quinta-feira, 21 de junho de 2012

Eu estou em pé à beira de um penhasco. Não tenho intenção de saltar ainda, apenas estou ali, parado com um olhar atônito, presenciando aquele comboio de tornados devastando toda a vastidão da planície à minha frente. Há algum tempo, eu vinha acompanhando tempestades que escureciam os horizontes e distorciam os horizontes distantes. Eu estava ciente do perigo que corria quando decidi acompanhar tais tormentas, e fazia alguma ideia do que eu poderia enfrentar pelo caminho, pelas estradas. Foi uma escolha minha, e eu sabia os riscos que correria.
Mas nada me abalou tanto naquele momento, ali no topo daquele penhasco, do que aquela visão estranha, aterrorizante. Tentava me manter em pé a muito custo, e em alguns momentos meu corpo envergava para trás vacilando em movimentos deslocados, enquanto eu continuava brigando contra ventos arredios querendo me carregar para o alto. E diante de mim, lá estavam aqueles tornados, todos eles, verdadeiros fluxos de correntes de ar rodopiando com intensidade e fúria, forças de uma natureza incontrolável, destruindo tudo o que encontrava pela frente. Casas arrancadas do chão, árvores se retorcendo agarradas às suas raízes, estradas inteiras varridas do mapa, postes sendo arremessados ao longe provocando descargas elétricas que eram rapidamente engolidas pelos imensos redemoinhos. Toda aquela paisagem estava sendo devastada sem pena pelos colossais tornados, e eu ali, dominado pela sensação de pavor e aflição, apesar de saber que eu estava ali por escolha própria e não haveria qualquer possibilidade de voltar atrás. Essa alternativa já não existia mais em minha vida a partir daquele momento, e apesar do medo que se instalou em minha mente, e do desespero adrenalizado em meu coração fora de compasso, eu sabia que a única atitude que eu deveria tomar seria a de encarar aqueles gigantes devastadores e partir em direção a eles. Então eu zerei meus pensamentos, e lembrei do verdadeiro motivo que me carregou até aquele momento único e desafiador, ali no topo daquele penhasco, diante daqueles tornados.
Eu já havia enfrentado tempestades parecidas antes, tormentas que surgiram diante de mim repentinamente, tormentas que me arrastaram para longe e quase acabaram comigo. Tempestades que por algum tempo me perseguiram numa caçada cruel, sangrenta, marcando minha jornada com feridas profundas. Sobrevivi para tratar de meus ferimentos e transformá-los em cicatrizes que apenas me fazem lembrar o quanto eu posso ser frágil se eu não monitorar os alicerces e bases que me sustentam e me tornam forte. Eu aprendi a sobreviver diante das adversidades da vida e diante de meus tornados que queriam me engolir. Agora eu estava diante de furacões que não eram meus, que não me perseguiam e nem queriam me enterrar vivo. Eles não estavam ali para me destruir. Esbocei no rosto um sorriso de satisfação e um olhar desafiador para aquele comboio que estraçalhava tudo o que pudesse estar ao alcance de minha visão. Eu não estava ali por mim. Estava ali para resgatar os sobreviventes que em mim habitam, estava ali pelas pessoas as quais eu me importava de verdade.
Aprumei meu corpo, ergui o queixo e lancei em meu rosto uma expressão de puro contentamento em estar ali naquele momento. Saltei do penhasco e corri em direção aos tornados.



Supercélulas

Enxergo muitos tornados à minha volta
jogando para o alto várias caixas de Pandora
lançando medos, demônios e aflições para fora
Desenhando nos céus olhos de insônia e revolta

Fora de mim estão arrancando flores e paredes
Ventos arrastando cotidianos para a destruição
Ventanias de máscaras e turbilhões de desesperos
Uma chuva de lágrimas açoitando as inércias
daqueles que flutuam nervosos em suas tormentas

E eu, atento, Caçador de Tempestades alheias
perseguindo as vítimas durante as catástrofes
resgatando os sobreviventes que em mim habitam
antes que tudo enfim se torne tão somente
escombros vazios num belo dia ensolarado.

por Ulisses Góes,
em junho 2012


Atualização contaminada: posterior à publicação desse texto e da poesia, descobri o vídeo acima com imagens colhidas por caçadores de tempestades. Trilha sonora da banda australiana Midnight Oil, com a música "Dead Heart", do álbum "Diesel anda Dust".
 
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