de mim explosões sucessivas. Construções, prédios, casas, tudo começou a vir abaixo, se despedaçando ao meu redor. Pânico e terror tomaram conta de mim de dentro para fora, uma sensação que nunca senti antes na vida real. Caos no trânsito, carros batendo, capotando por todos os lados, e eu correndo por entre esse cenário caótico, enquanto atrás de mim o mundo explodia. Eu podia sentir o calor da explosão. Olhei para trás e vi tudo indo pelos ares num enorme cogumelo em tons de vermelho e amarelo, confundidos e misturados numa imensa nuvem tóxica que subia aos céus. Então corri, pulando entre os carros, passando por pessoas desesperadas. Atrás de mim uma nuvem grossa, negra, espessa, vinha perigosamente em minha direção, tentando me engolir para a morte fatal. Consegui alcançar a parte da avenida que era uma ladeira, e desci desembestado, desesperado, sem acreditar que tudo aquilo acontecia. Eu consegui escapar da explosão de lava que surgiu de dentro da terra bem no meio da cidade, mas aquele grupo de pessoas não conseguiu fugir a tempo. Morreram instantaneamente. Corri para o mais longe possivel, e só via destruição e terror atrás de mim, e aquela nuvem subindo cada vez mais. O sonho sofre algum tipo de quebra de sequência, e o que consigo me lembrar é de tentar retornar ao ponto central onde tudo ocorreu. Já era noite, e fui retornando depois de horas do terror ocorrido. Havia uma parte da cidade envolvida numa grossa nuvem tóxica. Tentei entrar naquela área, mas não consegui ir muito longe. O ar estava pesado, denso, ardia os pulmões, e sufocava qualquer ser vivo. Voltei atrás. E imaginei como seria que estava tudo próximo ao desastre. Pensativo, absorto naquele pesadelo. O chão praticamente se abriu numa cratera de lava, e a catastrofe foi tão imensa que toda uma área da cidade veio abaixo, tudo cedeu, e foi engolida pelas águas do rio que passava ali próximo. Tudo ficou inundado. Outra interrupção sem lógica, e dias depois eu passava pelo local, creio que estava em um jipe, e conseguia finalmente ver e presenciar a extensão apavorante daquela tragédia. A cidade destruída, como que vitimada por um holocausto. E o rio totalmente fora de seu curso, havia inundado tudo ao redor.
A imagem se desfez diante de mim. Acordei com aquela sensação sinistra do bizarro, de ter presenciado o pesadelo em seu tom mais cru e cruel.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Tenho escutado uma música de forma insistente e quase hipnótica nesses últimos dias. Claro que escuto outras, mas essa música em especial tem tocado constantemente em minha playlist e invadiu meus ouvidos praticamente todos os dias. Fui desenvolvendo um raciocínio sutil, tentando entender o motivo que me leva a ouvir ela sem parar. Amadureci essa sensação e desenvolvi minhas idéias sem pressa, até que percebi o que ela queria. Ela queria ser remodelada por mim, reestruturada em verso, recriada em arte poética. Esse foi o sinal. E eu então esperei o momento certo, a hora noturna, o silêncio boêmio que somente eu consigo escutar, a solidão presente, e deixei fluir tudo o que essa música quis dizer para mim. A música? Fragile Tension, do recente álbum Sounds of The Universe, do Depeche Mode. Inclusive postei ela aqui em minha última passagem contaminada pelo blog.
Acredito que o que escrevi fala de amor, um amor entre duas pessoas, um amor que nasce sincero, despretencioso, mas que com o tempo acaba perdendo sua essência vital, e se desgasta através de sentimentos distorcidos, como insegurança, ciúme, obsessão, desconfiança, desrespeito, imaturidade, crueldade, indiferença. Era para ser amor, mas não foi filtrado e se deixou contaminar por tudo aquilo que destrói o sentimento puro. As pessoas ainda tem o amor dentro delas, mas não é mesmo do início. É algo fragilizado, sempre no limite de sua existência, pulsando momentos críticos, ou decisivos, suspirando suas agonias terminais. O sentimento cativante sumiu, dando lugar a uma sensação de atordoamento, de torpor profundo, que tira teu sono, que desequilibra teus dias e escurece ainda mais tuas noites. Não tive intenção de explicar o que a letra original da música do Depeche Mode queria passar para quem a escuta. Foi apenas um caso simples onde sou possuído pelo minha força interior que me diz quando escrever, como escrever e o que devo escrever. E dessa vez escrevi não sobre o inicio, mas sobre um possível fim, onde as pessoas sempre ficam com a sensação de que seus amores ainda tem chances de sobrevida, de sobrevivência, de retorno. E justamente por isso continuam a acreditar que tudo sempre é possível, mesmo que você esteja em queda livre perto de se espatifar no chão.

Queda Livre

Essa tensão fragilizada tão firme
sobrevivendo em intervalos rápidos
enquanto respiramos este ar tenso
intensificando o tempo relativo
ativando nossa eternidade que não dura
Eu sei que não dura para sempre
Mas que sempre está fluindo

Existe algo de mágico sugando o ar
Algo trágico tentando nos sugar

Essa estranha obsessão de cinema
cercando nossos limites numa tela de LCD
Nunca conseguimos entender o motivo
O princípio ativo desse ópio relativo
ativando nossa obscura humanidade
Nessa nossa idade dissimulada
que simulou uma cruel fuga armada

Existe algo de místico em nosso sonhar
Algo plástico causando nossa falta de ar

Essa sensação artificial de sabor "doce"
Esse amor voando em colapso puro
Descendo vertiginoso na estratosfera
Esse sentimento atordoante nos espera
Existe algo radical em nossas mãos
Mas nada lógico em nossos planos


Ulisses Góes ~ abril 2010

domingo, 28 de março de 2010

Esse ano começou tenso e intenso para mim, e até agora tudo está caminhando de maneira diferente de qualquer outro ano. Situações novas, propostas de trabalho fora da cidade, viagens programadas para o meio do ano novamente para o Rio, e a incessante e insistente busca pelo lançamento de meu livro. Se tem algo que considero uma qualidade minha é a tal da persistência. Sempre fui persistente em tudo que sempre quis, sempre mesmo. Nunca desisti de meus sonhos e sempre acreditei nas coisas que fiz e costumo fazer. Essa qualidade faz você alcançar alturas nunca atingidas antes na sua vida. Irei seguindo em frente com meus objetivos, pois sei que lá na frente tudo dará certo da maneira como penso, e terei pessoas me apoiando fielmente em meus projetos. Esses pensamentos povoam minha mente com uma certeza que me assombra. Eu sei que se não desistir e sempre perseguir meus objetivos, um dia eu acabo alcançando os mesmos e os conquistando por completo. É uma lição de vida que passo para todos que me conhecem.
E esse ano creio que viajarei como nunca viajei há muitos anos. Quando eu era garoto, todo ano minha família promovia viagens de férias para o Rio de Janeiro, e era gostoso viajar. Eu me recordo dessas viagens, apesar de tudo em minha mente estar fracionado em flashbacks vagos de tudo o que ocorria. Coisa chata isso de você não lembrar com exatidão de tudo o que ocorreu em sua infância. Como referência, você dispõe apenas de vagas lembranças e de fatos que pessoas mais antigas contam.
Uma das coisas boas dessa minha viagem ao Rio foi ter pego de volta todas as minhas fotos antigas de quando eu era criança, que estavam guardadas com minha mana Zélia. São fotos incríveis, de uma época muito boa de minha infância, onde a sensação que se tem é a de que você sempre respirava felicidade no ar e não existia qualquer vestígio de preocupação. Isso tirando o fato de que minha família sempre foi problemática demais, mas eu era criança para lembrar ou tentar entender o que se passava com meus familiares. De qualquer forma, assim que puder, irei postando fotos de minha infância aqui em meu blog.
Semana passada comecei a trabalhar com a Revista Folha da Praia em Ilhéus. Antes eu fazia todo o trabalho aqui em casa e enviava tudo por email para o pessoal. Esse ano agora está sendo diferente, eles me chamaram para ficar no escritório deles na Avenida Soares Lopes, em Ilhéus, diagramando a revista lá com eles. Eu gostei da idéia e está sendo uma experiência nova para mim, ainda mais que todo dia acordo com a vista maravilhosa da praia da Avenida.
E falando um pouco de música, ontem resolvi garimpar na net algum show ao vivo recente do Depeche Mode, e de tanto procurar, acabei encontrando num blog de um fã-clube de Portugal download de diversos shows recentes da Tour of The Universe ocorrida na Europa no final do ano passado. E melhor ainda, encontrei o download com todas as músicas tocadas pelo DM nos shows recentes. São ao todo 39 canções, incluindo as do último álbum, Sounds of The Universe. Para quem curte essa banda e quiser dar uma conferida nessa preciosidade, segue os links para baixar: Tour Of The Universe Parte 01 // Tour Of The Universe Parte 02

There's a fragile tension   
That's keeping us going   
It may not last forever   
But always is flowing   
   
It's something magical in the air   
Something so tragic we have to care   
   
There's a strange obsession   
It\'s drawing us nearer   
We don't understand it   
It never gets clearer   
   
It's something mystical in our dreams   
It's so simplistic it kicks and screams   
   
Oh well, we'll seem to reek   
On the edge of collapse   
Nothing can keep us down   
   
There's a dizzying feeling   
That's keeping us flying   
Through glittering gauntlet   
Without even trying   
   
It's something radical in our hands   
But nothing logical to our plans
   

Fragile Tension - Depeche Mode
álbum Sounds of The Universe [2009]

terça-feira, 16 de março de 2010

Muita coisa aconteceu desde a última vez em que postei aqui no meu blog. De fato, se eu fosse contar em detalhes tudo o que me ocorreu, creio que ficaria demasiado enorme. Então vou resumir e dar destaque nos fatos mais importantes. No início de fevereiro recebi um telefonema de minha irmã solicitando minha presença urgente no Rio de Janeiro, afim de resolver a situação de minha mãe. Por um lado, fiquei muito feliz, pois depois de 20 anos eu iria rever minha irmã Zelia e meus sobrinhos Wesley e Hemilly, que não via há uns 20 anos. Entretanto, a viagem não seria a passeio. Eu estava realmente indo resolver problemas familiares. E quando cheguei no Rio de Janeiro, praticamente 2 dias antes do Carnaval, eu já sabia mais ou menos o que me esperava na cidade maravilhosa Rio 50º.
Fui colocado em um teste difícil pelo destino e tive diversos momentos de falha e vacilo. Tudo aquilo que eu havia conseguido dominar e encarcerar dentro de mim - impaciência, nervosismo, raiva - simplesmente se soltaram e fizeram um pequeno cotidiano infernal nos poucos dias em que estive no Rio. Abriram minha caixa de pandora à força e soltaram tudo aquilo que demorei anos para prender. Na verdade, apenas uma pessoa conseguiu esse feito, e não convem aqui eu dizer realmente quem foi, provavelmente mais adiante em minha vida eu me sinta mais à vontade para dizer abertamente a pessoa culpada por tal feito.
E lá estava eu, revendo novamente cenas do passado, discussões, brigas, desentendimentos. Nunca gostei de nada disso, são traumas de infancia, e eu aprendi que sempre odiei comportamentos arrogantes, discussões desnecessárias, e cresci entendendo que a diplomacia, o diálogo e a conversa franca são as melhores armas para se garantir uma convivência harmoniosa e sincera. Minha familia nunca soube o significado de nada disso. Nunca.
Mas nessa minha viagem prefiro lembrar dos momentos mais alegres, descontraídos, risonhos. Minha irmã querida que sempre continua a mesma batalhadora de sempre, sempre rindo do que falo e do que faço. Sentia tanta falta disso e ainda mais agora, depois que a reencontrei, sinto mais ainda, já que tive que retornar para Bahia. E meus sobrinhos, meus sobrinhos incríveis, sempre com uma disposição fabulosa debaixo daquele sol carioca que parece estar derretendo nosso cérebro e nossos pensamentos. Wesley sempre brincalhão, queimadíssimo de sol e cabelo pintado de loiro. E minha sobrinha Hemilly, agora casada e já mãe do pequeno Yuri. Saudades de todos. Também reencontrei meu irmão Miro e conheci sua mulher Priscila.  Além de meus irmãos, reencontrei também Elizângela, uma grande pessoa especial em minha vida, que ainda não aprendi a dar o devido valor que ela merece, mas que tenho certeza aprenderei com o tempo.Todos batalhadores, correndo sempre em busca de uma vida sempre melhor e livre de problemas. Eu também sempre busco isso para minha vida.
Foram dias ambiguos, paradoxos, onde eu me sentia bem por rever meus irmãos e sobrinhos, mas estressado e tenso por ter que resolver uma questão de ordem familiar. Dias quentes, abafados, intensos. Mas afinal, valeu a pena, até porque minha alma nunca foi pequena. Combinei com minha irmã, e estou programando um retorno em breve, em junho deste ano ainda. Estou ansioso e muito feliz, pois sei que essa próxima viagem será muito melhor, sem tensão, sem stress, sem brigas e discussões.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010


É verdade que à medida que o mundo evolui e os anos vão passando, o tempo estranhamente vai ficando mais rápido, as horas, os dias, os meses vão passando numa velocidade que deixam a sensação de torpor e perda dos sentidos? Ninguém pode provar isso, mas que todos percebem isso claramente, não tem como negar. 2009 se foi e aqui estamos, respirando uma data puramente binária. O que aconteceu ontem serve apenas para alimentar o caldeirão de lembranças que fica cozinhando em banho-maria. Hoje é uma data mundialmente dopante, o mundo dá um breve descanso, pegando folêgo para reiniciar a jornada e lá adiante sentir novamente a sensação descrita inicialmente neste parágrafo.
Todas essas datas simbólicas apenas refletem a necessidade humana de estabelecer fronteiras temporais onde elas possam determinadas inícios e finais, estipular marcos zero para tentar recomeçar de uma nova maneira aquilo que possa ter dado errado pelo caminho passado, ou iniciar novas metas e seguir adiante com propósitos bem delineados. Tudo simbólico, planejado para dar a sensação de que estamos com tudo sob controle, quando na verdade não estamos. Quem detem o controle de tudo é o Tempo. É evidente que, independente de festejarmos datas importantes ou não, o tempo nos atropela, passa sem pedir licença. O sol se põe e nasce todo dia, em seu ciclo infinito e maior que nossas míseras horas, meses e anos. Tudo no Universo é regido pela infinitude e imensidão que não podemos realmente medir de maneira alguma. Enquanto isso, estamos aqui nesse mundo, regido pelo Tempo cujo Ano Zero foi estabelecido pelo homem em um dia qualquer há 2010 anos atrás. Estranho isso. Estranho porque poderíamos estar comemorando agora qualquer outra data, fosse 2010, 2079, 3156, não importa. Tudo é meramente simbólico, estabelecido apenas para que o homem não sinta perdido sem qualquer tipo de planejamento, horários, datas, metas.
Já eu tenho uma maneira diferente de ver o Tempo, o meu Tempo. Não baseio meus inícios, meios e fins através de datas do nosso calendário. Costumo demarcar inícios e finais de eras em minha vida através de momentos importantes para mim, através de projetos iniciados e que deram certo, através de amizades que conheci e que me marcaram a ponto de serem eternas dentro de mim, através de um beijo, um abraço, uma palavra dita que me comove, me faz ir às nuvens. É dessa forma que eu consigo enxergar meus inícios e finais, e não através de datas fixas no calendário. Sinceramente, ontem foi para mim um dia como outro qualquer, assim como hoje. E se daqui a uma semana, ou um mês ocorrer algo grandioso, extraordinário, maravilhoso e incrível acontecer em minha vida, eu saberei que o meu ano, o meu próprio calendário teve início nesse momento, o fim de um ciclo e o início de um outro, que com certeza irá me reservar sempre grandes surpresas. E que todos tenham um feliz dia binário.
 
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