tag:blogger.com,1999:blog-142249542024-03-13T06:33:10.443-03:00: contaminação de ideias :calafrios líricos, espasmos poéticos.Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.comBlogger115125tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-47148192786792744852018-03-31T23:11:00.001-03:002018-03-31T23:11:33.268-03:00Poesia e prosa nossa de cada dia<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxyrpvsJgrtOur-KDMxdrDzF7u0Dpt98oayHzRZ80gBnGFLbvZqmyymQb1YYfwZrl-MOCbZa_N-KwQaJ64EiGERZHYMNxxjZDOR6gE9aMsjKu9OJCXnuJhgdhIyWQxjxBD-8j6/s1600/10409093_10203642939548222_8349170316208308977_n.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="960" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxyrpvsJgrtOur-KDMxdrDzF7u0Dpt98oayHzRZ80gBnGFLbvZqmyymQb1YYfwZrl-MOCbZa_N-KwQaJ64EiGERZHYMNxxjZDOR6gE9aMsjKu9OJCXnuJhgdhIyWQxjxBD-8j6/s400/10409093_10203642939548222_8349170316208308977_n.jpg" width="400" /></a></div>
Um universo pulsante de versos, pura Poesia estratosférica, tudo condensado em "Antes que o Astronauta aterrisse" [Poesia]. Um lugar onde realmente o fim do mundo acontece de fato, uma mudança catastrófica irreversível, onde nada mais será como antes, uma história dramática e apocalíptica em "Efeito Cacaos" [Realismo Fantástico]. E a descoberta de nove poetas antes desconhecidos, todos revelados em "Antologia dos Nove" [Poesia]. Aos amigos leitores de todo país, esses meus três livros estão disponíveis para venda no site da Editora Mondrongo [www.mondrongo.com.br]. Vocês também podem adquirir as obras entrando em contato comigo através de email ulissesgoes@gmail.com</div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-15144200133002622332014-04-15T23:54:00.002-03:002020-07-30T12:54:30.818-03:00O Escrinauta ~ Crônicas<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPMPhhWaWCUFjl61FfLWaYFZhbrnaZK76eGwKydDOwuNJ__E1L9SPLXhqx125X7nAXiw6qQeSd6xJnUfn5liVqCvJHBNL6njKyYDPM4XVYuEIwf1mc9U9wezkV5ddOEfa8yCzh/s1600/1469817_10200819662808068_1534783577_n.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPMPhhWaWCUFjl61FfLWaYFZhbrnaZK76eGwKydDOwuNJ__E1L9SPLXhqx125X7nAXiw6qQeSd6xJnUfn5liVqCvJHBNL6njKyYDPM4XVYuEIwf1mc9U9wezkV5ddOEfa8yCzh/s1600/1469817_10200819662808068_1534783577_n.jpg" height="295" width="400" /></a></div>
O garoto HOb fechou o livro com cuidado e continuou fitando o Escritor Astronauta com atenção. Não estava mais espantado, e agora deixava transparecer em seu rosto uma sutil expressão de contentamento denunciada por um leve sorriso quase imperceptível. Ele parecia compreender que o Escritor fôra transportado para dentro do universo de sua leitura, fato que o agradava muito. Já o Escritor, agora agachado diante daquele jovem de dons fantabulosos, estava maravilhado com a experiência que vivenciou momentos atrás, apesar das situações que se fizeram aterrorizantes diante de si. "Peço desculpas se assustei você. Eu penso que tinha me afastado o suficiente para que ninguém pudesse ouvir minha leitura. Eu adoro livros de terror, e as pessoas sempre se assustam quando eu leio eles", disse o garoto HOb, ainda olhando curioso para o Escritor, que não demorou em responder, "Não precisa se desculpar. A culpa foi minha. Eu estava terminando de escrever algo e eu não fazia ideia das consequências que as palavras de minhas história causariam". A explicação, por mais superficial que pudesse parecer, despertou no garoto uma curiosidade aguçada,e não demoraria mais do que meia respiração sua para começarem a surgir perguntas intrigantes buscando respostas esclarecedoras imediatas. E foi o que aconteceu. "Você é escritor?", questionou o jovem HOb fascinado. O Escritor respondeu afirmativamente, explicando logo em seguida a respeito do livro que estava escrevendo para o jovem ouvinte extremamente atento. E a conversa abriu espaço para uma sequência de perguntas a respeito de sua obra que nem o próprio Escritor Astronauta esperava. O garoto elaborava perguntas que iam desde simples indagações sobre os nomes dos personagens até intrigantes questionamentos sobre quais influências literárias o levaram a escrever uma história no estilo narrativo que havia escolhido. Enquanto respondia as perguntas, o Escritor começou a sentir um formigamento criativo nas ideias em sua mente, sugestões de desdobramentos da história foram surgindo numa velocidade impressionante à sua frente. Sacudiu a cabeça rapidamente e olhou para o jovem HOb, que o fitava com aquele contínuo olhar de curiosidade, aguardando suas respostas. Impressionado com aquela sensação produzindo coceiras em seu cérebro, o Escritor Astronauta respondeu a mais uma pergunta do garoto atento e então o olhou fixamente na direção de seus olhos que pareciam conter em si constelações brilhantes de infinitas histórias já lidas. "É você que está causando essa sensação inquietante em mim?", perguntou o Escritor, "Eu nunca senti algo assim antes. Essa vontade intensa de continuar escrevendo e terminar minha história o quanto antes para que você possa ler". "Eu não sei. Acho que sim... Eu nunca encontrei um escritor antes", disse o garoto. O Escritor parou um momento, os pensamentos se organizando em sua mente, procurando caminhos explicativos. "Você fez tantas perguntas, mostrou tanto interesse na história que estou escrevendo. É como se eu fosse secretamente incentivado a continuar escrevendo, pois meu livro pronto seria a resposta mais definitiva para todas as suas perguntas". O jovem HOb sorriu, e esse sorriso era o sinal de que ele concordava com a explicação oferecida pela Escritor. "Posso ler um trecho de sua história?", perguntou o garoto enquanto guardava em sua mochila o livro que estava lendo momentos antes, cuja capa estampava um grupo de zumbis perseguindo jovens sobreviventes. "Sim, claro, posso mostrar alguns capítulos para você".<br />
Nesse exato momento da conversa, o Escritor Astronauta sentiu sua cabeça pesar levemente numa tontura estranha, incômoda durante os segundos em que persistiu quase como um desmaio. "Você está sentindo alguma coisa?", perguntou o garoto, demonstrando certa preocupação no comportamento do Escritor, que tentou responder, mas foi impedido pela tontura seguida por uma falta de ar sufocando suas palavras. Caiu de joelhos amparado pelo jovem HOb, enquanto um pequeno aviso de ALERTA começou a piscar insistente em vermelho na viseira de seu capacete, seguido por diversas informações translúcidas deslizando velozes determinando alterações em seus batimentos cardíacos, queda constante da temperatura de seu corpo, além de outros súbitos distúrbios nos sinais vitais de seu corpo. "O que está acontecendo?", perguntou o garoto, aflito, observando o Capacete do Escritor congelando por dentro, criando pequenas crostas de cristais de gelo e fazendo o ar dentro do traje condensar-se aos poucos, quase impedindo de ver o rosto do Escritor em meio àquela névoa congelante. "O capacete! Tire o capacete!", gritava o jovem HOb ao mesmo tempo em que tentava desesperadamente livrar o amigo daquela situação. "Sim, preciso tirar o capacete...", pensou o Escritor, e com movimento súbitos destravou o capacete de seu traje, provocando uma rápida sensação de alívio por conseguir respirar novamente. "Está tudo bem com você?", perguntou o jovem HOb antes de sentir brisas congelantes saindo de dentro do traje do Escritor. "Não sei", respondeu o Escritor ainda ofegante e tonto, "Ainda estou tonto". Olhou para o garoto e percebeu que sua visão estava levemente turva, como se houvesse uma névoa atrapalhando ele de enxergar com mais nitidez. Esfregou as mãos nos olhos, e quando olhou ao redor, constatou surpreso algo mais estranho. "Não entendo. Tudo ao nosso redor está desbotando". "Desbotando? Você quer dizer perdendo as cores?", indagou o jovem HOb intrigado. "Exatamente! Onde nós estamos as cores ainda estão vívidas", o Escritor, ainda ajoelhado diante do garoto, olhou para a grama logo abaixo deles e apontou, "Está vendo? Aqui o verde está mais verde. Mas ali do outro lado a grama está ficando pálida, quase cinza". O jovem HOb ficou cismado com a situação descrita, como se já soubesse o que de fato estava acontecendo com o Escritor. "Por acaso sua visão está ficando embaçada quando você tenta olhar para algo mais distante?", perguntou o garoto. "Sim", respondeu o Escritor, "assim como a visão de uma pessoa míope". Ao ouvir isso, o jovem HOb levantou-se demonstrando alguma aflição, andando de um lado para o outro da maneira nervosa, esfregando as mãos enquanto murmurava perguntas. "Será que está acontecendo de novo? Mas como pode acontecer sem eu perceber? Como isso é possível? Talvez seja coincidência, e eu esteja nervoso à toa. Ou eu não estou mais conseguindo sentir?". Um estranho pressentimento fez o garoto meter a mão em sua mochila para procurar o livro sobre zumbis que estava lendo. Pegou o livro e assim que olhou fixamente a capa, abriu e começou a folhear as páginas. Seus temores se confirmaram quando ele passou várias folhas e percebeu que as palavras estavam começando a desaparecer lentamente, como se a tinta impressa sumisse pela ação do tempo. "Veja, atrás de você", disse o Escritor, ainda tonto e sem ar, apontando para a grama logo atrás do garoto. "Está desbotando cada vez mais perto. O que está acontecendo?". "Eu sei o que está acontecendo!", respondeu aflito o jovem HOb, guardando imediatamente seu livro na mochila e revirando-a em busca de outra coisa que sempre trazia consigo. Nesse momento sua visão começou a embaçar. Aquela sensação desagradável de "pupilas dilatadas pelo colírio do Oftalmologista" o deixou mais aflito ainda, pois era uma sensação que não lhe trazia boas lembranças. Então conseguiu encontrar seu pequeno livreto azul de anotações e abriu em uma página contendo um pequeno texto com o singelo título "Biblioteca" escrito com sua caligrafia. "Não se preocupe, eu vou tirar a gente daqui agora", disse o garoto para o Escritor, ajoelhando-se ao seu lado e agarrando seu braço com força, enquanto aproximava e afastava o livreto de seu campo de visão, tentando encontrar o melhor foco para ler seu texto. "O que você vai fazer?", questionou o Escritor, quase perdendo os sentidos. "Vou transportar a gente para outro lugar longe daqui", respondeu o garoto antes de encontrar a distância exata para ler seu texto. E poucos segundos antes que tudo ao redor deles desbotasse completamente a ponto de se transformar numa cinzenta paisagem borrada perdida em meio àquela névoa assustadora, o garoto conseguiu ler seu texto, criando um ponto luminoso condensado que sugou os dois instantaneamente numa fissura espacial. Enquanto o seu jovem amigo HOb lia as páginas de seu pequeno livro de capa azul, o Escritor Astronauta viu centenas de estantes surgirem ao redor de si em uma velocidade impressionante e serem imediatamente preenchidas com milhares e milhares e milhares de livros. A tontura diminuiu, sua respiração voltava ao normal gradativamente, assim como sua visão ficava cada vez mais nítida, até o momento em que percebeu que ambos estavam ajoelhados no meio de uma imensa biblioteca municipal.<br />
"Onde estamos?", perguntou o Escritor. "Meu refúgio. Venho sempre para cá quando sinto algum perigo me cercando", explicou o garoto. O Escritor Astronauta deu uma boa olhada ao redor e estranhou o tamanho descomunal do lugar, tão alto que mal dava para definir quantos andares deveria realmente ter, e com corredores de estantes tão compridas que também não se podia definir sua extensão exata para qualquer lado que olhasse. Para todos os lados haviam prateleiras de livros, e em todos os cantos haviam montanhas empilhadas de livros, pelas escadas, perto de algumas estantes, em diversos corredores. "Esse lugar existe de verdade?", indagou o Escritor. "Existe sempre que preciso dele", respondeu o jovem HOb. "E como viemos parar aqui?", mesmo tendo um leve suspeita de como tudo aconteceu, o Escritor queria ouvir a explicação do garoto, que mostrou para ele o livreto azul ainda em suas mãos. "Eu escrevo sobre lugares que eu gostaria que existissem ou lugares que existem e onde eu gostaria de estar. E uma vez eu descobri que quando eu lia os textos escritos por mim, eu acabava sendo transportado para esses lugares descritos em meus textos". O garoto sorriu com a própria explicação, ciente dos dons literários que hava descoberto quando criança. "Mas por que ainda permanecemos aqui, mesmo depois que você parou a leitura?", questionou o Escritor, tentando entender um pouco mais a natureza do seu jovem amigo HOb. "Não demorei muito em descobrir porque eu permanecia nos lugares relatados nos textos que eu lia mesmo depois que eu terminava a leitura. É simples. São textos escritos por mim. Eu consigo teletransportar para onde eu quiser, desde que eu escreva sobre os lugares para onde desejo ir". "Então é por isso que ainda estamos nessa biblioteca enorme? Por que você criou esse lugar em sua mente e escreveu sobre esse ele?", outra pergunta que o Escritor já sabia provavelmente a resposta. "Sim. É diferente de quando eu leio um livro escrito por outra pessoa. Eu habito o universo criado por outra pessoa apenas enquanto eu estou lendo a história, assim como quem estiver ouvindo minha leitura. Quando eu paro de ler, tudo desaparece de repente. Venha, preciso mostrar algo para você", disse o jovem HOb com empolgação, puxando o Escritor pelo braço. Caminharam durante longos minutos subindo escadas, passando por estantes, pilhas de livros, o Escritor admirado com todo aquele lugar imaginado pelo garoto que ia mostrando detalhadamente cada setor que inexplicavelmente existia naquela biblioteca. Passaram por um andar inteiro dedicado a livros que nunca foram publicados por diversos motivos, um outro andar era dedicado a obras que os próprios autores se recusaram a publicar por considerarem ruins demais, com textos supostamente mal escritos ou histórias com enredos mal desenvolvidos. Depois de mais alguns lances de escadas, chegaram ao local que o jovem HOb queria mostrar ao Escritor Astronauta. Era um andar dedicado a livros que ainda não foram publicados porque ainda estavam sendo escritos pelos seus autores em tempo real. "Eu chamo esse lugar de Setor dos Livros ainda Inéditos", disse o garoto, eufórico, "Pegue qualquer livro e você verá as palavras ainda nascendo pelas páginas, enquanto o autor vai criando a história". Completamente espantado, o Escritor considerou aquilo surreal demais. Passou os olhos pelos livros na estante, e descobriu nomes de autores mundialmente famosos compondo a paisagem impressionante de obras inéditas naquelas prateleiras. Parou, atônito, diante do tomo grosso de um livro na estante, estampando o nome do romancista George R. R. Martin. Puxou a enorme obra e leu na capa o título em inglês "The Winds of Winter". "Isso não pode ser verdade", pensou o Escritor, soltando uma risada nervosa quando começou a folhear algumas páginas, lendo diversos trechos da obra. Passou mais algumas páginas ansioso e percebeu que perto da metade do livro em diante, as páginas estavam em branco. Na estante ainda havia um outro tomo que trazia o nome de George R. R. Martin. Estava prestes a tirá-lo da prateleira quando a voz do garoto gritando alguns metros adiante chamou sua atenção. "Aqui! Parece que é esse aqui! Venha ver", dizia o jovem ao tirar um livro da estante de obras ainda inéditas. O Escritor colocou de volta o grosso livro que havia encontrado e, movido pela curiosidade, foi encontrar o jovem HOb para saber o que ele realmente queria lhe mostrar. Aproximou do garoto que folheava um outro livro com curiosidade intensa. "Sim, eu encontrei! É ele mesmo", disse o jovem. "O que você encontrou?", perguntou o Escritor, enquanto se aproximava. O garoto HOb ergueu o livro diante de seus olhos como um troféu conquistado por um grande feito heróico, "Seu livro. Encontrei o livro que você ainda está escrevendo!".<br />
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<b>Escrito por</b> <i>Ulisses Góes</i></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-8328689170673997602013-02-20T01:28:00.001-03:002020-07-30T12:54:22.692-03:00O Escrinauta ~ Narrativa<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJvVT2hgzAp80fDKC1eh_4xGXcSl-zWtZqAhfWVwZS5WZJ1VTWxbZfidZAiN346qRYIdTl0kIKQat9Nvp2GlLSooZ-J97ygUGyU_o9o-H3-j6HVkroUr-LEblgTBhZ29SjKfPl/s1600/astronauta+zombie.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJvVT2hgzAp80fDKC1eh_4xGXcSl-zWtZqAhfWVwZS5WZJ1VTWxbZfidZAiN346qRYIdTl0kIKQat9Nvp2GlLSooZ-J97ygUGyU_o9o-H3-j6HVkroUr-LEblgTBhZ29SjKfPl/s400/astronauta+zombie.jpg" width="366" /></a></div>
A primeira sensação experimentada ao abrir os olhos com certa dificuldade foi uma tontura, e logo em seguida o Escritor sentiu aquela dor forte pressionando suas têmporas. As imagens translúcidas na viseira de seu capacete mostravam informações desconexas e incompreensíveis, saindo do ar constantemente. Afastou todas aquelas informações da viseira, e percebeu que já era noite. Era possível que tivesse ficado desacordado por algumas horas ali no meio da rua, mas estranhou o fato de que não tivesse sido socorrido por ninguém que estivesse passando pela rua no momento daquele estranho acidente literário. Levantou-se e ficou surpreso ao constatar que a cidade estava completamente às escuras, mergulhada num blecaute sinistro. Deu dois passos, e sentiu novamente a dor latejando em sua cabeça, dessa vez com menos intensidade. Parou no meio da rua, olhando para os lados. Havia algo de perturbador ao redor, uma sensação estranha de abandono e perigo. Ao longe, na esquina no fim da rua, a cena de um carro aparentemente abandonado pegando fogo o incomodou a ponto de ficar meio confuso no momento. Estranhas silhuetas movimentando-se lentamente surgiram ao longo da rua. Eram pessoas andando em uma cadência descompassada, arrastando-se com alguma dificuldade. Olhou na direção oposta e tudo o que conseguiu ver foi uma escuridão aterrorizante e gemidos medonhos. A rua realmente parecia deserta, carros parcialmente destruídos, lixo espalhado por todos os cantos, grama despontando em todos os lugares, nas fissuras entre os paralelepípedos do meio-fio, em rachaduras pelas calçadas e em toda extensão da rua cheia de buracos e pequenas crateras. O Escritor ficou intrigado com aquele cenário desolador que surgiu no espaço de tempo em que ficou desacordado ali. "Por quanto tempo fiquei aqui apagado?", indagou a si mesmo. Tinha a impressão de que havia ficado, no máximo, uns 15 minutos desmaiado, mas já era noite, e pelo fato de já estar escuro, considerou que talvez tivesse ficado mais tempo inconsciente. Os gemidos continuavam a surgir agora de todos os lados, um pouco distantes, mas insistentes. As pessoas no fim da rua continuavam se aproximando lentamente, se locomovendo como sobreviventes atordoados depois de um acidente. Buscou acesso às imagens translúcidas da viseira de seu capacete, e tentou fazer uma pesquisa rápida procurando notícias sobre aquele blecaute que aparentemente atingira toda a cidade, ou sobre qualquer acidente nas imediações de sua rua. Entretanto, não conseguia acesso a nenhuma informação, e todos os canais de comunicação que tentava conectar pareciam fora do ar, páginas virtuais, canais de mídia, nada funcionava. Decidiu acessar frequências de rádio, na esperança de que conseguisse obter qualquer contato. Deslizou pelas faixas e finalmente conseguiu algo. Equalizou o máximo que conseguiu a sintonia até escutar nitidamente o que dizia a voz pausada do locutor. "<i>Atenção. Estamos transmitindo através de uma faixa emergencial... Ouça com atenção... Se você está nos ouvindo, então isso significa que você não foi contaminado pelo vírus e é um dos poucos sobreviventes da epidemia que se espalhou pelos continentes... Mantenha-se afastado dos grandes centros urbanos e procure abrigo seguro no interior, longe das cidades... As informações sobre o que realmente aconteceu ainda são poucas e desencontradas... Repito, não é seguro permanecer nas cidades...</i>". A transmissão ficou novamente instável e quase inaudível. Tentou estabilizar outras faixas de sinais de rádio, mas sem sucesso. Jogou as imagens para fora da viseira do capacete, e elas flutuaram luminosas diante de si, girando todas sem sinal de acesso. Então repentinamente uma imagem fora do ar iniciou automaticamente tentativa sucessivas de sintonia. O Escritor se concentrou naquela imagem, buscando ajustar o sinal para estabilizar sua frequência, e após alguns segundos silenciosos, finalmente conseguiu. Acertou o foco e então conseguiu visualizar o que parecia ser uma página de um livro com um texto extenso contando uma história. Em seguida começou a escutar em uma faixa mal sintonizada uma voz em off lendo o mesmo texto daquela página numa narrativa típica de documentário, "<i>Quando a epidemia se alastrou de forma exponencial por todas as cidades de todos os continentes, viver acabou se tornando um desafio extremamente cruel. Quem conseguia se manter imune àquela catástrofe biológica, tinha que sobreviver em um verdadeiro inferno dantesco. Eles estavam por toda parte, proliferando-se como uma praga devastadora, destruindo toda a civilização humana. Aquela doença, cujos primeiros sintomas eram febre intensa, vômitos constantes e convulsões, afetava várias partes do cérebro, destruindo importantes redes neurais e conexões vitais. A racionalidade dava lugar a um instinto insano e animalesco aliado a um canibalismo insaciável. O mundo estava sendo assolado por esse errantes mortos-vivos, criando um cenário aterrorizante e promovendo o colapso de todas as estruturas de desenvolvimento da raça humana. Era o início de um apocalipse com gosto profundo de sangue</i>". O Escritor diminuiu o som meio chiado daquela voz jovem em sua narrativa ininterrupta, e com certo ar de espanto, olhou ao seu redor, ainda sem compreender direito o que ocorria. Aquele texto narrado parecia descrever perfeitamente o que estava acontecendo ao seu redor, contando em detalhes todo o processo apocalíptico que havia destruido o mundo civilizado. Olhou novamente para o lado da rua onde as pessoas continuavam andando com seus passos arrastados e se aproximando dele, e nesse momento o Escritor se deu conta de que aquelas pessoas eram exatamente os errantes citados no texto narrativo. Experimentou aquele calafrio típico de quem se apavora diante de uma situação perigosa percorrer todo o seu corpo, e uma descarga intensa de adrenalina fez disparar seu coração. Atrás daqueles errantes caminhando a esmo pela rua surgiram outras dezenas deles, gemendo assustadores.<br />
"Transmissões de alerta numa frequência de rádio desconhecida. Gente morta se arrastando pelas ruas. Mas que desgraça está acontecendo aqui?", disse em tom de desespero. Olhou novamente para a imagem translúcida do texto e viu uma informação nova piscando no canto inferior direito da tela. Um minimapa mostrava um ponto pulsando e números que pareciam coordenadas geográficas. Logo abaixo, uma legenda avisava, "Detectado Marco Zero de Possível Transmissão Narrativa". Intrigado, o Escritor arrastou aquela informação para o centro da imagem e a ampliou. Após alguns segundos, reconheceu o mapa que aparentemente parecia ser de sua cidade, com um ponto brilhante pulsando insistente. Deduziu que aquele ponto pudesse ser a origem daquela transmissão narrativa, o que significava que havia alguém naquele lugar da cidade que provavelmente estava utilizando as faixas de emergência para enviar mensagens de alerta sobre o que estava acontecendo. O local não era muito distante de onde estava agora, e começou a considerar realmente que precisava sair dali o mais rápido possível, pois aqueles estranhos errantes se aproximavam com maior agilidade, talvez pelo fato de o terem visto ali parado no meio da rua. O Escritor recolheu as imagens translúcidas, deixando apenas aquele minimapa com o ponto piscante ativo no canto superior de sua viseira. Estava em meio a uma escuridão preocupante dominando toda a cidade. E aquela noite sem lua contribuia para que todo aquele cenário ao seu redor mergulhasse em um breu apavorante. "Preciso saber para onde ir nessa escuridão", pensou o Escritor enquanto imaginava o que poderia ajudá-lo naquele momento crítico. A resposta em sua mente veio logo em seguida, quando o dispositivo mental instalado em seu capacete captou seu pensamento reproduzindo a imagem daquilo que mais necessitava. Sua viseira adquiriu um brilho esverdeado, o que significava que havia acionado mentalmente o mecanismo de visão noturna. Escutou gemidos cada vez mais próximos, e assustou-se ao olhar para o lado de rua onde a escuridão predominava e ver uma legião de errantes se arrastando rapidamente a poucos passos de onde estava. Correu sem demora por um beco estreito que desembocava em uma outra rua paralela, e só neste momento se deu conta de que não estava reconhecendo nenhum daqueles lugares. Não se recordava da existência de nenhum beco ligando a sua rua àquela outra desconhecida. Viu, com certo terror contido, errantes por toda parte, andando a esmo, em meio a carros abandonados e virados pelo meio da rua. Tinha que manter sua atenção dividida entre as informações que surgiam a todo momento no minimapa e aquelas aberrações sinistras que surgiram cambaleando pelas ruas após a explosão literária que o atirou para fora de seu apartamento. Seguiu o ponto luminoso constante no mapa durante cerca de 10 minutos, se esgueirando por entre automóveis capotados e vielas sujas. Quase sem fôlego, se escondeu dentro de uma banca de jornais. Entre pilhas de revistas amassadas e rasgadas, agachou-se, evitando qualquer ruído que chamasse a atenção daqueles seres bizarros. Reordenou seus pensamentos, tentando lembrar-se de fatos posteriores à sua queda que o havia deixado inconsciente, mas não se lembrava de absolutamente nada que pudesse ter ocorrido no tempo em que ficou desmaiado. Não conseguia encontrar explicação plausível para tudo aquilo. Afinal, como seria possível alguém permanecer desacordado por alguns minutos e de repente acordar em um mundo apocalíptico? Era a dúvida mais insistente naquele momento na mente do Escritor Astronauta. Um errante solitário passou gemendo debilmente ao lado da banca abandonada, despertando o Escritor de seu transe de dúvidas. Em estado de alerta, permaneceu imóvel, enquanto observava uma nova informação surgir no minimapa translúcido em sua viseira. "Marco Zero da Transmissão Narrativa Confirmado". Sentiu um alívio em saber que aquela transmissão realmente existia. Cuidadosamente arrastou-se para fora da banca, e certificou-se de que não havia errantes por perto antes de sair pela rua. Seguiu caminhando silencioso por uma grande avenida, sempre estranhando o fato de não reconhecer mais a sua cidade. Dobrou uma esquina rápido e deparou-se com uma horda de errantes, um encontro repentino, inesperado com um grupo imenso, um amontoado de seres imundos e esfarrapados tropeçando uns nos outros. Completamente aterrorizado e quase esbarrando nos errantes que seguiam logo à frente do bando, o Escritor não teve tempo de se esconder, cambaleando para trás com o susto. Por um segundo, aquela visão macabra de todos aqueles monstros o deixou sem ar, sem ação e sem voz para gritar de pavor pela cena que presenciava. Arrastou-se pelo asfalto, levantando em seguida, correndo desesperado pela avenida escura. Alguns metros adiante, escutou um rugido conhecido, um som de motor, e de um dos cruzamentos da avenida uma picape surgiu ameaçadora manobrando uma curva perigosa, fazendo cantar os pneus pelo asfalto. O Escritor parou atônito, olhando os fárois vindo rapidamente em sua direção. Não pensou duas vezes ao se jogar entre dois carros perto da calçada, deixando aquela picape passar veloz por ele. Levantou-se e ficou assistindo, espantado, a camionete cabine dupla seguir em direção da horda de errantes que até alguns instantes atrás o perseguia. O veículo seguiu em frente com seus faróis altos iluminando a cena sanguinolenta que se desenrolava enquanto ia abrindo caminho numa direção desafiadora, atropelando todas as aberrações que estivessem diante dele. Os gemidos dos errantes aumentaram e se uniram ao som das batidas abafadas das dezenas de corpos contra a carroceria da camionete. Pasmo, o Escritor apenas assistia aquela cena violenta quando algo chamou sua atenção no minimapa. Uma informação surgiu, e uma nova legenda logo abaixo das coordenadas precisas dizia: "Potencial aparecimento de um HOb. Tempo de Surgimento Retroativo: 20 minutos". "Um HOb? Espere um instante! Eu acho que sei o que isso significa. Um HOb, um HOb. Droga, eu já ouvi essa palavra antes, mas não consigo me lembrar". Aquele aviso deixou o Escritor um pouco confuso, pois ele tinha a impressão de já ter escutado alguém falar sobre aquilo para ele antes, mas sentiu uma dificuldade estranha em se recordar, aquela mesma sensação que invadia suas manhãs quando ele tentava em vão relembrar o que havia sonhado na noite anterior. A picape já estava longe quando deu uma freada brusca seguida de uma guinada, derrapando nos quatro pneus numa curva audaciosa, desaparecendo pelas ruas escuras da cidade. Ainda sem certeza do que realmente estava acontecendo, o Escritor seguiu sua jornada instantânea de descobrir a origem daquela estranha transmissão narrativa e encontrar a pessoa que a estava transmitindo. Antes que chegasse ao destino final daquela sua busca, encontrou novamente a picape, desta vez numa situação completamente adversa. Com os faróis ainda acesos, o veículo estava capotado em outra rua, os errantes sinistros avançando contra quatro jovens que corriam desesperados procurando abrigo em um prédio próximo. Um dos jovens usava uma espingarda para retardar os monstros, dando cobertura para os outros três. Uma garota levava uma besta em uma das mãos, e um outro rapaz empunhava um arco. Seus vultos adentraram pela recepção de um hotel, sumindo na escuridão aos gritos. Mais aberrações surgiram do outro lado da rua, fazendo com que o Escritor Astronauta decidisse sair dali o mais rápido possível. Foi a única vez em que viu aquele grupo de jovens.<br />
Nos minutos seguintes, uma nova informação surgiu na imagem translúcida do minimapa, uma legenda substituiu a anterior, deixando o Escritor ansioso. "Aparecimento do HOb Confirmado. Interceptação do Marco Zero da Transmissão Narrativa em 2 minutos". Apressou o passo, atravessou mais dois quarteirões, caminhou ziguezagueando uma avenida congestionada de carros abandonados, até o ponto luminoso no minimapa finalmente parar de piscar. "Interceptação do Marco Zero da Transmissão Narrativa concluída. H.O.V.M. encontrado". Finalmente havia chegado na origem daquele sinal. Parou diante de uma praça arborizada quando enxergou, não muito longe de onde estava, algo emanando uma luminosidade azulada incandescente levemente bruxuleante, ao mesmo tempo em que começou a ouvir novamente aquela voz jovem ecoando em seus ouvidos, naquela narrativa ininterrupta, dessa vez falando sobre um grupo de quatro jovens que, após um acidente de carro, estavam presos em um prédio cercado de errantes. Foi aproximando-se lentamente daquela luminosidade até que começou a distinguir a silhueta de um garoto sentado em um gramado lendo um livro. Ele era o Marco Zero da Transmissão Narrativa. O Escritor parou por um momento e sorriu com aquela descoberta. Finalmente havia se lembrado o que significava a palavra HOb. "Sim, agora me lembro. HOb é uma expressão simplificada para definir as pessoas cuja leitura tem o dom especial de tornar real para ela e para as pessoas atentas à sua narrativa todo o universo existente nas páginas de qualquer livro", pensou o Escritor consigo mesmo. "E provavelmente com o impacto da queda, quando fui arremessado pela janela do meu apartamento, a viseira do meu capacete acidentalmente deve ter captado, mesmo à distância, a narrativa do HOb". Isso explicava como o Escritor acabou transportado para aquele mundo apocalíptico impregnado de monstros errantes. Seu amigo Sérgio havia lhe contado em uma outra oportunidade a respeito de uma experiência surpreendente que teve quando encontrou um HOb lendo um livro de poesias, transportando o Poeta Espacial literalmente para o universo vivo da leitura narrativa poética. O Escritor nunca tivera contato com um HOb antes, e agora estava diante de um jovem garoto leitor com essa habilidade fantástica, um Habitante Observador de Vários Mundos. Aproximou-se lentamente do garoto absorto na leitura e tocou em seu ombro. O jovem imediatamente parou a leitura, o encarou meio espantado, e todo aquele mundo obscuro e caótico de errantes onde se encontravam se desfez como cinzas caindo rapidamente ao chão, dando lugar à realidade que o Escritor provavelmente conhecia. O dia estava ensolarado, e a cidade fervilhava de pessoas em seu cotidiano frenético.<br />
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<b>Escrito por</b> <i>Ulisses Góes</i></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-28150393878116440612012-12-09T16:34:00.001-03:002020-07-30T12:54:13.486-03:00O Escrinauta ~ Spoiler<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTE-rPBU-uZGt7hxwRyhOYk2b4yLyzADc-k5zFZLbxliPfb3Q58UcBYUDXnjg9XcPVR41owtn6gCBOPddJ_z84gYA9nnuOKpQPShym1r98mtNFzyGarf2Rem3t18xOCiVjAJ6T/s1600/spoiler.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTE-rPBU-uZGt7hxwRyhOYk2b4yLyzADc-k5zFZLbxliPfb3Q58UcBYUDXnjg9XcPVR41owtn6gCBOPddJ_z84gYA9nnuOKpQPShym1r98mtNFzyGarf2Rem3t18xOCiVjAJ6T/s400/spoiler.jpg" width="400" /></a></div>
De olhos fechados, o Escritor Astronauta degustou o último gole do chá de hortelã feito por Carol. Ainda podia sentir o gosto morno descendo pela sua garganta, enquanto sua mente permanecia invadida por centenas de borboletas azuis voando mansas em um céu branco e silencioso. Já não escutava a voz de sua amiga, que ficou cada vez mais distante, como se ela estivesse se distanciando aos poucos, lentamente, até se tornar apenas uma lembrança ecoando em sua memória. Abriu os olhos e percebeu que não estava mais na casa de sua amiga Feiticeira Lunar. Estava em seu apartamento, sentado diante de seu computador, o cursor piscando em uma página em branco, esperando pela suas próximas palavras que dariam continuidade à história que estava desenvolvendo. Voltou um pouco a história e leu as partes mais recentes que havia escrito, e depois da leitura mental, olhou para as imagens translúcidas ao seu redor, que mostravam imagens dos personagens no momento em que a narrativa havia parado, além de trechos rascunhados de sua história, e com alguns toques de seus dedos fez todas elas próximas desaparecerem. Limpou sua mente de todas as ideias que tivera até o momento, e continuou a projetar um céu branco, dessa vez sem borboletas azuis voando suaves. Por medida de segurança, colocou seu capacete, travando-o firmemente em seu traje. Concentrou-se por alguns segundos, visualizando o momento derradeiro onde havia deixado seus personagens, e então começou a escrever sem parar, em uma velocidade intensa e atordoante.<br />"<i>Hemilly, Henrique e Roney enxergaram na rua um vulto se aproximando calmamente em direção à frente da casa. Silenciosos e assustados, observavam enquanto aquela pessoa estranha e sinistra passava pelo portão, caminhava pelo jardim, parando próxima à entrada por alguns segundos, como se estivesse procurando se certificar de que estava exatamente onde deveria estar. A escuridão que tomava conta de tudo ao redor do quarteirão impedia que os três jovens escondidos conseguissem ter uma visão nítida do estranho, mas conseguiram distinguir, na sua silhueta camuflada na penumbra escura, que ele trazia os cabelos presos em um rabo de cavalo e segurava uma espécie de espada em uma das mãos. 'Roney, você consegue descobrir algo sobre ele?', sussurrou Henrique para o irmão, que olhava fixamente para o estranho lá fora. Hemilly virou o rosto para os dois irmãos, sem entender direito aquela pergunta. Roney permaneceu imóvel, quase prendendo a respiração, o olhar fixo lá fora, concentrado demais para responder a pergunta de Hemrique naquele momento. 'O que está acontencendo, Roney?', questionou Henrique num tom nervoso. 'Como assim descobrir algo? Não estou entendendo', indagou Hemilly, olhando insistentemente para Henrique. Nesse momento, Roney caiu ofegante de joelhos no chão da sala, as mãos sustentando o corpo que parecia enfraquecido por uma tarefa extenuante. Henrique agachou-se, segurando seus ombros e percebendo a testa do irmão umedecida por um suor discreto. 'O que houve? Tá tudo bem com você?', perguntou, procurando os olhos do irmão mais novo. 'Sim, eu estou bem. Acho que me esforcei demais agora, mas estou bem', respondeu Roney, fazendo uma breve pausa enquanto levantava-se com a ajuda de Henrique, para em seguida explicar que não conseguiu descobrir nada. 'É como se não existisse nada... eu só enxergava uma escuridão sufocante...'. 'Vocês estão me assustando! Do que seu irmão está falando? Que história é essa de não conseguir descobrir nada e de ver uma escuridão sufocante?'. Os irmãos se entreolharam em silêncio, e depois de um sinal de confirmação de Roney, Henrique virou-se para Hemilly e disse com um tom discreto de confissão, 'Meu irmão tem a capacidade de ler os pensamentos das pessoas'. A jovem garota fez uma expressão de espanto diante dos dois, quase rindo, quando eles escutaram uma voz soturna e desconhecida ecoar ali na sala, 'Então é aqui que vocês estão. Não foi difícil encontrar vocês dessa vez'. Repentinamente as luzes da casa voltaram a funcionar, e todos os ambientes se iluminaram a tempo deles presenciarem um estranho fenômeno acontecer. Uma das paredes da sala começou a se dissolver continuamente em uma névoa sombria, como se o concreto naquele ponto se tornasse instável, inconstante. Então surgiu inicialmente um rosto caucasiano com uma barba por fazer, usando um óculos escuros delineando uma expressão nada amigável</i>".<br />O Escritor Astronauta parou atônito, olhando pasmo para o texto digitado de sua história. Flávio não perdeu tempo. Esperou pela continuidade da narrativa para então agir como bem queria dentro do enredo. O escritor precisava agir o mais rápido possível, ou aquele personagem rebelde e descontrolado destruiria a todos naquele momento, sem tempo para uma próxima página ser escrita.<br />"<i>O rosto flutuou sutilmente enquanto uma névoa negra logo abaixo dele rodopiou rapidamente em espirais desgovernadas, fazendo surgir uma silhueta que se materializou em um corpo. 'Tudo ficou mais fácil depois que descobri toda a verdade sobre nossas existências. Só precisei aguardar paciente por aquele filho da puta continuar com toda essa história imbecil'. Flávio agia exatamente da mesma maneira que havia feito quando encontrou pela primeira vez o seu criador. Arrogante, perigoso, cego para reaver o poder que emanava do Livro da Morte que estava nas mãos de Henrique naquele momento. 'Hemilly, Henrique, Roney. Eu conheço vocês, e sei que um de vocês tem algo que me pertence', disse Flávio, aproximando-se lentamente dos três jovens, ainda aturdidos com aquela aparição sinistra e inesperada. 'Quem é você? De onde você surgiu? E como sabe quem somos?', perguntou Hemilly assustada. 'Eu sei quem ele é', disse Roney com um olhar fixo em Flávio, penetrando em sua mente sem medo e obtendo as informações sobre o estranho de palavras ameaçadoras, 'Ele se chama Flávio e é a pessoa que perdeu esse livro maldito. Ele está atrás da gente há alguns dias e quer o livro dele de qualquer maneira'. 'Exatamente, seu pirralho idiota. Nem essa sua aberração me assusta, pois eu sei a razão para isso. Eu sei porque você tem esse dom de ler as mentes dos outros. Você quer saber por que você é assim?'. Flávio se aproximou devagar, com passos mansos e atitudes suspeitas. Roney continuou olhando fixo para o rosto de Flávio, lendo seus pensamentos, e quando obteve mais informações, o garoto arregalou os olhos e disse assustado, 'Ele pretende matar a gente assim que pegar o livro!'. 'Você não precisava ler a minha mente para saber que eu faria isso. Além do mais, não se preocupem com suas vidas ridículas. Na verdade, eu, vocês e todo esse mundo só existe dentro da mente de um maldito filho da puta que pensa que agora tem o controle de nossos destinos', dizia Flávio, parando no meio da sala, enquanto olhava atentamente para a névoa negra que rodopiava ágil ao seu redor. Com seu olhar de uma loucura psicótica, direcionou a névoa para uma de suas mãos, e viu materializar-se rapidamente uma pistola Colt 45 prateada, com a qual apontou para Henrique sem perder tempo. 'E agora, você vai devolver a porra do meu livro, ou terei que sujar ele com o sangue de vocês três?'. Henrique encarou Hemilly e mexeu os lábios lentamente, dizendo silencioso a palavra 'pingente'. Ela entendeu a mensagem, levando a mão contra o peito, procurando o Destemporizador escondido por baixo de sua blusa. Ela o puxou pela corrente até que sua mão agarrou o pingente em forma de pequena ampulheta. Flávio desviou sutilmente o olhar de Henrique e apontou a arma para Hemilly. 'Desculpe, mas o tempo está contra você agora, e eu estou sem paciência'. Flávio disparou um tiro da sua Colt no mesmo instante em que Hemilly sacudiu o pingente, criando uma onda temporal ao redor deles e que se propagou por todo o ambiente, distorcendo a velocidade do tempo naquele espaço. Assim que a bala encontrou as ondas criadas pelo pingente, sua velocidade diminuiu astronômicamente, fazendo com que o projétil atravessasse o ar em slow motion, tão lentamente que podia se enxergar a trajetória do rastro deixado pela bala. 'Tire a gente daqui agora!', gritou Roney para Hemilly. Ela entendeu o recado e aproximou dos dois irmãos, envolvendo a todos na corrente do pingente. A onda continuava a se propagar pelo ar, e havia atingido Flávio, deixando seus movimentos pesados e cadenciados pelo retardo do tempo. Assim que Hemilly girou a ampulheta duas vezes seguidas, uma aura brilhante dourada circundou ela e os irmãos, eles ouviram um estrondo sonoro implosivo, e em seguida um pequeno buraco negro começou a se formar na mesma parede de onde havia surgido, momentos antes, a figura ameaçadora de Flávio, que agora movimentava-se com dificuldade. Confusa com aquela situação anormal, Hemilly não sabia o que realmente estava acontecendo, e nem por que surgiu aquele pequeno buraco negro na sala de sua casa. 'Não era pra isso acontecer!', gritou ela para os dois irmãos, 'Eu não entendo! Não estamos voltando no tempo!'. Enquanto eles permaneciam inertes dentro da aura brilhante, tudo ao redor começou a ser sugado pelo buraco negro, a começar pela própria onda de retardo temporal que ainda se propagava. Não demorou dois segundos para que todos os móveis fossem arrastados para dentro do buraco na parede. Flávio olhou desesperado para o que estava acontecendo, seu coração disparado enquanto ele gritava para todos os lados, 'O que você está tentando fazer, seu filho da puta idiota? Você pensa que vai me destruir assim tão facilmente? Eu sei de tudo o que vai acontecer na história tanto quanto você. Eu guardei todos os spoilers soltos sobre essa sua história imbecil!</i>'"<br />O Escritor Astronauta parou de digitar, os dedos pousando a poucos milímetros do teclado, seu coração também acelerado pelo momento crucial que o envolvia agora naquela história com seus personagens e pelo perigo que aquela atitude ousada representava. Respirou fundo, e depois de ler as vociferações de Flávio nas últimas linhas, soltou um sorriso malicioso, mostrando contentamente pelo plano que havia criado estar funcionando perfeitamente. "Eu enganei você. Apaguei todas as minhas anotações sobre a história, e os spoilers que você capturou não eram meus realmente. Eram ideias de Carol que eu não usaria. O spoiler que você tem sobre esse momento da história é falso".<br />"<i>Flávio, ainda conectado à mente do Escritor, escutou aquela revelação com uma expressão de pavor, que se transformou em desespero ao perceber que havia caído em uma armadilha do seu criador. 'Você não pode se livrar de mim, seu filho da puta! Você mesmo sabe que eu sou importante para o desenvolvimento dessa história maldita!', gritava, tentando agarrar-se em qualquer coisa para não ser sugado por aquele buraco negro. A voz onisciente do seu criador ecoou mansa em sua mente aturdida, largando novas revelações sobre o que estava acontecendo naquele ponto da narrativa, 'Mas eu não vou me livrar de você, Flávio. Você apenas será substituído por uma outra versão sua, vinda de um universo paralelo, uma versão que desconhece a minha existência. O que está atrás de você não é um buraco negro realmente. É um portal para um outro universo paralelo ao seu'. A névoa negra que envolvia o personagem rebelde da história sumiu rapidamente dentro do negrume espiral. Um a um, os móveis foram arrastados, e por fim, Flávio gritou diversos palavrões abafados pelo som assustador daquele portal aberto na parede, até ser também sugado pelo buraco negro e desaparecer completamente sem deixar rastros de sua existência. Então o portal drenou a si mesmo, sendo engolido pela sua própria força destruidora, sumindo logo em seguida, deixando apenas uma força pulsante e luminosa em seu lugar. Hemilly, Henrique e Roney permaneciam protegidos dentro da aura dourada criada pelo pingente, até que em questão de microssegundos, eles também desapareceram no ar, deixando apenas um rastro dourado flutuando no exato lugar onde eles estavam juntos momentos antes. Naquele momento, o estranho visitante soturno, que havia permanecido o tempo todo parado, exatamente imóvel do lado de fora da casa, se permitiu entrar no local. Atravessou a porta como se ela simplesmente não existisse e parou diante da sala agora vazia. Uma penumbra sinistra o envolvia, tornando impossível para qualquer pessoa dicernir sua fisionomia com exatidão naquele momento. Dissolvida sua imagem numa escuridão protetora, vagamente era perceptível seus olhos de pupilas vermelhas brilhantes e sua silhueta envolta numa indumentária preta com sua mão segurando uma katana. Ele observou a força luminosa pulsante deixada pelo portal criado e o rastro dourado flutuante da viagem temporal realizada por Hemilly, Henrique e Roney. Sua presença naquele local deixou aqueles dois rastros de força espaço-temporal instáveis, fazendo eles se aproximarem um do outro de maneira perigosa. O estranho visitante continuou observando a aproximação das forças com um olhar impassível, avaliando silenciosamente tudo o que ocorreu ali, até dar um passo para trás e desaparecer no ar através de sua névoa negra, girando silenciosa e rápida, um segundo antes da colisão dos rastros de forças gerar uma explosão de energia transdimensional</i>".<br />
O inesperado então ocorreu com o Escritor, que não imaginava que aquela explosão em sua história ultrapassaria as fronteiras literárias e o atingiria em cheio, arremessando-o pela janela de seu apartamento, fazendo-o cair do outro lado da rua, diante do olhar curioso de um pombo.<br /><br /><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes</i><br /><b>Pintura Fotorrealista</b>:<i> Jeremy Geddes</i></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-48831424120418189982012-11-13T10:48:00.004-03:002020-07-30T12:54:04.017-03:00O Escrinauta ~ Hortelã<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIfleBlMHBgqnWOqowIDwhGXDmZvqubtfBuOBZwCftaJgTnaizSshI8KBGFzCmG_XnrOn771X5FsX3VhaMMPz0lEJCSXtlBpsln5nLmctKlV3RR4h6bYeWZuxorwFLcPvzEvXX/s1600/casa+da+Feiticeira+Lunar.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIfleBlMHBgqnWOqowIDwhGXDmZvqubtfBuOBZwCftaJgTnaizSshI8KBGFzCmG_XnrOn771X5FsX3VhaMMPz0lEJCSXtlBpsln5nLmctKlV3RR4h6bYeWZuxorwFLcPvzEvXX/s400/casa+da+Feiticeira+Lunar.jpg" width="348" /></a></div>
Após aquele bloqueio criativo desenvolvido numa lógica temporal difícil de se compreendida, onde os dias podiam ser condensados em frações de microssegundos, um silêncio profundo se firmou por todo o ambiente do apartamento do Escritor Astronauta. Ele sentia um gosto amargo de tempo perdido quando se recordava da experiência vivida há poucos momentos atrás, como se tivesse vivido uma vida durante um simples piscar de olhos. Levantou-se vagarosamente, e por segurança, colocou seu capacete. Depois das duas tentativas perigosas de Flávio, queria realmente se certificar de que não seria pego novamente desprotegido vagando em suas ideias e pensamentos. Precisava voltar a escrever o quanto antes, já que sabia exatamente a razão de todos aqueles ataques de seu personagem rebelde, que estava disposto a tomar qualquer atitude para impedir que pudesse prosseguir com a história da maneira como queria. O questionamento maior do Escritor era como fazer para seu personagem esquecer tudo o que ele descobriu e voltar a seguir o curso de própria vida dentro da história. "Como eu faço para Flávio esquecer que ele é fruto de minha mente de escritor?", perguntava-se intrigado e ciente de que, enquanto Flávio soubesse que era personagem de seu livro, ele continuaria sua perseguição implacável e encontraria outras formas ardilosas de atrapalhar o desenvolvimento da trama. Pensou em reescrever a parte em que ele descobre sua existência enquanto escritor e seu criador, mas acabou concluindo que de nada adiantaria pois se Flávio foi capaz de se conectar com seus pensamentos uma vez, muito provavelmente ele acabaria fazendo isso outras vezes no desenvolvimento da narrativa, tornando-se uma constante dor de cabeça para terminar o livro. Na verdade, a conexão criada entre ele e Flávio era o elo que sempre denunciaria todas as suas ideias em relação ao livro e à história. Pegou a estranha caneta utilizada para esconder trechos de seus textos e guardou novamente no pequeno estojo excêntrico, segurando-o enquanto olhava para as imagens translúcidas flutuando sempre pelo seu apartamento, observando os trechos já escritos, além de alguns rascunhos de ideias para serem utilizadas posteriormente. Entre as ideias escritas, leu um nome: "Thales". Sentiu uma pequena dor pontiaguda em sua nuca e subitamente sua mente foi invadida por flashes rápidos de imagens viajando na velocidade de descargas elétricas de seus pensamentos soltos. Não conseguia visualizar com total precisão dada a dificuldade em prendê-las como lembranças por mais de meio segundo. Viu uma mão branca segurando algo que parecia ser uma espada, ou uma katana. Viu uma fumaça negra dançando rápida e sutil ao redor de um vulto com feições pálidas e olhos vermelhos como sangue com um olhar tão penetrante que o assustou. Balançou a cabeça, e as imagens em flashes dissiparam-se completamente, ao mesmo tempo em que pequenas borboletas azuis silenciosamente invadiram o interior de seu capacete, bloqueando totalmente sua visão. Sem fazer a menor ideia de como elas conseguiram entrar em seu traje, o Escritor assustado cambaleou, tropeçando em seus próprios passos e caindo para trás. Deitado no chão, sentiu um aroma fresco de flores do campo que exalava das borboletas invasoras de capacetes, e imediatamente deduziu que tudo aquilo poderia ser obra de sua amiga Caroline, a Feiticeira Lunar. Demorou alguns segundos para que as azuladas voadoras silenciosamente desaparecessem como surgiram, de uma maneira misteriosa, inexplicável. Uma claridade mansa cegou a visão do Escritor que, ainda deitado, enxergou no teto uma abóbada de onde pendiam trepadeiras ornadas de flores maravilhosas. "Mas onde eu vim parar?", indagou confuso, ao levantar-se e perceber que não estava mais em seu apartamento. Olhou ao redor com um expressão de completa estranheza. Tirou o capacete e sentiu fragrâncias de flores do campo por todo o ambiente, perfumes variados flutuando pelo ar carregados por luminosidades coloridas refratárias provenientes de todos os cantos daquele salão amplo. Havia plantas por toda parte, a maioria crescendo dentro de carcaças de monitores antigos de computadores. Nas paredes, algumas pinturas exóticas com imagens de deuses orientais, celtas e egípcios e naturezas exuberantes, espadas antigas e floretes compartilhavam espaço com panelas de cobre e variadas colheres de pau penduradas em ordem aleatória de tamanhos e cores. O Escritor caminhou em direção a uma prateleira com diversos frascos coloridos com óleos e essências de variadas plantas com nomes desconhecidos para ele. Ali próximo, uma estante de livros chamou a atenção do Escritor Astronauta pelos seus títulos misteriosos como "O Uso Secreto das Ervas", "Conhecimento sobre Solos", "Livro das Sombras", "Símbolos do Antigo Egito", "A História das Tradições Milenares". A maioria mostravam suas capas duras envelhecidas pelo tempo e páginas amareladas e rasgadas nas bordas. Ali perto, em um sofá aconchegante cheio de almofadas de crochê, uma gata dormia preguiçosa, indiferente à sua presença inesperada. Passou por um pequeno e bem cuidado jardim circular que ficava exatamente logo abaixo da abóbada no teto. Entre as plantas, uma estátua de uma figura feminina quase completamente coberta de folhas, musgo verde e flores. Aos seus pés, escondida pelas ramagens, havia uma pedra onde podia se ler esculpida o nome "Gaia". O Escritor, cativado pelo sossego daquele ambiente impregnado de aromas floridos, começou a deduzir que aquele lugar era o lar de sua amiga Caroline. Silencioso e sem alarde, flutuou em direção a um espaço que parecia ser uma cozinha, mas que se assemelhava a uma pequena estufa, onde a natureza crescia por todos os cantos despreocupada. Um bule branco com água parecia esquecido na labareda azul de um fogão muito antigo. No centro, uma imensa mesa de madeira com pés de ferro, coberta por uma toalha estampada com flores e borboletas, era ocupada por uma bagunça mirabolante de pequenas sacolas de veludo, pedras preciosas, diversas velas aromáticas acesas, papéis com desenhos de runas e talismãs, mais alguns livros antigos abertos, um prato com alguns cupcakes e um notebook ligado, com uma página de uma rede social aberta. Quando aproximou-se a tempo de conseguir ver o perfil online da Feiticeira Lunar, sentiu a fragrância de flores do campos se acentuar pelo ar e a voz conhecida e amistosa de sua amiga Caroline atrás de si o fez estremecer num susto discreto. <br />
"Oi, amigo! Que bom que eu consegui trazer você até minha humilde moradia", disse a Feiticeira Lunar animada, abraçando-o em seguida. "Oi, Carol. Imagino que você possa me explicar como eu vim parar aqui em sua casa", questionou o Escritor, curioso. "Sim, eu posso. Foi por causa de minha caneteira". "Caneteira? Como assim caneteira?", perguntou o amigo, confuso. "Essa que está em sua mão. Ela é minha caneteira, e é utilizada para guardar segredos e esconder textos que tenham uma natureza confidencial, secreta. Dependendo dos motivos, a pessoa que esconde os textos os torna ocultos até para quem os escreveu, fazendo a pessoa esquecê-los completamente. Eu estava mexendo em algumas caixas hoje e senti falta dela. No mesmo instante em que dei por falta dela, a caneteira se teletransportou de volta para cá e trouxe você junto.", explicou Carol, enquanto pegava o pequeno estojo da mão do Escritor, que tentou explicar o motivo daquela caneta estar em seu poder. "Essa caneteira foi usada pelo personagem de meu livro para esconder um trecho importante da história". A Feiticeira Lunar olhou um tanto supresa para o amigo, que passou alguns minutos explicando para ela tudo o que havia acontecido entre ele e o personagem Flávio, desde o primeiro encontro ameaçador entre eles em seu apartamento, passando pela luta massacrante no deserto, até a descoberta de seu texto escondido naquela caneta estranha. "Seu personagem descobriu sua origem e criou uma conexão com você? Então a situação é preocupante. Se ele descobriu o elo que os une, ele pode fazer qualquer coisa para impedir você de seguir adiante com seu livro, como, por exemplo, invadir minha casa e surrupiar minha caneteira, ou até de induzir você a escrever a história da maneira dele. Isso significa que ele se tornou uma entidade viva que pode acabar com todos os outros personagens, enfim, tornar seu livro uma catástrofe completa", disse Caroline, extremamente preocupada. "Eu não posso continuar escrevendo até encontrar uma maneira de anular totalmente esse elo que existe entre a gente". "Por que você simplesmente não elimina o personagem de sua história?", perguntou a Feiticeira Lunar, enquanto pegava o bule e derramava a água fervida em duas xícaras cheia de pequenas folhas de hortelã. "Eu não posso. Ele é importante para o desenvolvimento da história. Sem Flávio, tudo que criei fica sem sentido", respondeu o Escritor, soltando o suspiro de desânimo. Enquanto tomava o chá oferecido pela amiga Feiticeira Lunar, olhou para o teto da cozinha-estufa e descobriu uma coruja de um branco acinzentado com dispersos penachos pretos dormindo escondida em um canto, entre vasos suspensos de plantas exóticas. "Eu não sei como isso foi acontecer. Como Flávio conseguiu abrir essa conexão entre dois mundos? O universo dele sequer existe, é uma criação de minha mente!", questionou o Escritor, bebericando o chá. "Provavelmente você esteja enganado quanto ao mundo dele não existir.", ponderou Caroline. "Como assim enganado?", indagou o escriba, confuso. "Eu sempre imaginei os escritores como pontes de ligação entre universos distintos, que existem em dimensões separadas, ou paralelas. Vocês tem o dom de visualizar estes mundos como fruto de suas imaginações frenéticas, e acabam criando histórias baseadas neles. Essa conexão possivelmente poderia ter ocorrido com qualquer outro personagem de sua história. Acabou acontecendo com Flávio", explicou a Feiticeira. "Se o que você diz realmente for verdade, isso significa que Henrique, Roney e Hemilly estão em perigo real por causa de Flávio, e eu inevitavelmente vou escrever a história da maneira como ele fará, e não como eu penso que seja.", afirmou o Escritor, que ficou aflito ao ver Caroline concordando com tudo o que ele havia dito. "Agora, pensando sobre essa incrível conexão entre os mundos, eu começo a imaginar que a resposta para o problema que você tem seja exatamente esse.", disse Caroline, mordendo um dos cupcakes de banana que estava no prato ao lado de seu notebook. O Escritor olhou para ela silencioso com uma estampada expressão interrogativa em seu rosto. "A sua única alternativa é abrir um buraco para um universo paralelo", a Feiticeira sorriu com a frase dita e prosseguiu com sua explicação, "Pense bem, o que aconteceu entre você e Flávio foi uma conexão entre mundos. Claro, mundos diferentes, pessoas diferentes. Então, se isso foi possível acontecer, você pode fazer acontecer dentro da sua própria história. Você só precisa criar uma possibilidade de ser aberto um portal dimensional para um outro universo paralelo ao universo dos personagens de seu livro." Os olhos do Escritor imediatamente se iluminaram, pois não demorou muito e ele já desenvolvia, a partir da ideia inicial de Caroline, todo o desenrolar dos fatos subsequentes. Entretanto, Caroline impediu que a imaginação do Escritor se desenvolvesse e estalou os dedos bem diante de seus olhos, tirando toda a sua concentração das ideias que se formavam previamente em sua cabeça. "Não! Não faça isso agora. Não imagine nada. Esqueceu que Flávio fica sabendo de tudo o que vai acontecer na história no exato momento em que você imagina tudo em sua mente? Relaxe, respire fundo. Dessa vez você vai criar o elemento surpresa para seus personagens, aquilo que o leitor percebe na história como sendo o momento de suspense. Essa parte da narrativa vai ser um desafio para você." O escriba olhou sorrindo para sua amiga, agradecendo pela fabulosa ideia. Continuaram a tomar o chá, enquanto o Escritor Astronauta deixava sua mente ser invadida por centenas de borboletas azuis voando num céu branco.<br />
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<b>Escrito por </b><i>Ulisses Góes</i><br />
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Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-51298145525920322412012-10-11T03:22:00.001-03:002020-07-30T12:53:55.881-03:00O Escrinauta ~ Bloqueio<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKsY8Yo9CSZl3Mr4GlKrsbAaQd5bbT8O_BuihYJBaNqCXDa3cqRio8LnKIUYZZqrLeRNd2FG73o5gHISxJ0leYtTXcFWebjtKgnx4gTdEUsXa8VwKWugDwOz50T2uyNDsUe1BD/s1600/Astronauts+by+Hunter+Freeman+04.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="291" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKsY8Yo9CSZl3Mr4GlKrsbAaQd5bbT8O_BuihYJBaNqCXDa3cqRio8LnKIUYZZqrLeRNd2FG73o5gHISxJ0leYtTXcFWebjtKgnx4gTdEUsXa8VwKWugDwOz50T2uyNDsUe1BD/s400/Astronauts+by+Hunter+Freeman+04.jpg" width="400" /></a></div>
Um flash momentâneo cegou a visão do Escritor Astronauta, balançando a cabeça por causa da leve tontura que sentira. Devia ser a quinta vez que sua mente rodopiava em decorrência da sensação estranha de torpor provocado por aqueles flashes ocasionais. Apoiou-se no cabo da vassoura por alguns segundos, respirou fundo e procurou seguir com sua tarefa. Olhou ao redor, mirando toda a amplidão daquele hangar vazio e tentando imaginar há quanto tempo estaria ali varrendo o chão daquele lugar. Estava muito incomodado por não conseguir se lembrar como chegou ali e nem porque estava varrendo a poeira daquele imenso espaço aparentemente abandonado. Tinha uma lembrança meio distante a respeito de uma história que estava escrevendo atualmente sobre três jovens que encontram um objeto maligno e que estão correndo perigo por conta desta descoberta. Parou de varrer e novamente olhou calmamente o hangar ao seu redor. "Não é possível. Será que estou tendo uma crise criativa e estou sem ideias para continuar desenvolvendo a história?", indagou o Escritor para si mesmo. Era difícil obter respostas quando a mente parecia mergulhada numa piscina de amnésia flutuante, boiando em meio a memórias esquecidas e lembranças afundadas. "Eu tenho essa lembrança meio distante de estar escrevendo essa história, e de estar em uma parte da narrativa onde os personagens parecem estar em perigo... Acho até que me lembro quem estava perseguindo eles... Ou não", o Escritor esboçava uma expressão confusa no rosto, enquanto procurava organizar suas ideias a respeito do vácuo que se instalou em sua memória naquele momento. A impressão que ele tinha era como se todas as ideias tivessem desaparecido sem deixar pistas esclarecedoras. Fechava os olhos, e tudo o que conseguia visualizar era uma imensidão branca ao seu redor. Estava quase certo de que não escrevia nada há dias, ou semanas. Aquele pensamento súbito lhe causou calafrios de ansiedade, pois tratava-se de uma situação que poderia causar um atraso irreversível na conclusão de seu livro. O Escritor sabia que seu receio pelo pior tinha fundamento, pois já havia passado por períodos de crise criativa anteriormente, quase deixando de finalizar histórias por falta de ideias para concluir suas obras. "Isso não pode estar acontecendo de novo. Eu lembro que tinha ideias elaboradas, inclusive algumas delas rabiscadas em papéis, rascunhos breves de como seria desenvolvida toda a construção da narrativa. Creio ter deixado esse material sobre a mesa". Então uma nova crise de ansiedade percorreu seu corpo disfarçado como mais um calafrio inevitável ao se recordar do que aconteceu quando Salomé, a diarista que duas vezes por semana fazia uma faxina completa em seu apartamento, acabou limpando sua mesa e, por engano, jogou todos os seus rascunhos no lixo. Em parte, a culpa pelo ocorrido partiu de seu descuido em não explicar para Salomé que aqueles papéis em sua mesa constituiam material importante para seu trabalho como escritor, e que nada ali poderia ser jogado fora. Após o infeliz acidente, o Escritor procurou ser mais detalhista sobre as atividades da empregada baixinha e faladeira na limpeza do apartamento, orientando a diarista a respeito de suas tarefas domésticas. Ainda assim, foi uma experiência traumatizante para ele, pois alguns trechos vitais do livro que estava escrevendo na época acabaram no lixo junto com embalagens amassadas de café, potinhos de requeijão cremoso e restos de refeições, e reescrever tudo de novo exatamente como havia sido escrito da primeira vez foi praticamente impossível. De maneira alguma queria passar por aquilo novamente. Continuou varrendo, enquanto forçava sua mente a se lembrar de algo, e após alguns longos minutos que pareceram mais horas intermináveis, avistou uma placa informativa pregada em uma parede ao longe. Sem enxergar direito o que estava escrito nela, percorreu a enorme distância movido por uma curiosidade incômoda. Aproximou-se da placa prateada fixada na parede do Hangar e leu a informação em letras douradas: "BLOQUEIO CRIATIVO". Seu coração disparou movido por uma angústia silenciosa. Ao se deparar com aquele aviso inquietante, conseguiu resgatar uma recordação sobre aquele enorme espaço, e finalmente encontrou a explicação de que precisava para entender parte daquela situação. Aquele hangar vazio era a maneira que seu cérebro anunciava quando as ideias estranhamente desapareciam e seu processo de criação estagnava. Já esteve ali em outras ocasiões difíceis. Parou de varrer e olhou para o teto. Notou que havia algo de errado na sua presença naquela vasta estrutura feita de metal, silêncio e falta de ideias.<br />
Olhou a viseira de seu capacete, procurando ativar alguma informação, mas não conseguiu obter qualquer sinal ou conexão. "Tenho a impressão de que aqui você não vai obter nenhuma informação que deseja dessa maneira", disse uma voz educada atrás do Escritor, que virou-se com ar de surpresa por se deparar com a presença inesperada. Deu uma boa olhada na figura pequena e despojada daquele senhor idoso com uma face de traços orientais marcada por um bigode e um cavanhaque brancos, e com uma careca rodeada com o restava de seus cabelos grisalhos. Vestia um quimono branco e preto no melhor estilo Pai Mei e seu olhar era tão sereno quanto suas palavras. "Não esperava você novamente aqui tão cedo. Imaginei que você demoraria a escrever uma nova história", disse o pequeno homem sem desviar seu olhar impassível. O Escritor olhou para os lados, intrigado com aquela aparição repentina. A entrada mais próxima que avistou foi uma porta que ficava cerca de 800 metros do outro lado do Hangar. "Eu conheço você?", indagou encarando o idoso baixinho parado à sua frente. "Como é de se esperar, o bloqueio impede você de reconhecer suas incapacidades anteriores e apaga de sua memória as visitas anteriores que você fez aqui", disse o pequeno homem, que não aguardou outros questionamentos do Escritor para continuar com suas explicações, "Sim, você me conhece e já tivemos este encontro outras vezes, sempre neste mesmo ambiente, uma criação de sua mente nos momento em que ela sofre um bloqueio criativo, uma vasta projeção gerada pela paralisia das ideias, ansiedade proporcionada pelo descontrole do texto criado, ou simplesmente por encarar uma página em branco e não saber o que escrever". "Então quer dizer que já nos vimos antes? Meio difícil de acreditar, principalmente porque não me lembro de você", disse o Escritor meio confuso, "Se esse aqui é meu bloqueio criativo, quando eu conseguirei sair daqui?". "Sua saída deste lugar vai depender apenas de sua capacidade de lembrar o motivo que o trouxe aqui", respondeu o pequeno senhor. "Afinal de contas, quem é você? Alguma espécie de projeção que minha mente criou para me fazer companhia enquanto fico varrendo esse lugar gigantesco?", questionou o Escritor um pouco nervoso, enquanto sacudia a vassoura diante do olhar irredutível do senhor de olhos puxados. "Sim, você está certo. Você me criou como o Guardião do Hangar. Estou aqui para confrontar suas dúvidas e lhe dar a oportunidade de encontrar sua saída daqui de forma espontânea. Venha, me acompanhe", a figura baixinha do senhor virou-se e seguiu caminhando em direção ao centro daquele enorme lugar vazio. O Escritor, logo atrás, formulava novas perguntas, "Espere, para onde estamos indo? E que história é essa de espontâneo? E por que eu criei um Guardião nanico e careca que me confunde mais do que me ajuda?", Prestes a formular mais questionamentos, o Escritor foi bruscamente parado por um gesto rápido e ríspido do Guardião, que levantou a mão na altura de sua cabeça. Silenciosamente, ele uniu as palmas das mãos junto ao peito e fechou o olhos. Em seguida, ensaiando movimentos de luta marcial semelhantes ao Kung Fu, golpeou com um dos pés o chão, provocando um estrondo impressionante que fez levantar um perfeito bloco de concreto. A imensa pedra polida pairou por microssegundos no ar antes de cair, tempo suficiente para o buraco surgido no chão desaparecer sem deixar vestígios. Depois que uma leve camada de poeira se dissipou no ar, o Escritor Astronauta percebeu que havia um arquivo incrustado no bloco. Sem muita cerimônia, o Guardião se aproximou, puxou a segunda gaveta, pegou uma pasta com papéis e começou a folhear os documentos em suas mãos. "Aqui estão todos os processos de seus bloqueios criativos já ocorridos. Não são muitos. Aqui estão informações de quando ocorreram, os motivos dos mesmos terem surgido e como você conseguiu quebrá-los. O último aconteceu por culpa de Salomé, a sua diarista", explicou, entregando os documentos para o Escritor. "Sim, eu me recordei disso agora mais cedo. Foi uma situação complicada, pois tive que me controlar para não xingar a coitada. O pior de tudo foi reescrever todos os trechos que eu havia rascunhado. De qualquer forma, eu aprendi com a desastrosa experiência, e passei a ser mais cuidadoso com meus papéis escritos", comentava o Escritor, andando calmamente de um lado para o outro, "Mas agora, pelo que me lembro, o bloqueio tem a ver com a história em si. Eu estava escrevendo, e então, num determinado ponto, a história fugiu ao meu controle. É isso. Sim! Eu me recordo agora, não o suficiente ainda, mas eu começo a me lembrar". A partir de então, tudo se tornou mais complicado para ser resgatado da memória do Escritor angustiado com a dificuldade do momento. Virou-se impaciente para o Guardião, que pegou pasta de suas mãos e a colocou de de volta no arquivo sem demonstrar qualquer sentimento de pena ou solidariedade com o sofrimento de seu criador. Um novo movimento, mais um golpe poderoso de seu pé, e ele fazia o chão se abrir perfeitamente para receber de volta o bloco de concreto com aquele arquivo precioso. "Você conseguiu recordar de maneira espontânea que seu bloqueio atual teve início porque você perdeu, em determinado momento de sua criação literária, o controle de sua história. Esse é o caminho", disse o Guardião, novamente encarando o Escritor com seu olhar impassível e calmo. "Sim, esse é o caminho. Mas tem algo errado que eu ainda não enxerguei", refletiu o criador de narrativas, "De fato, eu perdi o controle de minha história, mas é preciso haver um motivo para a perda do controle. Qual situação motivou, ou quem?...". Um flash de pensamento começou a pulsar tão rápido quanto um piscar de olhos em sua memória. No início, o pensamento formava a imagem de um rosto desfocado, até que gradativamente e cada vez mais veloz, a imagem pulsou em flashes em sua mente, até que fez surgir uma imagem translúcida bem ao seu lado, mostrando um rosto bem definido ladeado por uma sequência de informações esclarecendo quem era aquela pessoa. Mirou atentamente a imagem e soltou um grito, "Flávio! Sim, agora me lembro! É por causa dele que estou experimentando esse novo bloqueio criativo! Ele me lançou para cá!". Em uma fração de segundos, sua mente foi invadida por diversas lembranças numa velocidade alucinante. Sua história, o Livro da Morte, Hemilly, Henrique, Roney, o trecho em que ele narrava como Flávio descobriu que era personagem de um livro, o detector de textos incontroláveis oferecido pelo seu amigo Ramon, a estranha caneta encontrada, o texto resgatado. Entusiasmado, o Escritor podia sentir todas as suas memórias retornando intensamente. "Percebo que você recuperou toda sua memória, inclusive a memória dos fatos ocorridos após o resgate de seu texto feito pela caneta", observou o Guardião do Hangar. "Sim", respondeu o Escritor com um leve sorriso no rosto, "Eu me recordo de estar sentado no sofá em minha sala. Eu estava relendo o meu texto que a caneta havia recuperado, então senti uma dificuldade repentina em respirar semelhante a que senti quando Flávio surgiu da primeira vez na minha frente. Logo em seguida, fiquei tonto, e percebi uma névoa negra rodopiando nervosa ao meu redor. Procurei meu capacete, mas antes que eu pudesse colocá-lo, senti uma pancada forte em minha cabeça. Caí no chão meio desacordado, Flávio veio para cima de mim com uma seringa na mão. Senti uma picada fina em meu pescoço e desmaiei. E então acabei aqui na minha projeção criada pela minha mente, conversando com um Guardião baixinho parecido com Sr. Miyagi." Assim que terminou de libertar suas memórias mais recentes, o Escritor sentiu tremores no chão. Olhou para os lados e viu o imenso Hangar começar a ruir. Toda a estrutura de metal e concreto estava caindo por toda parte provocando um barulho quase ensurdecedor. "O que está acontecendo?", gritou assustado o Escritor. "O seu bloqueio criativo foi rompido. Você conseguiu quebrar as barreiras que o impediam de seguir adiante. Não vai demorar muito para tudo aqui desmoronar completamente", explicou o Guardião, "É aqui que mais uma vez nos separamos. Boa sorte. Que você consiga terminar a sua história", disse, virando e sumindo calmamente no meio dos escombros e entulhos que se formavam em toda a área do Hangar. Sem saber para onde correr, o Escritor tentou se proteger dos pedaços de metal que caíam. Quando uma viga enorme de aço estava prestes a lhe atingir em cheio, uma descarga de adrenalina invadiu seu corpo e um flash tomou conta de sua visão. Acordou sobressaltado, com o coração acelerado, o rosto suado, no chão da sala de seu apartamento. Ainda um pouco ofegante, olhou para a mesinha de centro. A caneta e os papéis com seu texto resgatado ainda estavam ali.<br />
<span style="font-size: small;"><br /><b>Escrito por</b> <i>Ulisses Góes</i><br /><b>Fotografia:</b> <i>Hunter Freeman</i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-77312296345401300782012-09-26T20:36:00.001-03:002020-07-30T12:53:48.382-03:00O Escrinauta ~ Revelação<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWBrMh9briY0GcUPsyBLK8rxj_hPxPxdtekwdChGNVdQSPexDWizxsO6wCY_EC7hD966fa5RirPj1_ey2OOrmTpJ8A7pKo1gmEnbWxUgf2_zGAQQjygdO1ulH1UN99A2tbXb4a/s1600/caneta.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWBrMh9briY0GcUPsyBLK8rxj_hPxPxdtekwdChGNVdQSPexDWizxsO6wCY_EC7hD966fa5RirPj1_ey2OOrmTpJ8A7pKo1gmEnbWxUgf2_zGAQQjygdO1ulH1UN99A2tbXb4a/s400/caneta.jpg" width="400" /></a></div>
O Escritor estava confuso com a descoberta. Não tinha certeza se o que tinha em mãos era exatamente aquilo que deveria ter encontrado. Passou muito tempo caminhando nas areias daquela praia deserta, e após uma busca cansativa que parecia nunca terminar, tudo o que o detector de textos incontroláveis encontrou foi uma pequena caixa retangular de metal enfeitada com minúsculas engrenagens, um relógio que mal cabia na ponta do dedo e uma lâmpada diminuta, sempre acesa. Agora estava sentado no sofá da sala, segurando aquele pequeno objeto, tentando decifrar como aquilo poderia lhe ajudar a encontrar o trecho em que a história que estava escrevendo fugiu ao seu controle. "Isso parece uma sucata enferrujada", disse, contrariado, examinando de perto a pequena caixa de todos os ângulos possíveis. Pensou em retornar pela porta para iniciar uma nova busca, mas a mesma já havia desaparecido logo após ele retornar para a sala de seu apartamento. E assim como as outras, sequer viu o momento em que ela sumiu, uma situação que deixava o Escritor visivelmente irritado. "Malditas portas...", resmungou, enquanto movimentava, meio nervoso, a caixinha em suas mãos. Balançando ela levemente, percebeu que havia algo dentro. Mesmo considerando a possibilidade de sua busca ter sido um fracasso por encontrar algo que em nada se parecia com textos perdidos, o Escritor puxou algumas imagens translúcidas e iniciou uma ampla pesquisa em sites de busca, banco de dados e sistemas de informações com o objetivo de encontrar algo que pudesse revelar que objeto era aquele que estava agora em seu poder. Entretanto, todas as pesquisas foram em vão. Dominado pela curiosidade, abriu a pequena caixa com extremo cuidado e imediatamente a lâmpada diminuta apagou-se. Dentro havia um objeto estranho, uma haste de metal com um quase minúsculo relógio em uma das extremidades, junto com um filamento de cobre espirilizado que se prolongava contornando toda a extensão da haste. O Escritor olhou confuso, sem saber com certeza o que era aquilo. Olhou mais atentamente e chegou a uma conclusão que poderia ser a mais plausível para definir aquele objeto em sua mão. "Eu não estou muito certo do que encontrei, mas acredito que isto seja uma caneta", afirmou, segurando com atenção o bizarro instrumento. Silencioso enquanto pensava, o Escritor procurou entender sua descoberta e imaginou como ela traria de volta os textos descontrolados de sua história. "Se isso for realmente uma caneta, como eu suponho que seja, então provavelmente será através dela que encontrarei meus textos. Não deixa de ser uma possibilidade. Afinal, antes do surgimento de toda essa tecnologia, os escritores criavam suas narrativas e o poetas escreviam seus versos utilizando-se de pena e tinta, ou de uma simples caneta". Eufórico pela hipótese formulada, correu para sua mesa de trabalho, abrindo gavetas em busca de folhas de papel em branco onde pudesse utilizar a suposta caneta. Encontrou um maço de papéis em branco e jogou tudo na mesinha de centro da sala. Concentrou-se, segurando o pequeno instrumento de escrever, como que aguardando que aquele ritual trouxesse de volta as lembranças dos trechos perdidos, fazendo-o transcrever tudo novamente para as folhas. Mas os segundos se passaram, transformando-se em minutos suspensos, e nada aconteceu. Começou a ficar ansioso, quase nervoso. Nada podia ser mais desanimador do que uma tentativa frustrada de uma ideia que parecia fascinante. Largou a caneta e construiu segundos silenciosos, observando aquele objeto inerte em cima do papel enquanto arquitetava dezenas de pensamentos a respeito do que poderia estar errado naquela situação toda. Planejou levantar-se do sofá, reorganizar suas dúvidas para entender a sequência de ações ocorridas nos últimos minutos após a partida de seu amigo Andarilho Estelar, mas um movimento imperceptível chamou sua atenção. Podia ser apenas sua imaginação brincando com seus sentidos, mas não era. A suposta caneta promoveu um movimento sutil, tímido ainda, diante de seus olhos espantados, começando a se mexer sozinha, cada vez mais nervosa, até que se levantou e ficou em pé sobre a folha, flutuando milímetros acima de sua superfície branca, inerte. Não demorou muito, e a caneta, para assombro completo do Escritor Astronauta, começou freneticamente a escrever linhas e mais linhas de um texto que se configurou familiar para ele. Aproximou-se mais do papel e começou a ler atentamente todo o trecho que estava sendo escrito pela ponta ágil da caneta. Logo acima, uma tela translúcida posicionou-se e captou a liberação do texto antes perdido de seu livro, fazendo a transcrição em tempo real do que estava sendo reescrito.<br />
<i>"Enquanto dirigia pela estrada, Flávio relembrava que no início não conseguia controlar seus pensamentos confusos e dispersos. A princípio, aquela voz narrativa constante que ouvia em determinados momentos ecoando em seus ouvidos o deixara transtornado, a ponto de imaginar se tratar de algum tipo de esquizofrenia que poderia estar sofrendo, por conta do livro satânico que guardava há tanto tempo com ele. Não queria acreditar que realmente estivesse ficando maluco por possuir algo tão sombrio e maligno, e tentou descartar tal hipótese tão perturbadora. Entretanto, depois que perdeu o livro, a voz em sua cabeça tornou-se mais presente, mais constante, narrando cada atitude sua, e descortinando cada ideia que pensava em fazer. Era como se ela soubesse sempre de tudo o que faria, revelando tudo o que tinha programado fazer no tempo futuro. Evitando a iminente carga de loucura que insistia em querer se instalar em sua mente, há alguns dias Flávio decidiu concentrar-se na sequência narrativa daquela voz em sua mente. E em um desses momentos de concentração intensa, conseguiu criar um elo conectivo extremo com a voz, e descobriu que ela narrava não apenas suas ações, seus pensamentos, sua rotina diária, mas as ações de outras pessoas que ele sequer conhecia. Nomes começaram a surgir entre as narrações, descrição de situações acontecendo em outras partes da cidade. E foi assim que Flávio ficou sabendo da existência de Hemilly, Henrique e Roney, de como ele perdeu seu livro satânico e de quem o encontrou. Era como se realmente alguém estivesse escrevendo a história de sua vida enquanto ela acontecia diante de seus olhos. Passou a manter o foco na voz onisciente, e cada vez mais concentrado, ficava sabendo de mais fatos e informações importantes, até que um dia teve uma visão de alguém sentado diante de um monitor, digitando incessante em um teclado estranho. Conseguiu visualizar o rosto da pessoa e tudo o que ela escrevia. Abriu os olhos instantaneamente e sussurrou uma frase satisfeito, como se tivesse acabado de resolver uma equação complexa, 'Um escritor escrevendo a história de nossas vidas'. <br />Depois que encaixou as peças do quebra-cabeça e entendeu aquela visão como uma explicação bastante plausível para o que estava acontecendo, Flávio admitiu que aquilo não poderia ser uma loucura criada por uma mente esquizofrênica, principalmente porque havia encontrado o Livro da Morte muito antes daquela voz começar a soar em seus ouvidos, e agora não encarava nada daquilo como anormalidades ou distorções provocadas por algum tipo de distúrbio psicológico. Saiu da rodovia, invadiu uma estrada de terra, seguindo até perto de um penhasco. Estacionou seu Plymouth Sundance vermelho não muito longe da beira do precipício. Saiu do carro e ficou admirando dali do alto aquela imensa região desértica cheia de platôs. Estava ciente de que, desde que ultrapassou os limites da cidade e dirigiu até aquele ponto, o descoberto escritor estava narrando tudo o que ele estava fazendo e tudo o que estava pensando até aquele exato instante. A voz ecoava naquele momento em seus ouvidos. Agora precisava ser ágil o quanto antes e encontrar uma maneira de apagar ou esconder todo aquele trecho da história que o escritor desenvolvia. Só assim teria uma vantagem que favoreceria um ataque violento e inesperado contra aquele que ele considerava como o principal culpado por ter perdido o seu Livro da Morte. Olhou para o deserto se espalhando pelo horizonte e pensou que aquele local seria o mais apropriado para concluir seu plano. Traria o escritor até ali e o forçaria a mudar todo o rumo da história. Seria a conclusão perfeita para reaver seu Livro da Morte. Flávio controlou sua raiva fechando o punho com um gesto firme. Entrou no carro, faz uma manobra arrojada e seguiu para a rodovia, tomando o caminho de volta para a cidade. Precisava agir mais rápido do que a construção de pensamentos do escritor maldito".</i><br />
A caneta subitamente parou de escrever, rodopiou para o alto e em seguida desceu flutuando lentamente sobre as folhas escritas de papel. O Escritor Astronauta estava completamente surpreso com aquele trecho redescoberto da sua história. Sabia que tinha escrito aquelas linhas, mas com o sequestro do texto pelo personagem, concluiu para si mesmo que a eliminação daquela parte deve ter provocado alguma espécie de amnésia literária, pois não se lembrava de ter escrito aquilo até o momento em que a caneta revelou tudo para ele novamente. Finalmente sabia o ponto exato onde havia perdido o controle de sua história e de seu personagem Flávio.<br />
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<span style="font-size: small;"><b>Escrito por </b><i>Ulisses Góes</i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-66352430197956740972012-09-07T02:38:00.002-03:002020-07-30T12:53:40.824-03:00O Escrinauta ~ Portas<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiESEO8Y1PhNupCwdABS704O1Ix02ZIQlhbkNEl5BWPQabTHtNdpyz2OYM5QoQ7swXdkc0z8tWY_toBELqq4725t9ns6_LtBzhsk01F49IuU03jyi3Pxlpu8QptLIr9C0NVH2XX/s1600/escritorastroportas.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="282" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiESEO8Y1PhNupCwdABS704O1Ix02ZIQlhbkNEl5BWPQabTHtNdpyz2OYM5QoQ7swXdkc0z8tWY_toBELqq4725t9ns6_LtBzhsk01F49IuU03jyi3Pxlpu8QptLIr9C0NVH2XX/s400/escritorastroportas.jpg" width="400" /></a></div>
O Escritor estava se levantando, disposto a subir as escadas em direção ao seu apartamento para tomar uma boa xicara de café como planejado naquele momento quando a viseira de seu capacete foi inundada por uma enxurrada de informações descontroladas. Dezenas de imagens translúcidas acompanhadas de breves chiados e ruídos intercalados deixaram o Escritor atordoado. "Não é possível. Outra interferência? Ou estou sonhando novamente?", esbravejou, lembrando do pesadelo maluco do supermercado que tivera há alguns dias. Balançou o capacete, tentando se livrar daquela interferência, enquanto por comando de voz buscava fechar todas as janelas de informações que surgiam, mas tudo foi em vão. Foi quando nesse momento os ruídos cessaram e começou a escutar uma música ecoando em seus ouvidos. Imaginou que algum dia teria que descobrir a origem de tais intervenções sonoras que apareciam de maneira tão inesperada. Ouviu aquela canção tão familiar do R.E.M. e percebeu que a música parecia controlar todo o fluxo de informações que vinha num emaranhado de notícias diárias, textos científicos, verbetes de dicionários, tutoriais extensos, imagens de programas do canal Discovery, tudo aparecendo e desaparecendo incessantemente em sua viseira. A melodia comandava a onda de informações de forma gradativa até que as imagens começaram a desaparecer num refluxo rápido. "<i>Hey now, take your pills and / Hey now, make your breakfast / Hey now, comb your hair and off to work / Crash land, no illusions, no collision, no intrusion / My imagination runs away</i>". Quando finalmente a viseira de seu capacete estava liberada de todas aquelas imagens, o Escritor olhou para os dois lados da rua e se deu conta de que o movimento das pessoas e carros havia desaparecido. Tudo estava incrivelmente calmo como numa manhã ensolarada de domingo. Era possível ouvir o vento sacudir as folhagens das árvores próximas e criar pequenos redemoinhos de poeira luminosa e papéis pela calçada. O Escritor estava quase entrando em seu prédio quando ali perto o alarme de um carro disparou sem motivo aparente, chamando sua atenção. Foi quando ele viu uma pessoa conhecida andando em sua direção. O conhecido amigo, com um leve sorriso estampado no rosto, caminhava calmamente no meio de um redemoinho de imagens translúcidas, as mesmas que alguns segundos antes tinham invadido a viseira de seu capacete. Todas elas giravam velozmente até a altura um pouco acima da cintura do amistoso amigo, reconhecido logo em seguida. "Ramon? Meu amigo, Você por aqui? Espere um pouco... Você não estava viajando?", interrogou o Escritor. "E estava, lógico. Sempre estou. Berlim é uma cidade fantástica, multifacetada, empolgante, com seus palácios, parques em contraste com uma arquitetura arrojada, moderna, contemporânea", respondeu animado Ramon, o Andarilho Estelar, com uma voz mansa porém constante, sem interrupções, todas as suas frases fluindo num trânsito de palavras descongestionadas. Aproximou-se sem pressa, uma barba cheia quase escondendo suas bochechas, as mãos nos bolsos da calça jeans surrada, uma velha jaqueta cáqui por cima de uma camisa de flanela xadrez vermelha, um gorro cor de doce de leite por cima dos cabelos meio compridos. O redemoinho de imagens desapareceu sutilmente quando Ramon abraçou o amigo que não via há tempos. "Quando dispor de um tempo, aproveite para visitar a metrópole européia, pois tenho certeza absoluta de que sua estadia por lá será revigorante e inspiradora. A culinária é única, recomendação constante de meu amigo andarilho Anthony Bourdain", explicou Ramon, com uma dialética hipnótica comprovada outras vezes pelo Escritor, sempre admirado com a capacidade impressionante que o amigo tinha de quase nunca repetir as mesmas palavras em uma conversa. "Que bom rever você, Ramon. Está de passagem pela cidade?", "Sim, companheiro escriba. Redefini minha rota de viagem, reprogramei escalas e conexões para ter o prazer deste encontro com sua pessoa no centro urbano onde vive. Ou considerou a possibilidade de que eu perderia essa oportunidade maravilhosa e rara? Nos dias atuais, as informações navegam na velocidade de alguém pensando em piscar os olhos. E estou ciente de sua nova obra que está escrevendo. Por isso aqui estou". "Que bom saber que meus amigos estão atentos aos meus trabalhos em andamento. Aproveitando, você não quer subir, tomar um café e me contar as novidades?", perguntou o Escritor. "Mas é claro que sim! Será uma honra imensurável. Vamos, me acompanhe", disse o Andarilho Estelar, apontando para uma porta antiga num muro de um terreno baldio logo ao lado do seu prédio. De início, o Escritor ficou meio confuso, pois nunca tinha visto aquela porta ali antes. Poderia jurar que ela não estava ali antes de Ramon aparecer. O Andarilho Estelar abriu a porta e com um gesto educado e amistoso chamou o amigo para entrar. O Escritor pensou em perguntar o que iriam fazer em um terreno baldio, mas assim que atravessou a porta, desistiu completamente de fazer tal questionamento. Olhou ao redor e reconheceu o ambiente tão rapidamente quanto começou a sorrir. Estavam na sala de estar de seu apartamento. Ramon entrou logo atrás dele e fechou cuidadosamente a porta. <br />
O Andarilho Estelar caminhou despretensioso até o sofá, afastando cuidadosamente algumas imagens translúcidas que flutuavam pelo caminho enquanto outras eram atraídas pela sua presença e começavam a rodopiar lentamente ao seu redor. Sentou-se mansamente, enquanto o Escritor, ainda sorrindo e com receio em perguntar desde quando o amigo começou a abrir Portas Inesperadas, tirou o capacete e foi providenciar xícaras de café. "Meu querido, seu pequeno castelo permanece aconchegante. Quando o visito, sinto-me em um outro mundo, longe da agitação, das multidões. Neste lugar foi construído um recanto de serenidade no qual o tempo desacelera gradativamente", explicava Ramon, sempre fluente nas palavras. "Um ambiente assim é indispensável para mim. Preciso de toda concentração possível para escrever. Qualquer barulho externo pode me atrapalhar ou me distrair, e posso perder todo a minha linha de raciocínio com a história. Eu consigo me concentrar somente com meus próprios barulhos", disse o Escritor, enquanto oferecia uma das xícaras de café para Ramon. "Agradecido, meu caro. Uma boa bebida quente agora é reconfortante e se encaixa perfeitamente no espaço criado", o Andarilho tomou um gole, fez uma pausa breve e continuou, "Você sabia que os dias estão ficando mais curtos? Tudo por causa daquele terremoto no Japão". A informação dita por Ramon fez o Escritor erguer as sobrancelhas, "Como assim mais curtos?". Ramon levantou-se e foi até a janela, como se quisesse observar de alguma maneira o tempo cronológico e invisível que envolvia a Humanidade. "Segundo a NASA, o tremor nipônico de magnitude 9 diminuiu a duração dos ciclos diários terrestres e deslocou seu eixo. Um cientista aplicou um modelo complexo elaborando um cálculo preliminar para mostrar como o 5º maior abalo sísmico da História afetou o planeta. Os resultados indicam alteração na distribuição da massa da Terra devido a catástrofe ocorrida, fazendo essa imensa esfera solta no espaço girar um pouco mais rápido, encurtando o comprimento do dia por cerca de 1,8 microssegundos", Ramon fez uma pausa na explicação para beber outro gole de café e olhou para o amigo sentado no sofá. "Microssegundos? Então é completo exagero considerar que as pessoas perceberão essa alteração", disse o Escritor. "Imperceptível para a raça humana, sem dúvida", ponderou Ramon, alisando sua barba meio ruiva, "Entretanto, convêm considerar que o homem desenvolve suas próprias maneiras de acelerar o tecido temporal de sua época atual, concorda? E são práticas mais eficientes e perturbadoras do que as provocadas pela Natureza, admita. E elas tem nomes: rotina corrida, cotidiano desenfreado. Milhões, bilhões sem saber o que estão perseguindo diariamente", completou Ramon. O Escritor levantou-se e foi em direção à janela, procurando seguir a lógica de raciocínio do Andarilho Estelar, "Acredito que as pessoas estejam perseguindo seus objetivos, suas metas, correndo atrás daquilo em que acreditam". "A maioria corre atrás de objetivos alheios, metas temporárias. Raros são aqueles que seguem seus caminhos mais autênticos, abraçando seus sonhos desafiadores. Exemplo maior está diante de mim agora", Ramon sorriu e curvou-se fazendo um leve gesto de deferência ao amigo. "Quem? Eu? Não, Ramon", retrucou o Escritor sem jeito, "Eu sou igual a todo mundo. Longe de mim ser essa pessoa rara que você descreveu". O Andarilho permaneceu sorrindo, "Incrível sua modéstia. Porém, não admitir uma verdade não significa que ela deixa de existir. Parir mundos e personagens é um dom, admita. Em alguma ocasião, já foi questionado sobre o que o motiva a continuar na carreira literária? O que o impulsiona a seguir adiante?". Tais indagações do Andarilho Estelar deixaram o amigo pensativo, o que o fez lembrar que durante toda aquela manhã tentou em vão pesquisar os possíveis trechos de seu desenvolvimento narrativo onde pudesse ter perdido o controle da história. "O que me motiva a continuar escrevendo é o simples fato de que acredito em tudo aquilo que eu faço, e acredito que é o que eu tenho que fazer sempre... E por isso estou aqui, a manhã toda tentando descobrir em que ponto exatamente minha história ganhou autonomia própria para seguir criando situações as quais não me recordo ter imaginado", explicou o Escritor. Ramon encarou o amigo por alguns segundos, procurando a maneira exata de dizer que já sabia previamente daquela situação complicada, e não demorou a relatar a verdadeira intenção de sua visita. "Compreendo sua problemática e haja visto seu insucesso na pesquisa citada, minha visita aqui é tanto saudosa quanto solidária. Trago ajuda para sua investigação", ao dizer isso, o Andarilho Estelar caminhou até uma outra Porta Inesperada que surgiu ao lado da estante de livros momentos antes enquanto conversavam. O Escritor Astronauta espantou-se com mais aquela porta que tinha certeza não existia há segundos atrás, e pensou na possibilidade do Andarilho ter desenvolvido aquela habilidade em algumas de suas viagens à Ásia. Ramon abriu a porta e acendeu uma pequena lâmpada pendurada no teto, iluminando um pequeno espaço que aparentava ser um armário de bugigangas tecnológicas, algumas familiares como monitores antigos de computadores, caixas cheias de iPods, tablets, e outras estranhas e aparentemente inexplicáveis com seus cabos, transistores e circuitos elétricos, verdadeiros aparelhos que pareciam criados em um universo similar a este conhecido pela humanidade, onde a tecnologia moderna surgiu precoce e extraordinária décadas antes através da ciência disponível na época. O Escritor aproximou-se cauteloso e viu o Andarilho vasculhando o local procurando algo que não demorou muito para encontrar. "Busca bem sucedida", disse, saindo do armário trazendo em uma das mãos o objeto achado. Ramon não demorou para explicar o que seria aquele aparelho. "Aparentemente pode ser confundido com um detector de metais comum. Todavia, este artefato será de uma utilidade primordial para suas pesquisas atuais, já que o mesmo procura e denuncia a existência de trechos literários fora de controle". Após a explicação inicial, o Andarilho entregou o objeto nas mãos do Escritor, intrigado com o que acabara de ouvir, "Você está me dizendo que isso aqui é, basicamente, um detector de textos incontroláveis?". "Brilhante colocação! Exatamente! Prático, eficiente, funcionamento simples. Muito útil também para revelar textos esquecidos, contos abandonados e poesias inacabadas", respondeu Ramon com entusiasmo, e prosseguiu, "Vê aquela porta ao lado de sua mesa de trabalho? Atravesse ela e encontrará o ponto falho e descontrolado de sua narrativa". "Outra porta? Como essas malditas aparecem de repente?", pensou indignado o Escritor, já impaciente com tantas passagens surgindo sem que ele sequer pudesse perceber. Quando decidiu enfim perguntar ao Andarilho Estelar como as portas surgiam, Ramon o interrompeu momentaneamente. Um novo redemoinho de imagens translúcidas surgiu rapidamente girando ao seu redor. Estendeu a mão e pegou uma das imagens contendo uma mensagem de texto enviada para ele naquele exato momento. "Destemido escritor, sinto muito em dar essa notícia, mas não poderei acompanhá-lo em sua varredura importante. Fui alertado de um compromisso programado onde minha presença é indispensável". "Mas e quanto à porta? Como retornarei quando terminar minha busca?", perguntou apreensivo o Escritor, sem perceber que atrás de si outra Porta Inesperada surgiu no mesmo local onde eles entraram da primeira vez para chegar ao seu apartamento. Ramon olhou por cima do ombro do amigo e observou a urgência do momento. Sabia que precisava ir o quanto antes, e por isso suas explicações foram breves e precisas, "Vá despreocupado, a passagem aguardará paciente pelo seu êxito. Saiba que foi formidável estar contigo novamente. Espero vê-lo em breve". O Andarilho Estelar abraçou o amigo, apertou sua mão calorosamente e partiu atravessando a porta que o aguardava. O Escritor olhou silencioso para o detector em sua mão por um breve instante, tempo suficiente para ele não conseguir ver a passagem por onde Ramon entrou desaparecer, situação que começava a deixá-lo chateado. "Maldição. Como elas desaparecem sem que eu consigar ver?", pensou, irritado. Colocou seu capacete e, equipado com o detector, dirigiu-se para a porta ao lado de sua mesa onde estava seu computador e vários papéis espalhados com anotações suas. Girou a maçaneta e em questão de segundos estava pisando na areia fofa de uma praia, iniciando sua busca pelo trecho incontrolável de sua narrativa. Procurava pelo ponto exato onde havia perdido o domínio de sua história.<br />
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<b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes</i><br />
<b>Fotografia: </b><i>Hunter Freeman</i></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-4340032142087448232012-08-25T20:38:00.003-03:002020-07-30T12:53:32.002-03:00O Escrinauta ~ Dragões<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi49bVqzz12J4jFX6yeGWq8Q07Kgp3LdK46k9R-tJV8WjRdLAgBvf5w8FkEloCirdYoawN8S0pPUEg5jncZ91yg4CeLxM0SdIvz6RlMIPjWgQDoL75vNq7C_Tebt0o4WLVCIUIY/s1600/escritorastronautadragoes.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="361" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi49bVqzz12J4jFX6yeGWq8Q07Kgp3LdK46k9R-tJV8WjRdLAgBvf5w8FkEloCirdYoawN8S0pPUEg5jncZ91yg4CeLxM0SdIvz6RlMIPjWgQDoL75vNq7C_Tebt0o4WLVCIUIY/s400/escritorastronautadragoes.jpg" width="400" /></a></div>
O Escritor Astronauta saiu daquele apartamento vazio com os pensamentos anestesiados. Desceu as escadas ainda sem entender o que havia acontecido minutos antes com ele naquele lugar. Pensava no guarda-roupa, no leão, na música que tocava sem parar, nas pessoas com as quais ele possivelmente havia conversado e nos livros com personagens de sua história na capa. Foram momentos tão reais que sua mente sentia uma dificuldade imensa em considerar que tudo aquilo foi um sonho maluco. Continuou descendo os degraus, percebendo agora o silêncio que reinava pelo prédio. Não havia mais qualquer música ecoando pelo ambiente. Chegou no corredor que levava ao seu apartamento, e viu as pedras lunares ainda pelo chão, exatamente no mesmo lugar em que estavam quando passou por ali alguns minutos atrás. "Parece que as pedras que Drummond anda deixando por aí definitivamente não fazem parte de meus estranhos devaneios", pensou o Escritor. Caminhou em direção à escotilha de seu apartamento, e quando estava tirando as chaves do bolso de seu traje, notou um pequeno bilhete grudado bem na entrada. "Estive aqui e não encontrei você. Fiz uma descoberta fantástica e preciso que você veja. Assim que puder, me encontre no estacionamento do Shopping ainda hoje. Seu amigo Dr. Brown", dizia a mensagem escrita em um papel tirado daqueles pequenos bloquinhos de lembretes. De início, o Escritor pensou em ignorar aquele recado, pois estava muito ocupado com o seu livro e tinha reservado aquela manhã justamente para pesquisar a respeito do momento exato em que sua história tomou um rumo diferente de tudo o que ele havia imaginado até então. Mas parou um instante, pensativo, ainda com as chaves na mão, e lembrou-se que, mesmo com aquele olhar meio espantado e aqueles levemente desarrumados cabelos brancos precoces para os 34 anos que tinha, Dr. Brown sempre foi um de seus amigos, assim como Sérgio e Caroline, que constantemente inspiravam grandes ideias que eram aproveitadas em seus livros. A mais recente intervenção sugerida por Dr. Brown foi a de trabalhar com a temática de viagens no tempo, sugestão essa que o Escritor achou interessante e incluiu posteriormente no seu trabalho atual, com a personagem Hemilly viajando no tempo utilizando o Destemporizador. Ainda assim, achava estranhas as conversas insistentes do amigo a respeito de deslocamentos temporais onde ele citava constantemente Einstein e sua famosa Teoria da Relatividade. O Escritor guardou as chaves e o bilhete em seu bolso e desceu as escadas, mas foi parado bem no meio dos degraus por um novo bilhete pregado na parede. "Não entre em pânico. Você vai voltar um pouco no tempo. Acredite", era o que estava escrito no papel. "Engraçado. Esse bilhete não parece ser do Dr. Brown. Quem escreveu este tem uma letra muito parecida com a minha", disse o Escritor para si mesmo, olhando desconfiado para aquela caligrafia semelhanta à sua. Em sua viseira apareceu imagens translúcidas de mensagens suas escritas à mão com caneta esferográfica preta, algumas em folhas de caderno, a maioria em folhas de ofício. Fez uma mapeamento comparativo das letras e constatou que aquele bilhete foi escrito por alguém com uma letra idêntica à sua. Guardou esse novo bilhete em seu bolso quando ouviu um barulho forte no andar de baixo, como se alguém tivesse caído das escadas. Continuou descendo, dessa vez com passos mais rápidos, pulando alguns degraus, chegando ao andar térreo com rapidez. Mas não viu ninguém caído, apenas encontrou a porta da frente do prédio aberta, e imaginou que aquilo tivesse sido ação desleixada de alguns dos moradores que não se preocupam com a segurança do local ondem residem. Saiu olhando para os dois lados da rua, como que procurando por alguém conhecido, algum vizinho, mas só visualizou pedestres estranhos. Olhou para o céu, e ficou aliviado ao perceber que não caia mais aquela chuva fina e que o tempo estava melhorando. O Shopping não ficava muito distante de sua casa, então não demoraria muito em chegar ao destino combinado pelo seu amigo Brown. Fez uma rápida estimativa e os números nas imagens em sua viseira mostravam que estaria no local de encontro em no máximo 20 minutos, indo pelo caminho mais curto possível.<br />Assim que chegou, checou a pequena imagem translúcida de um relógio digital que aparecia na viseira de seu capacete. Como realmente previu, chegou no tempo estipulado ao estacionamento do Shopping, e somente quando começou a procurar pelo Dr.Brown, o Escritor se deu conta da imensidão daquele lugar lotado de carros estacionados. Observando todas as vagas ocupadas, não fazia ideia de onde encontraria seu amigo. Andou sem rumo durante alguns minutos por entre os automóveis. Não seria muito difícil encontrá-lo, já que deduzia que um estacionamento sempre teria mais carros do que pessoas. "Ninguém vem a um shopping para ficar perambulando pelo estacionamento", pensou enquanto olhava para todos os lados, na esperança de avistar Dr. Brown. Mas ao passar próximo de uma Hilux preta parada ao lado de um Sandero vermelho, escutou um barulho sinistro às suas costas, sons finos e estridentes, porém não muito altos. Olhou para trás um pouco assustado, e considerou a possibilidade de algum motorista ter atropelado um animal pequeno, mas descartou logo a hipótese pois concluiu que isso seria improvável ocorrer ali, já que estava no meio de um centro urbano. Os estranhos guinchos ecoaram novamente, e dessa vez o Escritor viu pequenos sopros de fogo surgir atrás de um carro, criando bolas incandescentes que não demoravam a desaparecer no ar. Caminhou lentamente na direção de onde haviam surgido as pequenas labaredas, sentindo o coração acelerado, experimentando uma mistura de medo e curiosidade em seu íntimo, sem fazer ideia do que encontraria à sua frente. Aproximou-se silencioso e então viu, paralisado por um pavor contido, uma garota aparentando não mais que 14 anos saindo por entre os carros, seguida de perto por dois pequenos dragões voadores, descrevendo voos rasantes e discretos pelo asfalto do estacionamento. Ainda sem notar a presença do Escritor assustado com a cena, a jovem, com seus longos cabelos loiros presos atrás por diversas tranças lindamente entrelaçadas e vestida tal qual uma nômade de tribos de desertos distantes, esgueirava-se rápida juntamente com seus dois seres reptilianos alados cuspidores de fogo. Parecia perdida, como se estivesse desesperada procurando uma saída daquele lugar completamente estranho para ela. Ainda apavorado, o Escritor presenciou aquela situação como uma vaga sensação familiar percorrendo sua mente, como se já tivesse visto aquela garota e seus dragões em algum outro lugar, um notíciario ou um livro conhecido. Um dejá vù atravessou seu corpo, provocando um calafrio em sua espinha. Sem fazer barulho, seguiu a jovem de uma distância segura. Olhou por baixo de uma Pajero branca, e encontrou a menina agachada entre dois carros, com os pequenos dragões escondidos embaixo de um dos veículos. Nesse momento, o Escritor Astronauta sentiu uma mão tocando seu ombro com firmeza, e um novo susto o fez encolher-se todo contra o pneu da Pajero onde estava apoiado. Felizmente, era Dr. Brown vestido como um arqueólogo aventureiro, com seus olhos meio espantados e seus cabelos brancos sempre desarrumados, ainda que estivesse usando um chapéu estilo Indiana Jones. "Então você está aqui! E pelo que vejo, parece que já encontrou minha descoberta fantástica, hein?", disse Dr. Brown num sussurro entusiasmado. "Doutor! Você me assustou!", disse o Escritor, sentindo o coração mais acelerado ainda. Meteu a mão em seu bolso, pegou os bilhetes e os entregou ao amigo, "Eu recebi seus recados". "Recados? Ah, sim, eu deixei um bilhete para você quando fui em sua casa. Esse outro recado não é meu, eu não escrevo tão horrível assim", disse Dr. Brown, enquanto amassava os dois pedaços de papel e os jogava longe. "Mas Doutor, eu encontrei esses dois...", o Escritor tentou explicar sobre os bilhetes, mas foi interrompido pelo amigo, visivelmente animado, "Incrível, não é? Eu a encontrei faz um semana em um outro estacionamento. Tentei fazer contato, mas ela não entendeu minha aproximação, se assustou e desapareceu com seus dragões. A princípio, eu pensei que poderia ser maluquice minha, mas então hoje encontrei ela aqui no estacionamento desse Shopping, e só então decidi procurar você", explicou Brown, quase sem folêgo. "Mas eu não entendo. De onde ela veio? E aqueles bichos seguindo ela? São... dragões?", indagou o Escritor, confuso. "Eu acredito que ela tenha encontrado, acidentalmente, alguma fissura no tecido espaço-temporal e acabou passando através dele para o nosso mundo", o Dr. Brown ajeitou seu chapéu, ajoelhou-se e observou a garota e seus dragões por baixo do veículo, como se estivesse analisando seu comportamento e suas expressões corporais. Então prosseguiu com suas mirabolantes explicações, "Quando a vi pela primeira vez, ela demonstrava estar confusa e amedrontada, e falava uma língua estranha. Quando me aproximei, os pequenos dragões que a acompanhavam reagiram cuspindo fogo contra mim". "Como se estivessem protegendo a menina?", perguntou o Escritor. "Exatamente! Agora ela deve estar procurando novamente uma outra abertura espaço-temporal para voltar para o seu mundo". A cada nova explicação do amigo, o Escritor estampava uma expressão diferente de espanto em seu rosto. E quando se preparava para fazer uma nova pergunta, pequenos redemoinhos de ventos começaram a se formar próximos de onde estavam escondidos. O Escritor olhou para o Dr. Brown, que segurava o seu chapéu na cabeça para que não fosse levado pelo vento enquanto admirava toda aquela situação com um sorriso de satisfação em seu rosto. "Isso é fantástico! Acredito que estamos a ponto de presenciar o rompimento do tecido espaço-temporal aqui, neste estacionamento!", disse o Dr, eufórico. "Você está dizendo que algum tipo de portal vai se abrir no meio do estacionamento do shooping?", perguntou o Escritor. "Sim! Exatamente! Esses portais devem surgir ocasionalmente e permanecem abertos por questões de segundos". "Isso é loucura", disse o Escritor, vendo imagens translúcidas em sua viseira com informações sobre velocidade do vento e alterações nas frequências das ondas de som ocorrendo em uma pequena área do estacionamento. Então eles escutaram um zumbido estranho seguido de um rápido clarão e de um barulho implosivo. De onde estavam, presenciaram a abertura de um pequeno portal dimensional entre dois carros estacionados ali próximos, um Corsa Sedan preto e um CrossFox cinza. Não demorou muito e viram a garota de tranças passar correndo com seus pequenos dragões em direção à fissura aberta. "Vamos! Não podemos perder essa oportunidade!", disse Dr. Brown cheio de entusiasmo, partindo em seguida atrás da menina. "Espere! O que você pretende fazer?", indagou o Escritor, mas sem obter qualquer resposta do amigo, que no meio do caminho deixou cair uma caneta esferográfica e um pequeno bloco de anotações. "Doutor!... Espere!... Doutor!", gritava o Escritor em vão. Não podia deixar o amigo cometer qualquer tipo de loucura que colocasse sua vida em perigo, e saiu atrás dele, apanhando a caneta e o bloquinho de anotações largados na aslfato e guardando no bolso de seu traje. A garota nômade atravessou o portal com os dragões cuspidores de fogo, e em seguida foi a vez de Dr. Brown passar pela fissura. O Escritor sabia do perigo que envolvia aquela situação toda, mas não pensou duas vezes em acompanhar o amigo maluco. Passou pela fissura e encontrou-se no meio de um deserto imenso cheio de platôs sob um sol escaldante. A garota corria ao longe junto com seus dragões, e atrás dela a figura espontânea, exploratória e destemida do Dr. Brown, seguindo aqueles personagens de um outro universo. Gritou o nome do amigo, mas ele parecia completamente indiferente aos seus chamados. Quando estava prestes a continuar seguindo Dr. Brown, sentiu uma força estranha atrás de si segurando seu corpo e o impedindo de movimentar-se. Era aquela fissura criando uma poderosa força gravitacional ao redor dela e atraindo o Escritor de volta para a abertura. Rapidamente ele foi sugado de volta pelo portal, sendo jogado a alguns metros contra o chão do estacionamento. A abertura espaço-temporal começou a se consumir, como se estivesse engolindo a si mesma para enfim desaparecer como um ponto luminoso numa implosão silenciosa. Aturdido, o Escritor Astronauta permaneceu alguns segundos no chão, até se levantar assustado pelo som da buzina de um carro que quase o atropela naquele momento. Ficou parado alguns instantes no meio daquele imenso estacionamento do shopping, tentando entender o que havia se passado minutos antes. Olhou para todos os lados, na esperança de ver Dr. Brown por ali, mas sabia que seria uma busca em vão.<br />Retornou para casa, dessa vez sem se importar muito em fazer o caminho mais curto, optando por um novo trajeto, enquanto pensava no que poderia acontecer com Dr. Brown perdido por terras estranhas em um universo desconhecido. Quando estava próximo ao quarteirão onde ficava seu apartamento, o Escritor percebeu em sua viseira algo errado com seu relógio digital. Ele estava marcando um horário 25 minutos anterior ao horário em que havia saido naquela tarde para o encontro marcado no estacionamento do shopping. "Aquele portal deve ter alterado a configuração do horário", pensou. Lembrou-se que ali perto, em um cruzamento movimentado no centro da cidade, havia um relógio de rua em formato de Iphone. Sem demora, caminhou em direção onde as duas avenidas se encontravam sempre congestionadas e avistou o imenso Iphone registrando a temperatura e a hora local, e ao ver o horário que ele marcava, arregalou o olhar. O relógio de rua também estava 25 minutos atrasado, exatamente igual ao seu relógio digital. "Isso não é possível", disse boquiaberto. Na esquina oposta do cruzamento, avistou outro homem careca, de terno e gravata, segurando uma maleta e mexendo com uma das mãos algo que parecia um pequeno tablet dourado. Subitamente parou o que estava fazendo e olhou na direção em que se encontrava o Escritor. "Novamente esses Observadores estranhos", pensou, enquanto retomava o caminho de casa, confuso com aquele horário atrasado. Entrou no prédio onde morava com uma sensação maluca de deslocamento, que o estava deixando um pouco tonto. Estava subindo as escadas, reordenando seus pensamentos e disposto a esquecer tudo aquilo e retomar as pesquisas que havia planejado fazer naquela manhã com seu livro, quando chegou no corredor e um visão surreal fez paralisar completamente todos os seus movimentos. Viu a si mesmo parado ali bem diante da escotilha de seu apartamento, com as chaves na mão e lendo um bilhete. Recuou atônito para as escadas, o coração disparado, tentando assimilar tudo aquilo. Começou a sentir falta de ar, e uma tontura mais forte fazia seus pensamentos colidirem uns nos outros numa velocidade catastrófica. Estava a ponto de perder os sentidos a qualquer momento, mas precisava de qualquer maneira não deixar aquele pânico tomar conta de seu cérebro. Lembrou-se do recado que havia encontrado exatamente onde estava e, seguindo a orientação do que tinha lido naquele pedaço de papel, procurou rapidamente se controlar. "Eu voltei no tempo. Eu voltei no tempo. Não é possível, mas eu voltei no tempo, eu voltei no tempo, eu voltei no tempo", repetia sem parar o Escritor, que começou a se tocar, como se quisesse ter certeza de que ele existia realmente naquele momento. Ao tocar no bolso de seu traje, lembrou-se do bloquinho e da caneta que o Dr. deixou cair no estacionamento e que tinha pego de volta e guardado consigo. "Sim, o bloco de anotações. Preciso deixar um recado para mim mesmo. Sim, um aviso, preciso avisar a mim dessa viagem maluca no tempo, senão entrarei em colapso quando eu me encontrar comigo novamente em breve. Mas o que estou dizendo? Fez sentido o que eu disse agora?", sussurrava freneticamente o Escritor, enquanto tentava controlar sua respiração e escrever o bilhete com o recado "Não entre em pânico. Você vai voltar um pouco no tempo. Acredite". Assim que terminou de escrever, pregou o pequeno papel autocolante na parede e desceu nervoso o lance de escadas que faltava em direção ao primeiro andar. Enquanto descia as escadas entre o primeiro andar e o térreo, desequilibrou-se e caiu rolando pelos degraus. Levantou-se rápido, pois sabia que o barulho de sua queda acabaria chamando a atenção do seu outro "EU", que já deveria estar também descendo as escadas em pulos flutuantes. O Escritor, mesmo aturdido com a queda, correu para fora do prédio, deixando para trás a porta aberta, e se escondendo atrás de um carro estacionado ali próximo. Esperou ainda alguns momentos, aguardando seu outro "EU" terminar de fazer as tais estimativas de quanto tempo levaria para chegar o mais rápido possível ao estacionamento do shopping. Ainda escondido, conseguiu ver a si mesmo atravessando a rua rumo ao encontro marcado com o seu amigo Dr. Brown. Respirou fundo e sentou na calçada da rua. Seu fluxo de pensamentos voltava ao ritmo normal, assim como sua respiração e seus batimentos cardíacos, como mostrava as informações translúcidas na viseira de seu capacete. Tudo o que o Escritor queria agora era tomar um boa xícara de café e fumar um cigarro na calmaria silenciosa de seu apartamento.<br />
<b><br /></b>
<b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes</i></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-34611467236355543182012-08-19T16:56:00.001-03:002020-07-30T12:53:23.805-03:00O Escrinauta ~ Vizinhos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhftX0JJ8dFP062zDYpk-kowL4hfdrndrC1e-mI0o9OrdtnQyXrEQYop1Mpd1g91va074Ky5fTUCn-XrszEYSviwzKtFYolqpAmhyphenhyphensR4EK5Jw0PGlw2Ld-4VVf3FNB28DJl4iHn/s1600/astronautavizinhos.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="296" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhftX0JJ8dFP062zDYpk-kowL4hfdrndrC1e-mI0o9OrdtnQyXrEQYop1Mpd1g91va074Ky5fTUCn-XrszEYSviwzKtFYolqpAmhyphenhyphensR4EK5Jw0PGlw2Ld-4VVf3FNB28DJl4iHn/s400/astronautavizinhos.jpg" width="400" /></a></div>
Aquela manhã fria e chuvosa era um manso conforto para o Escritor Astronauta, depois da noite angustiante que havia experimentado, sendo atormentado pela presença sombria daquele ser misterioso mostrando seu sorriso deformado e seu olhar doentio de psicopata. Olhava pela janela o céu nublado e a chuva fina caindo, enquanto fumava um cigarro entre goles de um café que tinha feito assim que acordou. Em seus pensamentos concentravam-se ainda alguns resquícios arrepiantes de lembranças do que ocorrera há poucas horas. Um leve calafrio percorreu sua espinha, como se uma presença tenebrosa tivesse passado rapidamente por ali, aproximando-se de sua nuca e soprado um vento congelante. Olhou ao seu redor com certa desconfiança, apenas para certificar-se de que não havia nada ou ninguém por perto. Tomou outro gole de café, e lembrou-se do email recebido no dia anterior com aquela frustrante notícia da Editora. Precisava definitivamente afastar todos aqueles pensamentos e lembranças que pudessem, de alguma forma cruel, trazer à tona novamente sentimentos depressivos e, consequentemente, aquele ser perturbador e tenebroso. Procurou concentrar-se no desenvolvimento da história de seu livro. Precisava dar seguimento às ideias planejadas para as páginas seguintes, além de descobrir como aquela parte da história em que havia parado acabou tomando um rumo tão diferente do que ele havia imaginado. As imagens translúcidas continuavam a flutuar por toda parte, e o Escritor observava agora cada uma delas com extrema atenção, buscando lembrar até que ponto da narrativa ele tinha realmente imaginado todas as situações acontecendo com seus personagens. Correu a mão por imagens próximas, que mostravam cenas nítidas dos dois irmãos fugindo dos agentes que os perseguiam, depois puxou outras cenas, e em uma delas aparecia Hemilly utilizando pela primeira vez o Destemporizador. Em outra cena, Henrique descobria o Livro da Morte num dia de chuva e saía correndo pela rua tentando inultimente não ficar molhado. Naquela manhã, o Escritor gastou um bom tempo fazendo um pesquisa em seu livro, relendo trechos escritos, procurando falhas na narrativa, pontas soltas na história, numa tentativa de encontrar o ponto exato onde ele possa ter perdido um certo controle da trama criada. Estava concentrado em uma das imagens flutuantes quando um barulho no teto tirou momentaneamente sua atenção. Olhou para cima intrigado, tentando imaginar a origem daquele som incômodo. "Parece alguma coisa sendo arrastada", pensou, enquanto seu olhar permanecia mirando o teto. Alguns segundos se passaram até que o silêncio predominasse novamente, tranquilizando o Escritor que retornou a observar atentamente as imagens translúcidas. Porém, não demorou muito para o barulho retornar, atrapalhando o trabalho minucioso que estava fazendo. "Mas o que está acontecendo lá em cima? Esses vizinhos nunca fizeram barulho antes. O que será que estão arrastando?". Cismado com aquela situação que visivelmente lhe causava um desconforto sonoro, decidiu sair e tomar conhecimento do que se passava no andar de cima. Colocou seu capacete, abriu a escotilha e escutou pela primeira vez um barulho abafado de música ecoando pelo corredor. Enquanto fechava a escotilha, percebeu algumas pedras lunares esquecidas próximas à escada de acesso ao andar superior. "Aposto que isso é trabalho de Drummond. Essas pedras só podem ser dele. Preciso falar com o pai desse menino ainda hoje", pensou, e enquanto subia as escadas, ouvia aquele barulho estranho e insistente, além da música com acordes meio familiares aos seus ouvidos. Subiu mais alguns degraus e chegou ao corredor do andar de onde todos aqueles sons pareciam surgir. Havia no chão um estranho rastro de algo branco, parecido com algodão. O Escritor agachou-se e tocou com os dedos, sentindo uma leve textura macia e gelada. "Isso é neve?", indagou para si mesmo, seguindo com os olhos aquela trilha branca que mais adiante sumia por uma porta entreaberta de um dos apartamentos. Levantou-se e continuou andando discretamente pelo corredor, quando começou a escutar acordes conhecidos de uma música do Pink Floyd. Ao chegar na porta, conseguiu ouvir com clareza "Comfortably Numb" ecoando em seus ouvidos. Bateu na porta e soltou um "Olá" interrogativo na esperança de que alguém viesse receptivamente ao seu encontro, mas não obteve qualquer resposta, e ninguém apareceu. Empurrou lentamente a porta e ensaiou dois passos para dentro do apartamento quando descobriu, espantado, um vasto ambiente iluminado pela luz mansa daquela manhã chuvosa. Considerou a possibilidade de que aquele apartamento parecia ser maior por dentro do que realmente mostrava ser por fora. O rastro misterioso de neve atravessava toda a extensão do salão e terminava em um guarda-roupa antigo de madeira, onde mais neve se acumulava em um monte que saía por uma de suas portas. O restante do ambiente era dominado por uma ausência de móveis, um teto com a pintura descascando em diversos pontos, pilastras de ferro corroídas completamente pela ferrugem e um chão coberto de poeira acumulada de muito tempo. "Olá", disse mais uma vez o Escritor, que não encontrava qualquer sinal de resposta, estranhando aquele apartamento ser tão imenso e, aparentemente, não encontrar seus moradores. Viu em um canto um velha vitrola tocando um disco de vinil, e percebeu que era dali que vinha o som daquela música nostálgica. Quando então decidiu caminhar na direção da origem da canção, revelou-se o inesperado para ele. Não havia gravidade dentro do apartamento. Ao invés de dar um passo, o Escritor Astronauta saiu flutuando suavemente pelo ambiente. A música ecoava pelo salão junto com os ruídos característicos de um disco com alguns arranhões e chiados, à medida em que ele voava, girando lentamente acima da trilha de neve, indo de forma estranha ao encontro daquele guarda-roupa. O tempo parecia seguir inerte ali dentro, com os segundos sendo devorados por uma eternidade calibrada. O Escritor viu a porta do guarda-roupa ser bruscamente aberta por uma rajada de vento vinda de seu interior, para no momento seguinte sair dali de dentro um leão, num salto majestoso, caminhando e sentando calmamente alguns metros à sua frente. O Escritor Astronauta, levemente assustado, sentiu uma descarga de adrenalina em seu corpo ao ver aquela fera observando silenciosamente sua viagem aérea. A música havia chegado ao fim, e só se ouvia o barulho do vento uivando naquele vasto ambiente, um vento que começou a ficar mais forte, poderoso o suficiente para lançar o intruso visitante de volta pelo salão imenso, jogando-o para fora do apartamento e arremessando-o contra a parede do corredor. A porta, que minutos atrás encontrou aberta, fechou-se bruscamente. Atordoado, levantou-se depois de alguns segundos e ficou imaginando o que foi tudo aquilo que aconteceu naquele momento. O rastro de neve no corredor havia desaparecido, e estranhamente começou a escutar a mesma música do início novamente. Movido por uma curiosidade corajosa, decidiu tocar a campainha, mas ela não estava funcionando. Relutou um pouco, e por fim deu três batidas firmes, aguardando pacientemente, até que alguém abriu a porta. "Bom dia", disse o Escritor, já percebendo que não se tratava do vizinho que morava ali e que ele conhecia há tempos, "Desculpe incomodar você assim tão cedo". "Não se preocupe, eu costumo acordar cedo", respondeu educadamente o jovem que aparentava ter pelo menos uns 27 anos. Cabelos lisos compridos e barba por fazer, ele estendeu a mão em gesto de cumprimento. O Escritor retribuiu amistoso e perguntou meio confuso, "Não me recordo de você. Você é novo aqui no prédio?". "Sim, nos mudamos ontem para cá, eu e meu irmão. Eu sou David, muito prazer. Aquele ali deitado no sofá lendo é o meu mano caçula, Elton", disse o rapaz, apontando para um garoto, aparentando uns 14 anos, completamente concentrado na leitura de um livro onde, na contracapa, o Escritor podia enxergar com nitidez a foto do autor, <b>C.S. Lewis</b>. Olhou sutilmente por sobre o ombro do novo vizinho e percebeu que o apartamento por dentro não era o mesmo que ele tinha visto e entrado minutos atrás, mas sim, um simples apartamento como todos os outros daquele prédio, inclusive quase idêntico ao seu próprio. "Muito prazer, eu sou seu vizinho do andar de baixo. Eu me chamo...", o Escritor estava prestes a se apresentar quando David o interrompeu com um ar meio surpreso, "Espera um pouco, eu acho que eu te conheço. Você não é aquele escritor conhecido que lançou uma série de livros contando a saga dos jovens vajantes do Tempo?". Aquela pergunta rapidamente chamou a atenção de Elton, que desviou seu olhar meio arregalado de espanto em direção à porta onde se encontrava o Escritor Astronauta. "Cara, que surpresa. Meu irmão tem todos os seus livros. Elton, olha quem é nosso vizinho", David mal terminou a frase, e Elton já estava bem ao seu lado, sorridente, com um brilho admirado no olhar. "É sério que você é vizinho da gente?", perguntou entusiasmado o adolescente. "Sim, eu moro no apartamento de baixo, mas...". "Acho que você já percebeu que tem um fã de suas histórias aqui", disse David, sem deixar que o seu vizinho visitante terminasse a frase, "Não é comum hoje em dia a gente ter um irmão que prefere ler livros do que ficar jogando videogames. Graças ao nosso pai que Elton gosta de ler desde criança". "Sim, de fato, concordo com você, infelizmente o hábito da leitura não é algo importante para os jovens de hoje", respondeu o Escritor, com os pensamentos um tanto confuso com aquela situação toda. Não se lembrava de ter visto nenhuma mudança no dia anterior ou em qualquer dia da semana, e o fato de o terem reconhecido como um provável escritor famoso o deixou cismado. Estava prestes a perguntar sobre aquele assunto com David, quando foi convidado a entrar. "Obrigado, David", disse, aceitando o convite, acompanhando os dois irmãos até a sala, onde viu novamente aquela mesma vitrola antiga tocando o mesmo disco de vinil, impregnando o ambiente com a canção nostálgica do Pink Floyd. Logo ao lado haviam pilhas de discos e livros. "Que interessante. Você tem uma relíquia que ainda funciona", comentou o Escritor, curioso. "Sim. Esse Toca-discos foi de meu pai. Eu gosto de ficar ouvindo alguns discos dele, sempre tenho boas lembranças", explicou David, de braços cruzados, com uma expressão perdida em memórias enquanto mirava o vinil girando no aparelho. "Como eu ia dizendo, eu moro no andar de baixo, mas eu não...", O Escritor não conseguiu terminar mais uma frase, sendo novamente interrompido, desta vez por Elton. "Espera só um instante, eu já volto", disse o garoto, correndo em seguida para o seu quarto e voltando momentos depois com 5 livros e uma caneta em suas mãos. "Eu imaginava que você não perderia essa oportunidade", disse David, ainda de braços cruzados, olhando com uma expressão sorridente para o irmão entusiasmado com aquele momento. "Você pode autografar os meus livros?", perguntou Elton, e sem esperar que o Escritor respondesse, continuou falando animado, estendendo um dos livros para ele, "Eu sou fã de suas histórias. Os personagens que você criou são incríveis, os dois irmãos e a amiga deles. Eu curti muito o primeiro volume, quando Henrique encontrou o livro misterioso que tinha o poder de matar as pessoas que tivessem o nome escrito neles". Ao ouvir aquelas palavras de Elton, o Escritor tomou um choque, congelando-se de pavor. Olhou para o livro em suas mãos, e viu na capa a imagem dos seus três personagens, Henrique, Roney e Hemilly, logo abaixo do título, com olhares desconfiados de quem procura pelo perigo ao seu redor. Ficou mudo, sentindo uma aceleração anormal no coração. Não conseguia fazer as palavras saírem de sua boca, e percebeu uma crescente falta de ar dentro de seu capacete. Elton permanecia diante dele, animado em explicar detalhes da história de cada um volumes. Porém, o Escritor já não escutava direito o que o garoto dizia. Sua visão começou a ficar turva, embaçada, e ele já não dicernia direito as imagens dos irmãos à sua frente. Suas vozes pareciam estar se misturando com a música que tocava insistentemente. Aturdido com toda aquela situação, sentiu uma tontura forte dominar seus sentidos, e tudo começou a girar lentamente ao seu redor até sumir em uma escuridão silenciosa. Caiu desmaiado e assim permaneceu por um minuto. Quando voltou a si, estava no chão, olhando para um teto branco e descascado em algumas partes. Ainda um pouco tonto, levantou-se, tentando recuperar os sentidos e recolocar seus pensamentos em ordem. Em sua viseira, um imagem translúcida mostrava algumas informações básicas de seus sinais vitais, alertando sobre sua pressão baixa e seus batimentos cardíacos. Passou a mão na viseira, afastando as imagens. Com algum dificuldade, levantou-se, respirando fundo. Calmamente olhou ao seu redor, examinando aquele apartamento vazio, empoeirado e inabitável. Era igual ao seu, com a diferença de que ninguém mais morava ali já há algum tempo. Permaneceu confortavelmente entorpecido pelo silêncio, enquanto olhava pela janela aquela manhã ainda fria e chuvosa.<br />
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<b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes</i></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-10107737132010329202012-08-16T01:19:00.003-03:002020-07-30T12:53:14.592-03:00O Escrinauta ~ Escuridão<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYbJS5YEjDr7DzECRvtEZ51ZGv4_lzf1SvpZBBXGvuZ095sEseCnekgGxgpjR_lLWWcaOj6_wWrqEOXt-dDagNr_h5DsdAtTaVSv5385Fp4e7VeuRJeQSYmeH_9r4isj5CN6fb/s1600/escritorastronautaescuridao.jpeg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYbJS5YEjDr7DzECRvtEZ51ZGv4_lzf1SvpZBBXGvuZ095sEseCnekgGxgpjR_lLWWcaOj6_wWrqEOXt-dDagNr_h5DsdAtTaVSv5385Fp4e7VeuRJeQSYmeH_9r4isj5CN6fb/s400/escritorastronautaescuridao.jpeg" width="297" /></a></div>
Voltando para casa, o Escritor Astronauta percebia algo diferente ao seu redor. Assim como sua percepção foi alterada por estranhar aquela floresta aparecer em um lugar onde tinha certeza ter visto momentos antes diversos prédios, agora caminhava pelas ruas e avenidas observando detalhes que jurava não fazer parte de seu mundo até algumas horas atrás. Um cartaz anunciando o show de uma banda cujo nome parecia diferente, uma placa de sinalização onde antes havia uma árvore, até mesmo uma pessoa conhecida, do outro lado da rua, vestida como policial militar prendendo um meliante em flagrante por tentar assaltar uma banca de revista que deveria estar na praça logo adiante, e não ali naquele ponto da avenida. "Espere um momento. Desde quando ele virou policial? Até onde me lembro, ele é advogado", pensou confuso o Escritor, enquanto observava parado aquela confusão acontencendo a poucos metros de onde estava. Seu amigo conhecido abria passagem entre a multidão curiosa, levando o infrator algemado até onde estava estacionada a viatura. "Que estranho. Será que ele agora é policial e eu não fiquei sabendo?", perguntou a si mesmo, enquanto retomava seu caminho de volta para casa. No céu, acima de sua cabeça, não havia mais qualquer sinal das borboletas que seguira mais cedo, mas apenas uma revoada rasante de andorinhas por entre prédios e árvores. Enquanto caminhava, ativou mentalmente páginas translúcidas de pesquisas na viseira de seu capacete com o intuito de certificar-se da profissão daquele conhecido amigo. Depois de alguns momentos, descobriu surpreso que seu amigo era, de fato, um policial militar. "Mas como? Eu tinha quase certeza de que ele era advogado. Seu escritório fica pelo Centro, não muito longe daqui". Um pouco confuso, sacudiu o capacete, afastando as imagens, e decidiu sair de sua rota para ir ao endereço onde funcionava o escritório de advocacia do amigo. Ao longo do caminho, seus passos ficaram gradativamente mais rápidos. Ao dobrar a esquina para a rua que seria seu destino final, esbarrou em alguém que vinha na direção contrária. Diferente das outras vezes, parou depois do esbarrão e olhou para o estranho, que também havia parado à sua frente. Sentiu um calafrio quando viu aquele estranho de terno e gravata, careca e com um olhar que parecia o encarar silenciosamente, examinando seus pensamentos, enquanto inclinava a cabeça lentamente de lado. "Observador", pensou aflito o Escritor, desviando o olhar rapidamente e retomando seu caminho sem dizer uma palavra sequer, mas ciente de que aquelas coincidências estavam se tornando insistentes e estranhas. Reorganizou seus pensamentos e à medida em que ia chegando ao seu destino traçado de última hora naquela tarde, procurou o prédio onde ficava o escritório do amigo advogado. Estava quase perto, mais alguns metros. Quando o endereço já se encontrava praticamente ao alcance de sua visão, sentiu então o choque do momento sendo despejado em suas veias através de overdoses de adrenalina pura. Chegou ao local exato e descobriu que não havia qualquer prédio ali, mas apenas um imenso terreno baldio. Ficou parado, atônito, congelado pela situação anormal que o deixou com os pensamentos desorientados. Era estranho tudo aquilo e não fazia a menor ideia se aquilo era uma brincadeira maluca de sua mente, ou um grande equívoco que estava cometendo. "Posso ter me equivocado e acabei seguindo uma ideia meio louca. De repente, eu nem conhecia aquele policial, devo ter confundido ele com alguém que conheço, pela enorme semelhança. E este endereço, posso até estar em uma rua errada, ou então simplesmente demoliram o prédio que havia aqui antes. Está explicada essa minha confusão", disse o Escritor, procurando nitidamente dissipar todas as dúvidas com relação ao momento desorientado pelo qual parecia passar.<br />
Retomou o caminho de volta para casa, enquanto percebeu em sua viseira pequenas imagens translúcidas surgindo, alertando sobre as condições climáticas tempestuosas que estavam para surgir naquele final de tarde. Informações como temperatura, pressão pluviométrica, umidade relativa do ar e velocidade do vento piscavam insistentes no lado esquerdo de sua viseira. O Escritor leu todos aqueles dados, olhou para o céu e então enxergou a tempestade aproximar-se lenta e perigosamente no horizonte. Decidiu apressar o passo assim que sentiu rajadas fortes de vento mais fortes que o normal atravessando as ruas. Conseguiu chegar na porta do seu prédio antes que qualquer chuva começasse a desabar, e ao entrar pela porta, um novo esbarrão, dessa vez com o carteiro que saía preocupado com aquele temporal iminente. "Carteiro. Isso me faz lembrar que preciso checar meus emails hoje para saber se tenho alguma resposta da Editora a respeito dos originais que enviei", pensou, enquanto subia as escadas. Fechou a escotilha de seu apartamento, tirou seu capacete, respirou fundo por ter chegado são e salvo em seu lar e foi até a cozinha, enquanto escutava trovões ao longe anunciando a tempestade. Fez um pouco de café, encheu uma xícara, andou pela sua sala afastando as dezenas de imagens translúcidas que sempre flutuavam pelo seu apartamento, sentou-se diante de seu computador e abriu seu email. Como havia previsto, a Editora havia respondido. Leu cada linha com atenção e constatou, profundamente decepcionado, que o editor-chefe informava que o original enviado não foi aprovado pelo Conselho Editorial, apesar dele particularmente ter gostado da história, que considerava de uma genialidade ímpar, segundo suas palavras ditas no email. Visivelmente desanimado e abalado com a resposta, o Escritor Astronauta sentiu uma alteração na força gravitacional exercida pela Terra naquele momento, como se influências negativas o estivessem pressionando contra o chão. A tarde estava se esvaindo mais rapidamente do que o habitual lá fora, e o céu havia escurecido antes do tempo por causa da tempestade que se aproximava anunciada por trovões distantes. Leu mais uma vez o email e parou exatamente no trecho em que o editor-chefe falava da tal "genialidade ímpar" de seus textos. Uma raiva contida começou a tomar forma em sua mente, e um torpor dominou seus sentidos por alguns instantes breves. Passou a mão na testa, massageando seus questionamentos mais interiores. "Se meu original é de uma genialidade ímpar, por que então diabos eles não aprovaram? Que porra de editor-chefe é esse, que elogia o que eu escrevo, e deixa um conselho editorial vetar meu trabalho?". Visivelmente chateado, pegou sua xícara de café e foi sentar-se no sofá da sala. A raiva aumentava a cada vez que lembrava do email. Sentiu um incômodo corroendo seu íntimo, um nervosismo contido começou a tomar conta de seus movimentos. Não tinha qualquer ânimo para escrever nada naquele momento. Olhou as imagens translúcidas com suas luminosidades sutis flutuando acima de sua cabeça, calibrando a penumbra que dominava o ambiente de seu apartamento naquele momento, invadida ocasionalmente pelos clarões da tempestade. A raiva que estava sentindo se misturava a outras sensações amargas, como decepção e tristeza. "Será que vai chover quando você morrer?", disse uma voz em um tom irônico controlando uma possível risada no final da frase, fazendo o Escritor ficar imóvel, enquanto mexia lentamente a cabeça procurando a origem da voz estranha. "Então me diga. Sua raiva é pela resposta negativa, ou por começar a considerar inútil tudo o que você tem feito até o momento em sua vida?", perguntou aquela voz, novamente segurando uma risada quase frouxa ao final da pergunta. "Vamos lá, cheque o seu cérebro. Descubra a raiz de seu problema, a causa de sua raiva contida. Cheque seu cérebro. Com certeza você vai descobrir o inútil ser humano que você é". Dessa vez uma gargalhada liberada em uma loucura esquizofrênica ecoou pela sala dominada pela escuridão da noite que se aproximava. Permaneceu sentado no sofá, e junto com a sua raiva, seu desânimo, sua decepção, agregou-se um pavor congelante pela estranha presença que estava sentindo em seu apartamento. A escuridão avançava por todos os lados. Encarou um canto da sala onde já dominava o breu supremo, e finalmente viu uma aparição sinistra caminhar lentamente com passos macabros e surgir em sua frente. Nos segundos seguintes, teve a nítida impressão de estar ouvindo Alice in Chains e seus acordes distorcidos de guitarra de "Check My Brain". A aparição sinistra parou diante do Escritor Astronauta. Era uma cópia fiel dele mesmo, e a única diferença entre eles era o traje totalmente preto que usava. A viseira do capacete estava aberta, porém o Escritor atônito não enxergava nenhum rosto ali. Aquele seu clone das trevas ficou parado alguns segundos criando um barulho de respiração abafada, fazendo o Escritor se sentir o próprio <i>Luke Skywalker</i> encarando seu pior pesadelo. Um medo perturbador dominou seus nervos assim que a voz estranha se fez ouvir de novo. "E então? Curtiu minha imitação de <b>Darth Vader</b>?", disse seu clone das trevas, dessa vez soltando outra risada sinistra, aproximando-se e encarando o Escritor. Um rosto apareceu dentro da escuridão do capacete, e o Escritor poderia jurar estar vendo a face do emblemático <b>Coringa</b> interpretado pelo falecido Heath Ledger. Seu coração pulsou acelerado pelo pavor daquele rosto sorrindo diante dele. Não fazia a menor ideia do que fazer e nem do que dizer. "O que foi? Faltaram palavras agora para expressar seu medo? Para um escritor, quando faltam as palavras, deve ser algo semelhante à morte, hein?". E novamente seu clone sinistro soltou uma nova risada impregnada de uma esquizofrenia negra. "Mas e aí? Já checou seu cérebro atrás das respostas? Vamos lá, você tem capacidade, eu sei que tem... Olhe para você, um escritor 'famoso', autor de tantas 'obras geniais'. Será que não consegue me responder algumas perguntas tão simples?", o clone sinistro, com aquele rosto conhecido saído diretamente do filme de Batman, sentou-se na mesinha de centro diante do Escritor, e o encarou por arrastados microssegundos e continuou com seu discurso desafiador. "Como é ser um fracassado? Fico me perguntando a todo momento como é que você se suporta, como você aguenta viver sabendo que tudo o que faz nunca leva você a lugar algum. Todos os seus esforços sempre em vão, seus projetos sempre ficando pelo meio do caminho. E você, coitado, sempre fingindo que está tudo bem. Porra, cara! Me diz aí, estou curioso pra caralho!". <br />
O Escritor sentiu uma angústia invandindo seu íntimo, enquanto escutava aquele clone maldito calmamente questionar todos os seus atos para em seguida rir descaradamente em sua cara. Fechou os olhos, criou coragem e questionou o motivo de toda aquela intimidação que estava sofrendo, "Por que você está aqui? O que você quer de mim? Você quer me derrubar, não é? Você quer que eu entregue o jogo?". O clone das trevas do Escritor levantou-se exaltado, rindo, "Olha só, finalmente criou coragem pra dizer alguma coisa. E aí? Vai admitir que é um fracassado completo? Vamos lá, reconheça, me faça feliz, me encha de orgulho, porra!". Aquela frase parecia uma verdadeira ofensa para o Escritor, que reuniu força interior suficiente para abrir os olhos e confrontar aquele seu pesadelo sinistro e tudo o que ele insistia em dizer na sua frente. "Você quer que eu desista de tudo aquilo que eu acredito, seu desgraçado. Você não é mais forte do que minha vontade", disse o Escritor de maneira contida, cerrando o dentes, demonstrando raiva por ter deixado aquela situação toda se materializar naquele momento difícil para ele. O clone das trevas parou por um momento, como que pensando nas palavras ditas pelo Escritor. Em seguida, se aproximou de maneira ameaçadora, mantendo uma distância de centímetros entre seus olhares, "Meu caro. Não estou nem um pouco preocupado em medir forças com você. Isso, para mim, é desnecessário. Você tem que entender uma coisa: eu sou parte de você, e você é parte de mim. Você me alimenta com suas paranóias e dúvidas. A sua falta de fé em você mesmo é o que torna minha existência possível. Logo, enquanto você sempre duvidar de você mesmo, eu estarei aqui, presente, assistindo sua morte lenta". O Escritor começou a ficar atordoado com aquelas palavras, apoiando a cabeça nas mãos, querendo colocar seus pensamentos em ordem e buscando se livrar de todas aquelas sensações negativas. "Você não pode dizer o que devo pensar, e nem como devo me sentir!". O Astronauta negro com seu rosto sorridente de Coringa não desistia de atormentar o Escritor e continuava a falar. "Mas não sou eu quem digo como você se sente. É você mesmo. E nem pense que vai se ver livre de mim. Não é porque você pode estar alegre que eu não existirei mais. Eu estarei sempre com você, esperando na escuridão sua raiva, seu desânimo, sua decepção e sua tristeza se manifestarem de novo para eu aparecer e te mostrar que eu ainda estou aqui e que posso orientar suas atitudes nesses momentos tão deliciosos para mim. Cheque sempre seu cérebro, porque eu sou sua desilusão, sua dor, sua fraqueza, seu medo, sua loucura, seu passageiro mais sombrio". O Escritor Astronauta sentiu uma mão pesada o empurrar contra o sofá, deitando seu corpo à força. Não conseguia se mexer, e sua respiração ofegante deu lugar a uma falta de ar angustiante. Aquele clone das trevas o segurava, e o rosto maquiavélico do Coringa antes presente no capacete havia desaparecido completamente, deixando somente aquela respiração abafada e sufocante como um Darth Vader nervoso prestes a sugar sua alma. Lá fora, a tempestade começava com uma intensidade impressionante. O Escritor fechou os olhos, concentrou seus pensamentos, fazendo-os retroceder no tempo. Aquele dia passou ao contrário em sua mente. Lembrou-se de estar mais cedo conversando animadamente com sua amiga Carol, ouviu sua risada animadora, fixou seu pensamento neste momento compartilhado com a Feiticeira Lunar e, inesperadamente, a aparição sinistra desapareceu rapidamente através de um grito esfumaçado de pavor. Levantou-se, ainda com o coração acelerado, e percebeu uma mansa claridade entrando pelas janelas de seu apartamento. Estava amanhecendo, e uma chuva fina anunciava um dia frio e nublado. Olhou para seu computador. A página com o email enviado pelo editor-chefe ainda permanecia aberta, exatamente como ele havia deixado horas atrás.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-43342968714995085612012-08-13T12:43:00.002-03:002020-07-30T12:53:07.103-03:00O Escrinauta ~ Cupcakes<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMlHpO3zl5fX3fYbo5gUAoLceALjqQYPwun-stiROR2amrRuL8ByuNZTykdGNDsCHrG0WDvj4zIXjDmMPEE_qu1JckniXcdzcNG6Y5caF5TR9BgxrOlfhZdppHE3m0dNus-wYt/s1600/astronaut.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="258" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMlHpO3zl5fX3fYbo5gUAoLceALjqQYPwun-stiROR2amrRuL8ByuNZTykdGNDsCHrG0WDvj4zIXjDmMPEE_qu1JckniXcdzcNG6Y5caF5TR9BgxrOlfhZdppHE3m0dNus-wYt/s400/astronaut.jpg" width="400" /></a></div>
Ao abrir a escotilha de seu apartamento, o Escritor Astronauta observou, surpreso e silencioso, uma revoada mansa de borboletas invadir o ambiente ao seu redor. Dezenas delas, de variadas cores, variados tamanhos, em voos majestosamente caóticos pelo ar. Sentiu uma fragrância envolvente que o cativou e fez lembrar de uma amiga sua, que em qualquer lugar que chegava deixava exalar aquele perfume encantador. Provavelmente um aroma de jasmim, flores do campo, não tinha certeza de qual fragrância era. Tentava decifrar aquele cheiro envolvente através de uma rápida pesquisa virtual, mas foi em vão, pois as borboletas voavam pelo ambiente, atravessando as imagens translúcidas suspensas pelo apartamento, causando sutis interferências caóticas nas transmissões. Não entendia ainda o motivo, mas agora não eram mais imagens e trechos escritos de sua história, além de outras pesquisas recorrentes ao que escrevia, que apareciam nas telas flutuantes, mas sim, noticiários e programas japoneses. "O que essas borboletas estão fazendo com minhas imagens?", pensou confuso o Escritor, quando escutou uma voz conhecida dissipar rapidamente seus pensamentos. Era uma voz familiar e parecia estar vindo de sua sala de estar. "Mas como? Se ninguém passou por mim...". Sua frase foi interrompida pela voz alegre que chamava pelo seu nome sem parar. Voltou para a sala e encontrou as borboletas rodopiando festivas ao redor de sua amiga Caroline, uma Feiticeira Lunar com um sorriso que deixava um frescor de hortelã exalar pelo apartamento. Sentada ao seu lado, uma loba linda e majestosa, de incríveis olhos azuis e um pêlo acinzentado com leves rajadas de tons negros ao redor do pescoço, lançava um olhar atento em sua direção. "Oi, amigo. Estava com saudades de você.", disse Carol, enquanto abraçava o Escritor, tão surpreso quanto contente por aquela visita tão inesperada. "Trouxe para você cupcakes de banana, pois eu sei que você adora", Carol apontou para o pequeno pote transparente com uma tampa lilás em cima da mesa na cozinha. "Que maravilha, Carol. Eu adoro esses seus doces, nem me lembro quando foi a última vez que comi essas delícias", disse o Escritor. Enquanto conversava com sua amiga Feiticeira Lunar, sentiu algo macio nascendo embaixo de suas botas. Um pequeno gramado japonês verdejante tomou conta do chão de sua sala de estar e trepadeiras floridas nasciam no topo de sua imensa estante de livro que ficava em um canto do ambiente. "Amigo, que bom poder te ver novamente. Fiquei sabendo através de Sérgio que você está escrevendo um novo livro, então fiquei curiosa para saber mais", disse Carol, enquanto se ajeitava, com seu vestido simples num forte tom de vinho que em alguns momentos ondulava em variações de matizes magníficas, em uma aconchegante cadeira de jardim que ficava ao lado da janela com uma vista magnífica da cidade. A loba a acompanhou e sentou-se ao seu lado, com seus brilhantes olhos azuis atentos a tudo. "Sim, é verdade. Estou escrevendo um novo livro. É uma história que eu já estava desenvolvendo há um bom tempo. Acho que já tinha comentado com você antes, mas na época era apenas uma ideia guardada em minha cabeça", explicou o Escritor, enquanto trazia duas xícaras de café e os cupcakes de banana no pote transparente, colocando-os na mesa redonda de jardim. "Então, estou curiosa, me conte", falou Carol, num tom de voz animado, demonstrando a imensa curiosidade que ela tinha em saber tudo sobre a história que seu amigo estava escrevendo. "Espere um momento", disse o Escritor, levantando o dedo indicador com um gesto amistoso, enquanto com a outra mão escolhia um dos cupcakes, "Antes de mais nada, deixe-me provar logo esse seu doce maravilhoso". Deu uma mordida generosa e sentiu os pensamentos flutuarem através de sabores muito familiares ao seu paladar, ao mesmo tempo em que observava pequenos arranjos de diferentes flores nascendo por diversas partes de seu apartamento, por entre algumas pilhas de livros espalhadas pelo chão, por toda a extensão das janelas da sala, passando por sobre a mesa onde estava seu computador, chegando até a mesa onde estavam. As imagens translúcidas flutuavam ainda, insistindo com as transmissões nipônicas, provavelmente uma interferência maluca provocada pelas borboletas que voavam sem parar.<br />
"Vamos, me conte, não me deixe assim nessa ansiedade", insistiu a Feiticeira Lunar, com uma curiosidade viva estampada no brilho fascinante de seu olhar. "Minha história, Carol, é sobre três jovens que se envolvem com poderes obscuros depois que encontram um livro que tem o poder macabro de matar qualquer pessoa que tenha seu nome escrito nele. Existem muitos elementos emaranhando mistério, terror e sobrenatural durante toda a trama. E os três são perseguidos durante a maior parte da história", explicava o Escritor para sua amiga que aproveitou o momento em que ele tomava um bom gole de café para lançar algumas perguntas sobre o desenvolvimento da narrativa. "E nessa história, a magia está presente? Existe algum personagem mágico, bruxo, feiticeiro?", indagou Carol, tentando obter mais informações sobre a narrativa que o amigo desenvolvia. "Sim, na verdade existe uma personagem mística, mas ainda não sei ao certo até que ponto ela poderá desenvolver o potencial de magia dela. Por enquanto, essa jovem, Hemilly, apenas tem um pingente em forma de ampulheta que ela comprou por sugestão de uma amiga bruxa", o Escritor deu mais uma mordida no cupcake de banana, enquanto uma imagem translúcida com o rosto de Hemilly surgiu ao seu lado, juntamente com um perfil básico de sua personalidade. "E o que esse pingente faz? Qual é o poder que ele encerra?", perguntou a Feiticeira Lunar, ansiosa pela explicação. "Bom, esse pingente em forma de ampulheta se chama Destemporizador e dá ao seu dono a capacidade de retroceder no tempo em espaços relativamente curtos. Você não pode avançar no tempo, mas apenas voltar por algumas horas, ou alguns dias, provavelmente semanas, e permanecer no passado apenas por um breve período de tempo, mais precisamente o tempo em que a areia se esvai na ampulheta em forma de pingente. Ainda não sei como ele funciona completamente, apenas quando a história estiver se desenvolvendo eu saberei realmente mais a respeito do pingente". O Escritor fez nova pausa, pegando outro cupcake. Nesse momento, um corvo atravessou uma das janelas abertas da sala, fazendo um voo rasante e pousando meio desajeitado em cima do monitor de seu computador. Carol apoiou seus cotovelos sobre a mesa de jardim e deixou seu queixo descansar sobre os dedos entrelaçados de suas mãos. "Estou empolgada. Conte-me mais. Essa jovem bruxa tem algum tipo de poder? Ou ela ainda não desenvolveu nenhum tipo de força oculta?", questionou a Feiticeira Lunar, cada vez mais instigada com a história do Escritor Astronauta, que prosseguiu com suas explicações. "Na verdade, Carol, a jovem bruxa tem poderes que ainda não se manifestaram por ausência de um momento propício que faça essa força aflorar nela. Falta ainda acontecer uma situação de perigo real e imediato que faça com que esses poderes sejam a saída inesperada para ela se salvar ou salvar pessoas importantes em sua vida". A Feiticeira amiga continuava atenta às explicações e aproveitou a oportunidade para lançar sugestões para o amigo. "Estou adorando essa sua história. E Magia transporta a história para um outro nível, o nível da fantasia. Faz nossa imaginação funcionar freneticamente. Eu poderia sugerir uma ideia para o meu amigo poder incluir em seu trabalho narrativo?". "Lógico, Carol, ideias e sugestões sempre são bem vindas. Eu tenho certeza que sua sugestão será uma surpresa para mim", disse o Escritor, e percebeu que suas palavras deixaram Carol radiante, com um sorriso claro em seu rosto. "Amigo, assim você me deixa mal acostumada. Se deixar, eu transformo minha sugestão em uma lista imensa, hein?", disse a amiga Feiticeira, soltando uma risada festiva que contagiou o Escritor, acompanhando sua risada enquanto se deliciava com o cupcake de banana. Carol prosseguiu, "Brincadeirinha. Sua história é apaixonante, e acredito que você terá tanto a contar que pode render 3 ou 4 volumes, pelo menos. Sua personagem que tem o pingente, Hemilly, você disse que ela tem poderes que ainda não se manifestaram. E como você disse que ela é uma jovem bruxa, então que tal se ela fosse uma bruxa que dominasse os poderes da Natureza? Ela descobriria aos poucos que domina os elementos primordiais do planeta, como o ar, a água, a terra ou o fogo. Ela seria uma personagem encantadora. O que você me diz?". O Escritor Astronauta ficou segurando o cupcake em sua mão, enquanto mantinha um olhar pensativo em direção à amiga. Não demorou, e a imagem translúcida ao seu lado saiu do ar momentaneamente por microssegundos, questão de um breve piscar de olhos, e voltou, dessa vez com imagens de sua personagem Hemilly utilizando de sua força mística para mover os elementos da Natureza, assimilando completamente a sugestão dita por sua amiga Feiticeira Lunar. Olhou fixamente para a imagem flutuando e assistiu, maravilhado por longos segundos, como sua personagem desenvolvia movimentos magníficos para lançar seus poderes oriundos da terra, do fogo, da água e do ar. Começou a perceber o quanto havia adorado aquela incrível ideia, que parecia já estar incorporado completamente em sua personagem, como se, na realidade, fossem de fato esses os poderes que ela tinha desde sempre. O Escritor afastou lentamente a imagem translúcida de seu rosto, e voltou sua atenção para onde sua amiga Carol estava sentada, pronto para demonstrar toda sua euforia pela incrível ideia oferecida quando percebeu, espantado, que ela simplesmente não estava mais ali. Pela janela aberta, as borboletas começaram a sair numa revoada silenciosa e mansa. Ao seu redor, não havia mais qualquer sinal de grama japonesa pelo chão de seu apartamento, e nem trepadeiras ou flores espalhadas pelas paredes da sala. Assim que as borboletas foram deixando seu apartamento, as imagens translúcidas que pairavam por todos os cantos deixaram de mostrar transmissões de programas e noticiários japoneses, voltando a sintonizar trechos visuais e escritos de sua história. Olhou para o cupcake de banana em sua mão, deu a última mordida, e então descobriu algo escondido no fundo do pote transparente trazido pela sua amiga. Não tinha reparado um pequeno bilhete amarelo embaixo dos dois últimos cupcakes que haviam sobrado. "<i>Não importa a história, o poder da Natureza é insuperável. Beijos de sua amiga, Carol</i>", dizia a mensagem no bilhete. O Escritor Astronauta leu aquele breve recado, enquanto via as borboletas voando pela avenida, e então resolveu segui-las pela tarde. Colocou seu capacete, fechou mais uma vez a escotilha, desceu as escadas e encontrou a rua. Ainda podia ver as borboletas voando despreocupadas pelo céu da cidade. Continuou seguindo elas por um bom tempo, pelas ruas e avenidas, até que chegou em um viaduto e parou, pensativo. Ficou ali, vendo as borboletas voando juntas, rodopiando até sumirem no horizonte. Olhou à sua direita e viu espantado uma pequena floresta descendo por um barranco até a avenida lá embaixo. "Estranho. Eu podia jurar que só tinham prédios ali", disse o Escritor com uma leve expressão de surpresa em seu rosto, enquanto tinha novamente aquela sensação de ter atravessado alguma fronteira para um universo paralelo.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span><br />
<span style="font-size: x-small;"><b>Fotografia</b>: <i>Neil Dacosta </i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-25827232877183078892012-08-09T13:49:00.001-03:002020-07-30T12:52:58.816-03:00O Escrinauta ~ Descontrole<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXM9bHM14jNcOVPv15BnIgx3b0tRz5Wu3Md650HqNLpXXAQxsbIW4XVrEhHG87czKzBIfWrM68lVulOh0zd-gkRxeIl-X1cc8CnxQDXKO9rrULrZvpkk0hC1ApNC_IyrcDDZE0/s1600/escritorastronautadescontrole.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXM9bHM14jNcOVPv15BnIgx3b0tRz5Wu3Md650HqNLpXXAQxsbIW4XVrEhHG87czKzBIfWrM68lVulOh0zd-gkRxeIl-X1cc8CnxQDXKO9rrULrZvpkk0hC1ApNC_IyrcDDZE0/s400/escritorastronautadescontrole.jpg" width="400" /></a></div>
Cada soco que recebia era violento e potente o suficiente para marcar seu rosto com feridas e hematomas, e fazer sua boca cuspir sangue a todo golpe desferido pelo seu personagem enfurecido, que momentos antes havia partido para cima de seu criador numa fúria indomável, arrancado o capacete que poderia ser sua melhor proteção contra a brutalidade que avançava a cada murro desferido. Caído no chão ressequido daquela imensidão desértica, completamente enfraquecido pelas repetidas investidas vorazes dos punhos de Flávio, o Escritor sentia toda aquela dor lancinante, pontadas agudas que iam progressivamente deixando sua face dormente por todos os lados. "Seu filho da puta, faça aqueles dois moleques me devolverem o que me pertence agora!", dizia o personagem descontrolado, entre um soco e outro, enquanto encarava os olhos de sua vítima a poucos centrímetros de seus, escondidos atrás dos óculos escuros. A postura determinada de Flávio demonstrava que ele não descansaria enquanto não conseguisse seu Livro da Morte de volta, e cada novo golpe desferido por ele parecia ser mais perigoso e fatal para o Escritor, já completamente atordoado pela surra. Precisava agir e reverter aquela situação, e a única saída imaginada pelo Escritor era fazer uso do seu poder maior e projetar de volta para dentro da história aquele seu personagem rebelde e perigoso, fazendo ele sumir diante de si. Apesar de sentir dores sinistras percorrendo cada músculo de seu rosto, respirou fundo, fechou os olhos e se concentrou na história que estava escrevendo. Estava muito difícil, mas precisava se concentrar. Aos poucos, escutou a voz de Flávio diminuindo, sendo lentamente abafada pelo silêncio que tentava construir em sua mente, até que finalmente tudo era silêncio e escuridão. Abriu os olhos e percebeu, com uma expressão confusa se desenhando em seu rosto, que seu capacete estava intacto e ainda encaixado em seu traje. Podia ouvir sua respiração ecoando sufocada, embaçando completamente a viseira. Apoio-se no braços e permaneceu sentado ainda por um tempo. Olhou ao redor e percebeu que ainda estava naquele deserto vasto, mas agora sem a presença ameaçadora de Flávio, seu personagem descontrolado. Apoiou o capacete nas duas mãos, descobriu que não sentia mais qualquer dor aguda ou dormências em seu rosto, nem qualquer vestígio de sangue que minutos antes cuspia sem parar pela sua boca.<br />
Calmamente levantou-se, dando um giro de 360º observando aquela imensidão desolada. Não havia absolutamente nada ali, em um raio de 30 quilômetros. Não conseguia entender por que Flávio o havia transportado para aquela paisagem erma. Perdido em pequenas dúvidas, virou-se mais uma vez e assustou-se com o que viu bem à sua frente. "Como não enxerguei você antes? Ou será que você não estava aqui até agora há pouco?", perguntou-se o Escritor, enquanto encarava lentamente aquele carro vermelho sujo e empoeirado estacionado ali diante dele, um modelo que parecia ter vindo diretamente de alguma Concessionária de veículos dos anos 90, com um chassi levemente quadrado. "Parece um Passat antigo", pensou. Focou o olhar na viseira de seu Capacete, tentando descobrir se ele estava funcionando normalmente. Quando uma imagem translúcida com a página de busca do <b>Google</b> apareceu deslizando pela esquerda, respirou aliviado e começou uma rápida pesquisa. Descobriu que aquele carro, na verdade, era um modelo americano de um <i>Plymouth Sundance ano 1993</i>. Mas não fazia a menor ideia do motivo para aquele carro aparecer ali. Preso ao limpador do parabrisa havia um papel dobrado, parecia ser um mapa daquela região. O Escritor Astronauta caminhou em direção ao carro e pegou o mapa, e depois de uma rápida examinada, descobriu no verso várias anotações escritas à mão. "São trechos de minha história!", disse, espantado, sem saber de quem poderia ser aquela caligrafia quase rebuscada. Sentiu um jorro adrenalizado percorrer seu corpo e fazer seu coração pulsar mais acelerado. "Preciso voltar para minha história! Preciso sair daqui!", pensou, angustiado ao perceber a situação no qual se encontrava. E novamente respirou fundo, procurou se acalmar, fechando seus olhos e buscando um foco concentrado na trama que estava escrevendo há semanas. Procurou, durante alguns momentos, encontrar as imagens de sua história, mas estava sendo muito difícil, era como se tivesse sofrido um desmaio súbito e tentasse acordar a todo custo. E repentinamente aconteceu, questão de microssegundos, uma imagem veio ao seu encontro tão rapidamente quanto seu pensamento poderia atraí-la. Finalmente estava de volta à história, quase exatamente do ponto onde havia parado, apenas alguns momentos antes, como um retrocesso literário-temporal de quem estava relendo o útimo trecho escrito em busca de algum erro ortográfico, alguma falha de pontuação. Encontrou toda a situação vivida pelos seus personagens surgiu nítida em HDTV diante de seus olhos. Sentiu um formigamento em seus dedos, e escutou o leve barulho de teclas sendo digitadas. Finalmente estava em processo de criação, escrevendo sentado diante do monitor de seu computador. Enquanto escrevia, escutou um som ambiente invadindo subitamente sua mente, como uma melodia de rock progressivo dos anos 70 ecoando um trecho épico servindo de trilha sonora de sua história. "De novo acontecendo isso", pensou, enquanto escutava outra música, sem qualquer aviso, inundar sua mente, assim como ocorrera há alguns dias quando escutou <b>Arctic Monkeys</b> invandindo seus tímpanos enquanto andava pela rua. Dessa vez viu uma imagem de áudio translúcida flutuar à sua esquerda, surgindo como se quisesse pelo menos informar ao Escritor ouvinte qual era a música que estava ouvindo. Na verdade, pela informação de tempo de duração da música, constatou que estava escutando um álbum inteiro, "Space Ritual", de uma banda britânica chamada <b>Hawkwind</b>.<br />
"<i>Hemilly interrompeu meio indignada a explicação de Henrique, 'Peraí, você está me dizendo que pegou esse livro porque você curtiu o título que estava na capa, é isso que você está tentando me dizer?'. 'Mais ou menos. Agora como eu iria adivinhar que era um livro amaldiçoado? Ou satânico mesmo?', tentou se explicar Henrique. 'Eu ainda quero entender por que essas pessoas estão atrás de vocês, e por que eles querem tanto esse livro', ponderou Hemilly. 'Eu não faço ideia. A única certeza que tenho é de que eles estão tentando pegar a gente há uns 3 dias e só hoje conseguimos despistar eles e chegar até você', explicou Henrique. Hemilly esboçou uma expressão pensativa e repentinamente voltou-se para Henrique, parando diante dele a poucos passos, 'Espere um instante! se eles estão atrás do livro, por que você simplesmente não entrega para eles?', questionou ela. Henrique dessa vez não demorou em responder, explicando que sabia do poder que estava em suas mãos e que tinha receio de que pudesse estar entregando todo aquele poder para as pessoas erradas. Além disso, ele pensou que aquele livro tivesse um verdadeiro dono, que neste momento poderia estar procurando desesperado o bem precioso que havia perdido. 'Então você acha que neste momento deve ter algum Sr. Smeagol andando angustiado pelas ruas tentando achar o precioso dele?', indagou ironicamente Hemilly, apesar de haver um tom meio questionador em sua pergunta. 'Esse Livro é muito perigoso, ele detêm um poder incrível que eu mesmo experimentei hoje. É assustador e entorpecente, como se quisesse dominar sua mente e ordenasse que você promovesse matanças e genocídios'. Henrique pela primeira vez, diante da amiga e de seu irmão, demonstrou certa ansiedade nervosa com relação a tudo o que estava acontecendo com eles. Parecia começar a entender como se iniciava o funcionamento macabro do poder daquele livro em suas mãos. Roney, ainda mantendo sua posição vigilante observando o movimento da rua pela janela da sala, percebeu a mudança estranha de comportamento do irmão mais velho e revelou sua preocupação para a amiga. 'Você precisa ajudar a gente, Hemilly. Você é a única capaz de fazer isso agora', disse Roney. Ela esboçou em seu rosto uma leve expressão interrogativa, já que não fazia a menor ideia de como poderia ajudar seus amigos a resolver aquela situação maluca. Então Roney continuou falando sem demora, 'Você pode usar aquele pingente em forma de uma pequena ampulheta para a gente tentar descobrir quem perdeu esse livro'. Hemilly espantou-se com as palavras de Roney, o que fez seu coração acelerar. Como Roney sabia de seu pingente? Ela não havia contado para ninguém desde que o adquiriu recentemente quando comprou pelo Mercado Livre por recomendação de uma amiga bruxa. Hemilly ficou meio confusa, e estava prestes a questionar como os dois irmãos sabiam de sua pequena jóia quando algo chamou a atenção de Roney pela janela. 'Gente, tem algo estranho acontecendo na rua!', disse com uma voz tensa, fazendo com que Henrique e Hemilly rapidamente corressem para observar através de frestas da cortina o que estava ocorrendo fora da casa. Os três ficaram observando silenciosos as luzes dos postes se apagarem uma por uma, enquanto pequenas descargas elétricas faziam explodir as luminárias com as lâmpadas, deixando toda a extensão da rua tomada por uma escuridão tenebrosa. Logo em seguida, as luzes das casas da vizinhança se apagaram, e não demorou muito para a escuridão tomar conta da casa de Hemilly também. Paralisados por um pavor momentâneo e instantâneo, Hemilly, Henrique e Roney enxergaram na rua um vulto se aproximando calmamente em direção à frente da casa</i>."<br />
O Escritor interrompeu seu processo criativo, estranhando aquele último trecho escrito por ele. Não havia imaginado aquilo acontecendo, nem fazia ideia se sua mente já tinha sugerido escrever algo semelhante na história. Tinha a impressão de que, naquele ponto, a história começava a acontecer por si mesma, sem que houvesse algum desenvolvimento de criação de sua parte ou qualquer influência sua como autor. Olhou para a imagem translúcida congelada acima de seu monitor, tentando identificar que vulto era aquele que se aproximava da casa de Hemilly. Encarou fixamente por alguns segundos largados, buscando um close do rosto encoberta pela escuridão da rua. A campainha tocou, assustando o Escritor, tirando-o de sua concentração momentânea. "Cara, como odeio essa sirene! Parece um alerta de tsunami. Preciso trocar essa campainha", resmungou, enquanto lembrava que sempre prometia a si mesmo tarefas simples que quase sempre esquecia de fazer. Levantou-se e foi em direção à escotilha. Havia uma visita na porta de seu apartamento.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span><br />
<span style="font-size: x-small;"><b>Fotografia</b>: <i>Hunter Freeman </i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-83490533402234913302012-08-05T16:44:00.003-03:002020-07-30T12:52:50.372-03:00O Escrinauta ~ Rebeldia<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtjjUpTTJ7VBNhhuinrIkTrfxiM2XvYfRtK6BMpjPkwyvvSZ0wubTMCGIfnapnF1b_7YbxsTsZkJHm1yiqtZ0APfQ_eCMTz23xzpuvhR2xvJ_Jz9xqSKNhJV5_-C2rN1lib_1e/s1600/escritorastrorebeldia.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="252" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtjjUpTTJ7VBNhhuinrIkTrfxiM2XvYfRtK6BMpjPkwyvvSZ0wubTMCGIfnapnF1b_7YbxsTsZkJHm1yiqtZ0APfQ_eCMTz23xzpuvhR2xvJ_Jz9xqSKNhJV5_-C2rN1lib_1e/s400/escritorastrorebeldia.jpg" width="400" /></a></div>
Foi um dia surpreendentemente atípico na vida do Escritor Astronauta. Trazia nas mãos os versos de seu amigo Sérgio e ainda persistia uma leve e quase imperceptível tontura doce, que estava provocando passos flutuantes e uma leve sensação de doce de banana em sua boca. Voltou para casa sorrindo e lembrando das palavras do Poeta Espacial, um verdadeiro presente inspirador que se impregnou em seus pensamentos como uma nova centelha criativa, crescendo aos poucos e tomando conta de todo o seu ser. Suas ideias fervilhavam de maneira diferente agora, pulsando caóticas entre borboletas e pequenos buracos negros. Continuava indiferente ao mundo que o cercava, as pessoas, os carros e congestionamentos, os idosos nas praças jogando damas, e o processo criativo permanecia dentro dele, mas não pegava fogo como antes. Agora suas ideias pulsavam, girando rápidas tais quais pequenas galáxias em espirais. As imagens da história que estava escrevendo surgiram em sua viseira em sequência, atravessando seu olhar em movimentos suaves. Sentiu um avanço, um salto criativo indescritível, enquanto subia as escadas do prédio. Quase não conseguia encaixar a chave na fechadura da escotilha pela ansiedade que estava sentindo. Os lampejos criativos se multiplicaram, enquanto ele tirava o capacete, e via as imagens translúcidas tomarem conta novamente de seu apartamento. Pegou algumas anotações em cima da mesa do computador e começou a ler, enquanto despejava café em uma xícara. Por um brevíssimo momento, ouviu um som distante de dezenas de cavalos galopando pelas avenidas enquanto sentia um tremor leve invadindo o ambiente, criando pequenas ondas no café. Permaneceu alguns microssegundos imóvel, observando aquelas minúsculas ondas surgirem em intervalos regulares, e assim que o tremor cessou, virou-se e começou a observar algumas das imagens suspensas diante de seus olhos. Fundiu algumas e deletou outras, organizou outras tantas rapidamente em uma sequência preliminar. Pegou a xícara de café e foi sentar-se diante de seu computador. Assim que se acomodou em sua cadeira, a imagem do último trecho escrito surgiu diante dele, como sempre um pouco acima do monitor. Ágeis como sempre, seus dedos recomeçaram a construir a história exatamente de onde havia parado.<br />
"<i>Henrique admitia em seu íntimo que tinha feito algo extremamente horrível, mas infelizmente já estava feito e não tinha como reverter as ações. Hemilly ainda encarava ele com espanto. 'Você matou uma pessoa apenas escrevendo o nome dela nesse livro?', questionou. 'Eu não tive outra opção. Se eu não tivesse feito o que fiz, com certeza nem estaria aqui agora'. Ele olhou para o irmão caçula e viu em seus olhos uma expressão questionadora, como se Roney perguntasse o que fariam agora. 'Onde você encontrou esse livro?', indagou Hemilly. 'Faz um semana eu achei ele quando voltava do colégio. Estava largado lá no asfalto, numa rua perto de casa. Só peguei porque na capa estava escrito Livro da Morte e isso me deixou curioso. Como estava chovendo, coloquei ele na minha mochila e continuei correndo pra casa'. Hemilly interrompeu meio indignada a explicação de Henrique, 'Peraí, você está me dizendo que pegou esse livro porque você curtiu o título que estava na capa, é isso que você está tentando me dizer?'. 'Mais ou menos. Agora como eu iria adivinhar que era um livro amaldiçoado? Ou satânico mesmo?', tentou se explicar Henrique. 'Eu ainda quero entender por que essas pessoas estão atrás de vocês, e por que eles querem tanto esse livro', ponderou Hemilly. 'Eu não faço ideia. A única certeza que tenho é de que eles estão tentando pegar a gente há uns 3 dias e só hoje conseguimos despistar eles e chegar até você', explicou Henrique. Hemilly esboçou uma expressão pensativa e repentinamente voltou-se para Henrique, parando diante dele a poucos passos, 'Espere um instante! se eles estão atrás do livro, por que você simplesmente não entrega para eles?', questionou ela.</i>"<br />
O Escritor parou de escrever e olhou pela janela, pensativo com a indagação inesperada feita por Hemilly. "Realmente, por que ele simplesmente não entrega o maldito livro para os agentes?", pensou em voz alta. Era tão simples a ideia que chegou a pensar angustiado que tudo aquilo que eles passaram até chegar à casa de Hemilly era completamente desnecessário. Simples demais. Era só entregar o livro, pedir desculpas e provavelmente eles deixariam os dois irmãos em paz. Entretanto, percebeu que não era tão simples assim a situação, pois Henrique suspeitava de que o livro pertencia a outra pessoa, alguém que eles precisavam encontrar o mais rápido possível para entregar de volta aquele objeto perdido. Foi nesse exato momento que o Escritor ouviu uma voz estranha ecoar atrás de si soltando uma afirmação. "Mas é claro que eles precisam me devolver o livro. Ele é meu", dizia a voz. O escritor olhou para trás um pouco assustado, pois teve a impressão de que a voz viera de sua sala. Não havia ninguém ali, e apenas o que ele conseguia enxergar eram as imagens flutuando por todo o apartamento. Ainda cismado com aquela situação sinistra, voltou-se para o computador, e concentrou-se nos sons que poderia distinguir e reconhecer facilmente. Leu em voz alta o último trecho de sua história, enquanto partes de áudio com as vozes de seus personagens eram emparelhadas próximos ao seu ouvido numa espécie de teste de reconhecimento de voz. Podia ouvir em alto e bom som a conversa entre Hemilly, Henrique e Roney, certificando-se de que não havia nada estranho ou alheio invadindo suas ideias e confundindo o desenvolvimento de sua narrativa. Respirou fundo, quando inesperadamente a voz estranha ecoou novamente atrás do Escritor. "Você não pode continuar me ignorando. Eu quero meu Livro de volta", dizia a voz em tom ameaçador. Instantaneamente levantou-se da cadeira assustado, ficando em estado de alerta, olhando para o lugar de onde estava vindo aquela voz misteriosa. Observou as imagens translúcidas flutuando, e percebeu que uma delas parecia estar fora do ar momentaneamente, produzindo um chiado incômodo que ele não havia notado antes. A imagem buscou sintonia e sincronismo com os pensamentos do Escritor, até que finalmente foi estabelecido um primeiro e nítido contato. Um rosto caucasiano, com a barba por fazer e usando um óculos escuros escondendo parcialmente uma expressão pouco amigável revelou-se, denunciando ser ele o dono daquela voz intimidadora. "O Livro da Morte é meu. Tomarei ele de volta", dizia o dono do rosto impassível, enquanto o Escritor estreitava os olhos e balançava a cabeça como quem estava aos poucos elucidando um enigma antes obscuro. "Espere um instante. Eu sei quem é você", disse. O rosto flutuou sutilmente enquanto uma névoa negra logo abaixo dele rodopiou rapidamente em espirais desgovernadas, fazendo surgir uma silhueta que se materializou em um corpo. Parado, o Escritor viu diante de si um dos personagens de sua história tomar forma e desafiar a autoridade daquele que o criou. Vestindo uma jaqueta preta, uma calça jeans surrada e um tênis Nike, ele lentamente foi em direção ao seu criador, sempre com sua voz inabalável. "Eu quero meu Livro de volta", insistia. "Eu entendo que você queira seu Livro de volta, e você o terá, <b>Flávio</b>. Não precisa me intimidar desse jeito, eu sei quem você é. Você apareceu no início da história rapidamente, e ninguém ainda sabe que o Livro te pertence", explicou o Escritor. "Não importa quem eu seja, eu apenas quero a porra do meu Livro de volta! Se eu tiver que matar aqueles moleques, eu matarei sem qualquer remorso", ameaçou Flávio. "Espere um pouco! Não precisa agir dessa forma. Eu já disse que você terá seu livro de volta. Eu criei você, então nem pense em dar uma de rebelde pra cima de mim", retrucou o Escritor tomando uma postura defensiva. Repentinamente, o Escritor Astronauta sentiu dificuldade em respirar, como se algo ou alguém estivesse sugando o ar ao seu redor. Sentiu uma vertigem estranha dominar o ambiente, e não demorou em buscar seu capacete antes que desmaiasse por falta de oxigênio em seus pensamentos. Quando conseguiu encaixar o capacete em seu traje, viu aquela mesma névoa negra que havia trazido seu personagem agora rodopiar ágil ao redor dos dois, de maneira agressiva e intensa, deformando o tecido temporal ao seu redor, sumindo com a sala de estar de seu apartamento. Não demorou microssegundos para enxergar uma vastidão desértica diante de seu olhar atônito. Ali, no meio do nada, estavam apenas ele e Flávio, seu personagem arredio, revoltado, agindo por conta própria. "Você não diz mais o que eu devo fazer. Você vai descobrir agora o que acontece com o filho da puta que rouba aquilo que me pertence", disse Flávio de maneira marrenta, dobrando os joelhos, cerrando os punhos, pronto para participar de uma boa briga.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span><br />
<span style="font-size: xx-small;"><b>Fotografia:</b> <i>Hunter Freeman</i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-76751417601781707282012-08-03T22:50:00.002-03:002020-07-30T12:52:39.652-03:00O Escrinauta ~ Inspiração<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0FyR-qgGGZDwrZF-F-lACtutUr_DuueO2AQD9hjg-Yec914vuASHu2miqjTDQNAsHV5y8FkI0atp4TgcOsEP2j5ylgFE76th18VWYZ5VSl6KvaujSoecNWiYaV-4ZOdPk3EJf/s1600/escritorinspira%C3%A7%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="290" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0FyR-qgGGZDwrZF-F-lACtutUr_DuueO2AQD9hjg-Yec914vuASHu2miqjTDQNAsHV5y8FkI0atp4TgcOsEP2j5ylgFE76th18VWYZ5VSl6KvaujSoecNWiYaV-4ZOdPk3EJf/s400/escritorinspira%C3%A7%C3%A3o.jpg" width="400" /></a></div>
Enquanto conversava amistosamente com seu amigo no Café da esquina, o Escritor Astronauta tentava se acostumar novamente com a Gravidade alterada provocada pela presença de Sérgio, uma situação que fazia muito tempo não experimentava com tanta intensidade. O Poeta Espacial provocava uma distorção anormal na força gravitacional terrestre, e tudo ao seu redor começava sutilmente a flutuar, levitando suavemente. Era algo prazeroso, fora do comum, toda aquela sensação o invadia e em alguns momentos o deixava tonto, mas ele se deliciava com a situação. Sentados na mesa, ao redor dos dois flutuavam talheres, copos, inclusive as xícaras de café que pediram assim que chegaram orbitavam ao redor de suas cabeças, deixando derramar lentamente o conteúdo em forma de gotículas preguiçosas. "Não é fantástico esse nosso átimo literário poético? Ultimamente tenho espasmos líricos incríveis. Todo o universo se despeja dentro de mim maravilhosamente e eu me sinto um poeta cosmopolita, desenhando versos falando sobre japoneses, africanos, europeus, asiáticos, uma confluência de mundos, um êxtase", explicava Sérgio, enquanto pela avenida inesperadamente começou a passar uma manada de cavalos, provavelmente uns 200 em tons variados com suas crinas fantásticas, cavalgando intensamente, atravessando os sinais vermelhos da avenida. O Escritor Astronauta escutava o amigo falando, enquanto seu olhar seguia aquela cavalgada invadindo a cidade, cortando o trânsito numa velocidade atordoante. As mesas do café balançavam sutilmente com a passagem dos cavalos, um leve tremor de terra que não podia ser captado por nenhum sismógrafo, uma energia liberada que não podia ser medida de maneira alguma na Escala Richter. "Sempre tenho acompanhado a divulgação de seus trabalhos poéticos. Quando os leio, fico sem fôlego, você escreve de maneira incrível, Sérgio", disse o Escritor. Depois que aquela manada de cavalos atravessou a avenida movimentada, um rastro de flores começou a crescer na extensão de toda rua asfaltada. "Fabuloso! Simplesmente fabuloso, divino! O poeta cria sempre a arte para que o mundo nunca duvide da existência dele. Tiramos pérolas de porcos e colhemos flores no aslfato, lançamos possibilidades de novas sensações para as pessoas que se atrevem a ler o que escrevemos", dizia Sérgio de maneira contida, porém entusiasmada. "Confesso que foi uma surpresa sua ligação e sua visita. Imaginei que não nos veríamos mais e nem teríamos uma oportunidade como essa para falarmos sobre tudo o que cada um está escrevendo", explicou o Escritor, e prosseguiu com as palavras, "Nos últimos meses tenho me dedicado especialmente ao meu novo trabalho, o que tem exigido de mim uma concentração total. Vivo cercado de ideias, os personagens habitam cada minuto do meu dia, tenho anotações espalhadas por todo o apartamento. Estou realmente em amplo processo de criação literária". Nesse momento, o escritor percebeu algumas imagens de sua história surgirem em sua viseira, e rapidamente sumirem, e depois aparecem flutuando translúcidas acima dele, imagens dos personagens, trechos escritos, passagens importantes já revisadas por ele. O Poeta espacial olhou para elas com uma expressão fascinada, extasiado com aquele material incrível já desenvolvido, enquanto dezenas de vagalumes piscantes começavam a voar dentro do ambiente do Café, desenhando luminosidades pelo teto. No Céu, por entre os prédios, uma Lua imensa começava a nascer com jeito de quem vigiava a Humanidade, deixando um rastro róseo entre as nuvens.<br />
"Isso é fantástico, você está desenvolvendo uma história que vai encantar muitas pessoas, transportando elas para um mundo incrível. Sua maneira de escrever é cativante, diferente, hipnotiza o leitor. Simplesmente fantástico", Sérgio sorria, enquanto os vagalumes passeavam ao seu redor. O Escritor agradecia pelos seus elogios, apesar de considerar a possibilidade de que ainda havia muitos trechos a serem reescritos, e algumas partes poderiam sofrer alterações até o final do processo de desenvolvimento narrativo. "Sempre tenho novas ideias surgindo, sempre estou retornando e reescrevendo algumas partes da história, procurando não deixar buracos e nem entrar em contradições com o enredo da trama", explicou, enquanto observava algumas das imagens que mostravam personagens e trechos narrativos. "Não se preocupe, quando você é tomado pelo processo criativo, ele te possui de uma maneira entorpecente, te mandando para outros mundos, fazendo viver em outros universos e canalizar todas as informações sobre eles. E você viaja entre eles constantemente". O Escritor fez um ar pensativo, ponderando sobre as afirmações de Sérgio, e olhou para a rua. Na calçada, uma estranha distorção fazia o ar vibrar em meio a pequenos raios e um estrondo metálico fez surgir um portal, de onde saiu inesperadamente um senhor vestindo impecavelmente terno, gravata e um chapéu escondendo sua careca lustrosa. Carregava uma maleta preta e trazia na mão um objeto dourado estranho, do tamanho de um celular. Parou um instante, olhou para objeto com uma expressão de quem estava obtendo informações para confirmar seus cálculos e concluir que havia chegado ao destino certo. "Outro Observador, sempre por toda parte, como seres onipresentes, sempre analisando as situações vividas pelas pessoas em qualquer lugar", concluiu o Escritor, lembrando dos misteriosos personagens surgindo estranhamente por toda sua história. Sua atenção voltou-se novamente para o amigo Poeta Espacial, que prosseguiu falando animadamente. Um som ambiente surgiu tímido, parecia os acordes iniciais de um piano, e o Escritor reconheceu o toque de "<b>United States of Eurasia</b>", uma das suas músicas favoritas do Muse. Sérgio prosseguia debatendo suas ideias líricas. "Não dominamos nenhum dos 4 elementos da Natureza, mas dominamos a Dobra da Escrita, esse elemento com o qual podemos direcionar todos os outros em nossos trabalhos literários. Não há limite para o que pode ser criado através da literatura e da poesia". O Poeta Espacial pegou uma xícara que flutuava entre eles e segurou calmamente em sua mão. Não demorou muito e uma pequena labareda de fogo se incendiou dentro da xícara, sendo apagada logo em seguida por uma espiral de água surgida do nada. O Escritor continuou observando atento enquanto via aquela mesma xícara ser petrificada e virar pó, se dissolvendo completamente no ar. Na esquina do Café, um garoto careca vestindo roupas de monge soltou um sorriso para ele e sumiu rapidamente em um pequeno tornado de ventos. Sérgio então pegou um papel onde estava escrito alguns versos, os mais recentes que ele havia criado, e o entregou para o Escritor Astronauta. "Veja, eu trouxe isso para você, espero que goste, eu escrevi pouco antes de vir para cá. É disso que você precisa para continuar sempre escrevendo". O Escritor pegou o papel e começou a ler, e suavemente enquanto lia, algumas imagens translúcidas começaram a aparecer ao seu redor, mansas, sutis, mas incrivelmente envolventes. Leu emocionado aqueles versos, como há tempos não tinha lido nada igual. Viu imagens de um semeador de ventos lançando palavras por toda parte na cidade, viu uma residência habitada por pessoas de todas as partes do mundo, conversando descontraídas em todos os idiomas. Logo abaixo do poema, havia um breve texto de despedida escrito por Sérgio. Enquanto lia aquela parte em que o Poeta Espacial dizia ter adorado aquele encontro e todo o debate literário e poético que tiveram, o Escritor sentiu a Gravidade ao seu redor voltar ao normal. Lentamente tudo parou de flutuar, os talheres, as xícaras, os pratos. Os vagalumes se esvairam mansamente, e só então depois de ter lido o poema e o texto final, o Escritor percebeu que o Poeta Espacial já havia partido. "<i>Meu amigo, foi um encontro incrível, maravilhoso, um momento raro que desfrutamos em toda sua plenitude. Espero que goste do poema e do que eu trouxe para você nessa visita: Inspiração</i>". O Escritor terminou de ler o texto. No café não havia mais ninguém, a não ser ele a escutar o trecho final de "United States of Eurasia".<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span><br />
<span style="font-size: x-small;"><b>Fotografia:</b> <i>Hunter Freeman</i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-91031596384822343822012-08-02T09:07:00.001-03:002020-07-30T12:52:27.190-03:00O Escrinauta ~ Surpresa<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<i>"Assim que Hemilly abriu a porta, Henrique e Roney entraram com passos nervosos e olhares assustados. 'O que aconteceu com vocês? Estão horríveis!', disse Hemilly, espantada e sem ação diante do avanço dos irmãos entrando em sua casa sem ao menos dizer um 'olá'. E ela tinha razão em afirmar que eles estavam horríveis. Na verdade, eles pareciam vindo de uma guerra, semelhantes a soldados fugindo de trincheiras lamacentas. Suas roupas estavam imundas, seus rostos arranhados e sujos de terra e fuligem. Henrique respirou fundo, o tempo necessário para recuperar o fôlego e contar para sua amiga tudo o que estava acontecendo com ele e Roney em um resumo fantástico que começava com 'Estamos sendo caçados', passando por 'tenho um Livro satânico que mata pessoas' e terminando com 'faça alguma coisa ou vão nos matar'. Hemilly procurou ouvir tudo atentamente, mas sempre interrompia a explicação de Henrique com inúmeras perguntas, da mesma forma que fazia com os professores no Colégio. 'Mas como vocês conseguiram escapar desses caras no prédio?', perguntou. Henrique hesitou alguns segundos antes de responder a pergunta, mas percebeu que não poderia esconder nada de sua melhor amiga e então confessou: 'Eu tive que matar um deles usando o Livro. Ele estava quase alcançando a gente'. subitamente Henrique parou de falar e olhou para seu irmão ainda assustado, que decidiu completar a explicação: 'É verdade, Hemilly. Um deles gritou o nome do outro que estava mais próximo do nosso esconderijo, e quando viu a gente, correu para nos agarrar. então Henrique simplesmente escreveu o mais rápido que conseguiu o nome do agente no livro. Não demorou 5 segundos, ele caiu no chão se contorcendo, cuspindo sangue pela boca'. Henrique permaneceu imóvel, de olhos fechados, imaginando novamente a cena sinistra. Em seguida, pegou o Livro, abriu em cima da mesa e mostrou o nome escrito com seu próprio sangue na primeira folha em branco, logo abaixo do primeiro nome que já tinha na página. 'Eu não tinha caneta', disse num tom quase sussurrante, olhando fixamente nos olhos espantados de Hemilly".</i><br />
Subitamente o Escritor Astronauta parou de escrever, assustado com um barulho que vinha atrás de si. Uma esfera luminosa do tamanho de um punho fechado pulsava luzes de cores variadas, enquanto emitia um barulho desesperado semelhante a um telefone antigo. A imagem translúcida acima do seu monitor congelou no exato momento em que Henrique segurava o livro aberto em cima da mesa e olhava fixo para sua melhor amiga. Visivelmente chateado por ter sido interrompido em seu fluxo criativo de desenvolvimento narrativo, respirou fundo, bebeu o último gole de café de xícara, levantou da cadeira, afastou as imagens suspensas ao seu redor e foi em direção à esfera luminosa flutuando no meio da sua sala. Ao aproximar-se da esfera, a mesma parou de pulsar e de tocar desesperadamente como um telefone irritante. Em seguida, ouviu uma voz entrecortada por leves chiados de interferências tentando manter contato. "Alô!... está aí?... está me ouvindo?... tem um tempinho sobrando para falar com seu amigo distante?", dizia a voz insistentemente. O Escritor parou, espantado, tentando reconhecer quem estava entrando em contato imediato com ele. Ainda em silêncio, continuava a ouvir a voz falar, "Alô?... Alô!... Você vai fazer eu falar alô de novo? Alô!... Será o benedito? Terra chamando Marte! Ô seu moço, responde aí... Vamos conversar!". Ao ouvir aquelas frases, a expressão de espanto no rosto do Escritor se acentuou. "Será que é quem eu estou pensando que seja?", indagou-se pensativo. Aproximou-se mais da esfera, esperou aquela voz parar de falar tantos "alôs" e respondeu: "<b>Sérgio? É você?</b>". Meio segundo depois ouviu a resposta em tom descontraído: "Criatura espacial, até que enfim respondeu! Preciso saber como está. E a história que você está escrevendo?". "Eu estou bem, na verdade bem ocupado escrevendo", disse o Escritor. "Eu te interrompi? Que maldade a minha, desculpa, meu amigo!", Sérgio soltou uma risada e continuou a conversa. "Precisava entrar em contato. Escrevi alguns trechos poéticos e queria mostrar a você. É uma viagem alucinante e cósmica, você precisa ler!". Enquanto Sérgio falava, soltava risadas descontraídas entre suas frases, fazendo o Escritor se descontrair e se envolver naquele diálogo entre dois amigos que não se viam há muitas eras cósmicas que podiam ser condensadas em alguns anos. "Como você me achou?", questionou sorrindo o Escritor. "Com o olho que tudo vê", brincou Sérgio, soltando uma outra risada contagiante. "<b>Sauron?</b>", perguntou o Escritor descontraidamente, fazendo as risadas se prolongarem mais alguns segundos. Então lembrou-se do sonho terrível da noite anterior, "Sérgio, você nem faz ideia do pesadelo que eu tive noite passada". O Escritor começou a relatar o pesadelo no qual ele descobria que a história que estava trabalhando já tinha sido criada. Continuaram conversardo por mais alguns minutos a respeito desse assunto e também sobre o desenvolvimento dos trabalhos literários de cada um, o Escritor com seu livro e Sérgio com seus versos líricos e psicodélicos, quando o amigo distante inesperadamente interrompeu a conversa e disse, "Espera um instante. Espera só um instante... Sim, acho que estou descobrindo o destino final do sinal que te enviei. Espere um momento, estou quase descobrindo... só um instante. Estou rastreando a ligação. Quase lá... Pronto! Espero que o GPS tenha me dado as coordenadas corretas. Olhe pela janela de seu apartamento". O Escritor, meio surpreso, foi até a janela e viu seu amigo na calçada, o Poeta Espacial com seu traje dourado, acenando. "Desça, vamos ali tomar um café e trocar algumas ideias", ouviu Sérgio dizer através da ligação.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span><br />
<span style="font-size: x-small;"><b>Pintura Fotorrealista:</b> <i>Jeremy Geddes</i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-19819381494586033122012-08-01T00:43:00.003-03:002020-07-30T12:52:16.379-03:00O Escrinauta ~ Medo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOo2fmyRIlt1TYYGB-sDWkrGlBbZqyeLai91wuVqZ38oFE2sQ5sUaAJHDewU6K9x3vEnOk6nY264Ujxa0CNZfMkxX6Hs8qkEoSC5Yz-6nFKPwq48HfhsFxMbsmLIOj9nqRZx2f/s1600/escritorastromedo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="258" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOo2fmyRIlt1TYYGB-sDWkrGlBbZqyeLai91wuVqZ38oFE2sQ5sUaAJHDewU6K9x3vEnOk6nY264Ujxa0CNZfMkxX6Hs8qkEoSC5Yz-6nFKPwq48HfhsFxMbsmLIOj9nqRZx2f/s400/escritorastromedo.jpg" width="400" /></a></div>
Depois do ruído que quase estourou seus tímpanos, e das imagens que surgiram insistentes em sua viseira, o Escritor Astronauta iniciou a busca pela interceptação definitiva daquele sinal estranho com imagens que aos seus olhos pareciam familiares. "<b>Não é possível. Isso está vagamente parecido com o que estou escrevendo</b>", pensou. Sim, era familiar, e era difícil para ele admitir tal afirmação, ainda mais estando ciente de que ele tinha certeza absoluta de que sua ideia era original, e que ele não havia encontrado nada similar em suas pesquisas e varreduras antes de começar a escrever sua história. Tinha a consciência tranquila quanto a isso. Havia algo de errado nessa interferência que ele estava recebendo e precisava encontrar a fonte para entender o que estava acontecendo de fato. Caminhou lentamente pelo corredor do supermercado, enquanto escutava duas vozes vinda do outro lado das prateleiras conversando animadamente, um debate bastante amistoso. Avaliou as possibilidades de sincronia com a interferência de poucos segundos atrás e constatou ser ali a origem da mesma. Aqueles dois jovens parados na sessão de bebidas, debatendo sobre trechos de uma história que leram na internet enquanto escolhiam se comprariam uma garrafa de vodka ou conhaque, eram eles que estavam, sem saber, enviando aquelas interferências visuais que apareciam na viseira de seu capacete. Espiou com cuidado os dois jovens antes de entrar pelo corredor com passos fingidos de quem procurava algo naquela sessão do supermercado. Parou ao lado dos dois, olhando as bebidas na prateleira, mas com sua atenção toda voltada para a conversa. Sintonizou o máximo que conseguiu naquele debate de ideias e visualizou as imagens agora em HDTV. "A batalha psicológica entre os personagens é muito foda", dizia um deles empolgado, enquanto o outro concordava e continuava. "Demais! E eu faria o mesmo que o personagem que encontrou o livro faria, escreveria o nome de todos os assassinos, estupradores e ladrões nele, e livraria o mundo de todos eles. Usaria o Livro da Morte para matar todos eles". O escritor ficou completamente imóvel, sua mão segurando uma garrafa de vinho chileno, enquanto ele era possuído por um pensamento congelante. "isso não é possível! Eles estão falando a respeito de um Livro da Morte! O mesmo livro que meu personagem encontrou e que é a causa maior de todo seu sofrimento! Mas como?". Não demorou muito e em sua viseira apareceu uma imagem translúcida de como ele imaginou ser o Livro maldito. Coincidentemente, os jovens começaram um diálogo explicativo a respeito de como era visualmente o suposto Livro da Morte, e logo a imagem deste outro surgiu diante dos olhos do Escritor. De imediato percebeu que os livros não eram idênticos na aparência, mas sim, muito diferentes. "Mas ainda assim se trata de livros com a mesma natureza mortal, demoníaca", pensou. "Não é possível! Eu fui extremamente cuidadoso em minhas pesquisas e varreduras, e não encontrei nada que pudesse indicar que minha história pudesse ser um completo plágio de alguma outra. Será que deixei passar alguma informação, será que cochilei em algum momento enquanto fazia o rastreamento de dados?". A ideia de que toda a história que ele havia escrito até aquele momento poderia acabar incinerada completamente o deixou aturdido, fazendo-o sentir toda a força da Gravidade comprimindo seu corpo contra o chão. Sentiu uma tontura e procurou se apoiar na prateleira. Seu capacete bateu contra as garrafas à sua frente, o que chamou a atenção dos jovens. "O senhor está bem?", perguntou um deles de maneira solícita. "Sim, sim, estou. Foi apenas um leve tontura. Agradeço a preocupação", respondeu o Escritor. Os dois jovens responderam educadamente e se afastaram, cada um levando uma garrafa de vokda e outra de conhaque.<br />
O Escritor permaneceu ali parado na sessão de bebidas por alguns segundos, tentando assimilar a situação. Pensou em seguir os jovens e perguntar a eles a respeito da tal história que eles estavam conversando, mas novamente sentiu aquela estranha distorção no tecido do espaço-tempo. Seu pensamento foi lento demais, e os jovens já haviam pagado pelas bebidas e saído do Supermercado. "Isso não pode estar acontecendo", sussurrou o Escritor, desolado. A imagem daquele livro descrito pelos jovens ainda flutuava em sua viseira, nítida, desafiadora, audaciosa, como se estivesse confrontando diretamente todo o seu poder imaginativo e criativo. Seria possível que outra pessoa já tivesse criado aquela ideia que ele tinha tanta certeza que era completamente original? Balançou o capacete, deixando as imagens sumirem lentamente. Foi nesse momento que algo surreal começou a acontecer. Começou a escutar um barulho estranho ecoando por toda parte ao seu redor. Parecia estar vindo de todos os cantos do Supermercado. Ainda parado, dessa vez com uma leve expressão de espanto, tentou prestar atenção ao estranho "som ambiente". Parecia o som de uma televisão ligada em um canal de noticiários. O escritor ficou confuso, pois o som começou a aumentar gradativamente, e agora ecoava dentro de sua mente. Olhou para os lados, e percebeu que não havia mais ninguém dentro do Supermercado. Todos haviam sumido misteriosamente. Sentiu um estremecimento estranho, e repentinamente tudo escureceu. Sentiu seu corpo paralisado, e isso o deixou completamente assustado, pois ainda conseguia escutar claramente o som daquela TV ligada, a voz do apresentador falando sobre um <i>blecaute de energia ocorrido na índia atingindo 600 milhões de pessoas</i>. Era como se estivesse de olhos fechados. Aturdido com aquela situação sinistra, sentiu sua respiração ficar ofegante dentro do capacete. Quase sem ar, debateu-se na escuridão, até que conseguiu abrir os olhos e respirar aliviado. Olhou ao seu redor, meio confuso, tentando entender o que estava acontecendo. Sentou-se no sofá, bateu a mão em seu capacete, viu a televisão ligada em sua frente. Estava passando o notíciario das 22 horas. "Maldição! Sempre tenho pesadelos quando deito nesse sofá para ver TV", resmungou revoltado. Não fazia ideia de como havia adormecido antes de ir ao Supermercado fazer as compras. E para piorar, ainda continuava sem café em casa.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span><br />
<span style="font-size: x-small;"><b>Fotografia</b>: <i>Hunter Freeman </i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-66875702349572554122012-07-30T15:05:00.001-03:002020-07-30T12:52:05.861-03:00O Escrinauta ~ Cafeína<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbwe5CJTV63edGqWUyLPrj7CWBvhGsXhsTqYNW7_TwP-618KHMLxaA6H8S1wHcRpFKbyfVq9G2iZ9n0z-bMeMmELQavHJLzhNQZZ9l8lkKFYtnrNaqojmjxNPykQdig5fdrPik/s1600/escritorastrocafeina.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="275" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbwe5CJTV63edGqWUyLPrj7CWBvhGsXhsTqYNW7_TwP-618KHMLxaA6H8S1wHcRpFKbyfVq9G2iZ9n0z-bMeMmELQavHJLzhNQZZ9l8lkKFYtnrNaqojmjxNPykQdig5fdrPik/s400/escritorastrocafeina.jpg" width="400" /></a></div>
"<i>A pálida luz amarelada vinda de um poste na rua adentrava por uma das janelas quebradas naquele andar do prédio abandonado. Henrique segurava firme o Livro Negro sob essa luz enquanto observava atento sua capa de couro preta e enrugada adornada por um símbolo diabólico. Logo abaixo do símbolo estava escrito em letras prateadas 'Livro da Morte'. Seu irmão caçula Roney, que iria completar 13 anos no próximo mês, dormia ao seu lado, a cabeça pendendo em seu ombro, um sono de completo cansaço. Henrique já havia folheado aquele livro várias vezes, mas nunca se cansava de repetir a mesma ação, como se quisesse ter certeza de que aquele objeto em suas mãos de fato existia. Logo na contracapa havia uma espécie de regras de como utilizar o Livro, regras que já havia lido o suficiente para saber o poder que tinha em suas mãos. Subitamente um barulho estranho ecoou pelos corredores próximos de onde estavam escondidos, tirando instantaneamente a atenção de Henrique do Livro para a direção de onde viera o ruído sinistro.</i>"<br />
Por um instante, os dedos do Escritor cessaram. Seu olhar fixo no monitor passou para o teto, como se quisesse descansar a cabeça inundada pela tensão do momento. Olhou a xícara de café ao seu lado e constatou, desolado, que não havia mais café. Levantou-se, decidido, afastou as imagens translúcidas que circulavam ao seu redor, e caminhou em direção à cozinha. "Preciso de mais café", pensou. As imagens flutuavam por todo o apartamento, e ele as foi afastando com gestos firmes até chegar ao armário da cozinha e descobrir um grave problema naquele momento. "É, Houston, temos um problema". O pó de café havia acabado. "Maldição! Até parece que vivo no universo paralelo de Fringe!", resmungou. Apoiou-se na pia e olhou de volta para o monitor de seu PC. Logo acima, pairava a cena exata em que sua história havia parado. O rosto assustado de Henrique olhando para a escuridão do corredor, tentando descobrir a origem do ruído estranho. Seu irmão ao seu lado ainda dormia. "Incrível como são semelhantes", falou consigo mesmo, ao se lembrar da descoberta feita mais cedo na banca de revista. Diante de si apareceu a imagem translúcida daquela capa de revista com aquele jovem ator. Segurou-a por um momento, enquanto encarava ela e projetava um comparativo com a imagem flutuando acima de seu monitor. "Impressionante", murmurou, e assim ficou por alguns largados segundos, até ser levemente sacudido pela lembrança da falta de café. "Sim, o café!".<br />
Jogou a imagem para longe, caminhou até o sofá, pegou seu capacete, desligou o monitor do seu PC. Iria até o Supermercado da esquina, perto de sua casa, comprar café, alguns cigarros, e provavelmente algumas outras provisões para estoque. Encaixou o capacete em seu traje, limpou sua viseira, pegou as chaves, saiu, trancando a escotilha de seu apartamento, e desceu as escadas flutuando em seus pensamentos. Rapidamente sentiu de novo aquele queimor em sua nuca. As ideias começaram a borbulhar com o calor dos pensamentos. Caminhou pelos dois quarteirões que o separavam do mercado, dessa vez olhando para o chão, com receio de tropeçar novamente em alguma outra pedra lunar. Será que Drummond, o filho de seu vizinho, tinha algo a ver com aquelas pedras pelo meio do caminho? "Garotos sempre são cheios de artimanhas", pensou. Chegou ao Supermercado, atravessou os caixas, e foi passeando por entre as prateleiras cheias de produtos coloridos até chegar ao setor onde ficavam os pacotes de café à vácuo. Tinha essa mania de fazer sempre uma espécie de rastreamento do local, uma varredura preliminar de tudo o que havia nas prateleiras, ao mesmo tempo em que uma lista mental de produtos que costumava comprar aparecia na viseira de seu capacete. Passou pela área de doces, e pensou em pegar alguns <b>M&Ms</b> e mais pastilhas de <b>Halls Eucalyptus Extra Forte.</b> "Também uns tabletes de chocolate meio amargo, é uma boa ideia. E não posso me esquecer do café e cigarros, eu vim aqui justamente para isso". Foi nesse momento em que ele ouviu um zumbido forte e intermitente ecoando em seus ouvidos. Soltou os tabletes de chocolate, colocou as mãos no capacete, sentindo a vibração daquela estranha interferência, seguido de chiados rápidos e alternados com aquele zumbido quase insuportável, permanecendo em seus ouvidos por cinco segundos que pareceram uma eternidade interestelar. Assim que aquela interferência no sinal havia passado, o Escritor olhou ao seu redor, começando uma busca pela origem daquele ruído de estática que quase estoura seus tímpanos. Estranhamente, algumas imagens surgiram rapidamente mal sintonizadas na viseira de seu capacete. Ele parou e ficou observando aquelas imagens que iam e vinham como um canal quase fora do ar. Então algumas imagens apareceram com melhor sinal, ficando suspensas diantes de seus olhos espantados. "Mas que diabos é isso?", indagou, com uma expressão espantada.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span><br />
<span style="font-size: x-small;"><b>Fotografia</b>: <i>Hunter Freeman </i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-30210386139388127022012-07-29T15:59:00.001-03:002020-07-30T12:51:49.867-03:00O Escrinauta ~ Perturbação<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcT7xcXdQ2DPPZG7S32X_B4VfEPI7P6rtZeKwRbgDuDalUU1f1V3v6Fqdc-WFJRLWJhbhvX6k6xpD53SWTw4bE9ON-Hwlj625Vwc2s_yThCO2p0eW1Z03Mx2H77iAxV3-Ix5En/s1600/pc.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcT7xcXdQ2DPPZG7S32X_B4VfEPI7P6rtZeKwRbgDuDalUU1f1V3v6Fqdc-WFJRLWJhbhvX6k6xpD53SWTw4bE9ON-Hwlj625Vwc2s_yThCO2p0eW1Z03Mx2H77iAxV3-Ix5En/s400/pc.jpg" width="400" /></a></div>
As ideias queimavam a sua nuca, ele podia sentir mais do que nunca. Milhares delas provocando aquele latejamento ardente em sua mente. Atravessou a rua, ouviu sinos ao longe tocando em alguma igreja (por um momento pensou estar escutando "High Hopes", do Pink Floyd), viu crianças correndo ali perto antes de pousar novamente seus pés na calçada do outro lado da rua. O ardor da pastilha de <b>Halls Eucalyptus Extra Forte</b> havia estranhamente sumido do céu de sua boca, enquanto ele caminhava com um passo mais acelerado em direção ao final de tarde em sua casa. Tropeçou mais à frente numa pedra lunar (será que ele deixou cair do bolso de seu traje sem querer ou ela já estava ali anteriormente há alguns dias?) e momentaneamente lembrou do mesmo momento vivido pelo seu personagem, que havia tropeçado pouco antes de encontrar o Livro Satânico, provavelmente correndo da chuva que havia começado a cair momentos antes. Abruptamente o escritor astronauta parou de andar, como se algo estivesse atrapalhando sua visão da rua. E de fato estava. Por alguns breves momentos, a viseira de seu capacete foi inundada por imagens translúcidas e informações do personagem no qual havia acabado de pensar, e o momento de sua queda na rua foi vivenciado novamente por ele. Bateu no capacete, tentando desligar aquela inundação de informações que flutuava diante de seus olhos. Nessas horas sentia-se exatamente como o Homem de Ferro. Estranhamente, ao mesmo tempo em que conseguiu fazer sumir as imagens em sua viseira, outra pessoa esbarrou nele vindo de trás. Outra pessoa calva atravessando seu caminho numa pressa sutil e deslizante. Pensou em gesticular grosseiramente seu dedo médio e dizer alguns palavrões, mas percebeu que de nada adiantaria, pois os passos do transeunte foram muito mais rápidos do que seu pensamento. Respirou fundo e continuou andando com seu passo calculadamente acelerado, mas sem a mesma pressa daquele homem careca.<br />
Quando passou por uma banca de revistas, <b>sentiu uma perturbação na Força.</b> Sim, aquela mesma Força literária que o dominava e o fazia agir como se tivesse que salvar mundos e pessoas havia sofrido um abalo estranho. Parou diante da banca, de cabeça baixa, e lentamente foi erguendo os olhos na direção das revistas, quando viu um rosto familiar na capa de um dos periódicos semanários. "Não! Não pode ser ele!", pensou, o olhar atônito, o coração aflito. A semelhança era incrivelmente impressionante. Dessa vez acionou as imagens translúcidas de sua história, buscando fazer um comparativo facial entre seu personagem e aquela personalidade que estampava a capa da revista. <br />
Puxou mentalmente a imagem translúcida na qual estavam os dois irmãos, escondidos em um antigo prédio abandonado no centro da cidade, e os encontrou exatamente onde os tinha deixado da última vez. Eles estavam ali, amedrontados, desonfortáveis, assustados com aquela perseguição sem sentido. Estava na hora de encontrar uma maneira de tirar eles dali em segurança, para que pudessem encontrar sua amiga Hemilly. Ela era a única em quem confiavam e que poderia ajudar eles a resolver essa situação maluca na qual eles estavam agora metidos. Não podia haver nenhuma vacilo, e eles não poderiam cometer qualquer tipo de erro, pois os agentes estavam atrás deles. "Tudo por causa do livro negro", pensou o escritor. Mas espere um momento! Não foi por isso que tinha puxado aquela imagem. Não era momento de desenvolver a história daquele jeito. Não havia chegado em casa ainda. Havia feito uma busca com outro objetivo, e tinha que manter o foco nele. Mais uma vez, observou o rosto de seu personagem com o rosto na revista. "São idênticos! Não é possível!". Balançou o capacete insistentemente, fazendo sumir as imagens, e virou-se rapidamente. Continuou caminhando, dessa vez com passadas um pouco mais aceleradas, quase que flutuando a passos largos. Não demorou muito e avistou a entrada do prédio onde morava.<br />
Subiu as escadas flutuando seus passos, tirou a chave de dentro de seu traje, abriu a escotilha e entrou em seu apartamento. tirou seu capacete, respirou fundo e deixou as ideias sairem de sua mente, tomando conta de todo o ambiente, até o teto. Milhares de imagens lúdicas e transparentes flutuavam ao seu redor. Enquanto pegava uma xícara de café, escutava as sirenes passando lá embaixo na rua, avisando sobre a violência que estava contaminando cada dia mais aquele mundo em que ele vivia atualmente. Passou pela sala e foi sentar na mesa perto da janela, onde estava seu PC. As ideias atrás de si permaneciam flutuando em imagens translúcidas, enquanto ele ligava o monitor, e olhava as horas no relógio logo abaixo. Respirou fundo, concentrou seus pensamentos numa tentativa de organizar as ideias suspensas ao seu redor. "Chegou a hora", pensou, enquanto seus dedos começaram a trabalhar no teclado.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b> por <i>Ulisses Góes </i></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-85532081824755992292012-07-26T19:17:00.002-03:002020-07-30T12:51:26.118-03:00O Escrinauta ~ Ideias<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_S9dIHSIdqVoO-3js1rEDFD7gIpKJs_sj3xnZuwSE0OqxsSTtO1skGuzFkyEbXsQLbwzKKdFCmOhsBLngWqk9bwna0lYqWKwM9EJuPFyAOlyUSiuR-gJRN_wr2nsPWb0qy3-S/s1600/astronautaescritor.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_S9dIHSIdqVoO-3js1rEDFD7gIpKJs_sj3xnZuwSE0OqxsSTtO1skGuzFkyEbXsQLbwzKKdFCmOhsBLngWqk9bwna0lYqWKwM9EJuPFyAOlyUSiuR-gJRN_wr2nsPWb0qy3-S/s400/astronautaescritor.jpg" width="400" /></a></div>
Ele olhava fixamente para o copo de Pepsi sobre o balcão da lanchonete, mas na verdade não era aquilo que ele via de fato. Seu olhar perdido vagava por ideias mirabolantes e desesperadas. Pensava em algum tipo de fuga arquitetada por uma pessoa acusada de assassinato, mas que se dizia inocente. "Eu sei que é verdade a inocência", pensava mergulhado em seus pensamentos. Enquanto o gás do refrigerante escapava aos poucos, ele imaginava sobre a fuga e pensava no melhor esconderijo. Tinha um irmão mais novo nessa história e era preciso proteger ele a todo custo, não importando o que tivesse que fazer. Nada poderia acontecer com ele. Ouviu uma voz vindo em sua direção, fazendo-o voltar à dura realidade ao seu redor. Era a garçonete trazendo o sanduíche que havia pedido. Mas praticamente não comeu nada, e por quase 5 minutos continuou olhando fixamente para o copo de Pepsi, sentindo como se estivesse mergulhando naquele líquido negro borbulhante e saindo em um outro mundo em questão de microssegundos.<br />
O irmão caçula precisava ser protegido, precisavam fugir para um local seguro. "é preciso procurar a melhor amiga, aquela que adorava responder as perguntas na sala de aula, e que tinha um pingente misterioso com o símbolo de uma minúscula ampulheta que tinha usado da última vez para dar saltos no tempo". Sim, ele concluiu que era preciso procurar a melhor amiga, somente ela poderia dar toda ajuda necessária e confiaria completamente na inocência dos dois. Mas e quanto às pessoas que estavam seguindo os dois? Era praticamente certo o envolvimento deles com aquele assassinato, e com certeza deveriam neste momento estar pelas ruas procurando pelos dois. Também é certo que eles estão atrás do livro negro e misterioso que foi encontrado num dia chuvoso caído no meio da rua e que foi encontrado por ele. "Ele descobriu que o livro tem um poder macabro de matar pessoas, e quando encontrou o livro no asfalto molhado, tinha um nome escrito na primeira página juntamente com a maneira como essa pessoa morreria", pensou. 5 minutos de devaneios e então ele se levantou sem tocar no sanduiche e sem terminar de tomar o refrigerante. Tirou alguns trocados do bolso de seu traje branco e pagou a conta no caixa. Passou a mão na viseira do capacete, limpando uma sujeira de gordura que ficou presa no canto e que ele não fazia ideia de como foi parar ali. Olhou para os dois lados da rua, antes de sair da lanchonete. Na verdade, ele quase não prestava atenção nas pessoas que passavem ou nos carros buzinando no trânsito caótica da rua. Saiu andando com seus passos largados, quase flutuantes, enquanto voltava a pensar na fuga arquitetada, na amiga que dava saltos no tempo, no livro satânico e nos perseguidores que sempre andavam com seus ternos pretos impecáveis e seus óculos escuros. Então ele se lembrou de outro fato intrigante e lembrou no exato momento em que um transeunte esbarrou nele apressado, quase o derrubando. Ele era careca, e continuou andando como se nada tivesse acontecido, como se nem sequer tivesse esbarrado em alguém. "Sim, de fato, eles, aqueles que estranhamente estão por toda parte observando silenciosamente", pensou. "Quase me esqueço deles, os Observadores, que tem aparecido em quase todo lugar, como se estivessem analisando as situações, os fatos". E repentinamente, sem qualquer aviso, sua mente foi inundada por uma canção do <b>Arctic Monkeys</b>, soando forte em seus ouvidos. e ele não fazia ideia de onde vinha aquela música. Bateu no capacete algumas vezes, tentando se livrar dela, mas a canção continuava ecoando na sua mente. Parou na calçada um instante, colocou a mão no bolso de seu traje e tirou uma pastilha de <b>Halls Eucalyptus Extra Forte</b>, olhou para ela no mesmo instante em que começou a sentir aquela ardência intensamente refrescante em sua boca. Continuou andando até a esquina, observou o sinal fechado e os carros passando, e voltou novamente o turbilhão de pensamentos a carregar ele para bem longe, acima de tudo aquilo, toda aquela cidade, todo aquele universo de pessoas normais. Continuava pensando no irmão mais novo para proteger, na fuga que aconteceria, na amiga com o Pingente do Tempo, no Livro da Morte negro e macabro, nos agentes perseguidores, nos observadores sinistros. Como prosseguir com tudo aquilo? Como? O sinal abriu. Completamente indiferente a este mundo, ele atravessava a rua perdido em seus pensamentos, com a cabeça no espaço, milhares de ideias pegando fogo em sua mente. Milhares de situações a serem criadas, histórias a serem contadas, personagens para ganhar vida. "Preciso escrever quando chegar em casa", pensou o escrinauta, enquanto atravessava a rua.<br />
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<span style="font-size: x-small;"><b>Escrito</b></span></div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-33199270065017382752012-07-10T10:27:00.000-03:002012-07-10T10:27:39.417-03:00Movimento Rápido dos Olhos<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilxeB7Hs6_O3YWCT1k7dUa6gSbh06N8aiVUhTbiqMzlCgiPyPWD17PNurpa4WBLQ9coJVIF29uft5fAMURylXksm3uIbD7Rj1TaFdCPd_5ojt1ddkFMQkoYgqvfTaVVckbEU0J/s1600/rem.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="216" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilxeB7Hs6_O3YWCT1k7dUa6gSbh06N8aiVUhTbiqMzlCgiPyPWD17PNurpa4WBLQ9coJVIF29uft5fAMURylXksm3uIbD7Rj1TaFdCPd_5ojt1ddkFMQkoYgqvfTaVVckbEU0J/s400/rem.jpg" width="400" /></a></div>
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Você corre através do dia tentando captar todos os sinais e mensagens, mas a chuva atrapalha. Você gosta da chuva, mas precisa encontrar as mensagens e decifrar cada dia que vive através de você. Os pingos molham seus cabelos, ensopam sua roupa, enquanto sua mente explora arquivos diários, relembrando que você saiu cedo de casa, mal tomando sua xícara de café com leite. Selecionou algumas contas atrasadas, olhou as horas pela quinta ou sexta vez, como se quisesse ter certeza de que o tempo não estava contra você, pegou suas chaves e saiu sem dizer adeus para um apartamento cheio de ausências. Os compromissos do dia estavam a lhe esperar na porta do prédio, então você desceu as escadas com uma urgência fingida, quase cínica. Abriu o portão ruidosamente e sentiu a amplitude do corredor vazio.</div>
Você anda através do dia sem entender a necessidade oca de algumas tarefas diárias. É preciso realmente realizá-las? Sua indagação é meio tímida, mas insistente, e você caminha na chuva, enquadrando as esquinas em seu itinerário e fugindo do tempo frio e úmido. Os prédios escondem o horizonte de seus olhos enquanto você vai seguindo a rota de seu cronograma previsto. A chuva continua caindo, seus pensamentos flutuando ao seu redor, e as luzes se acendem para um dia escuro. Você tem planos, mas parece que eles escapam sempre para o dia seguinte e ficam rodopiando em pequenos redemoinhos, enquanto aquela sensação de impotência misturada com ansiedade deixa aquele sutil gosto grudento em sua boca. Quer abraçar o mundo, mas é difícil quando suas mãos estão amarradas nas costas. <b>Quer amar sem medo, mas é complicado quando seu coração é um sobrevivente cheio de cicatrizes de anteriores batalhas dolorosas.</b><br />
Enquanto espera o sinal fechar para atravessar avenidas, alguém ao seu lado escolheu Deus como bode expiatório para as maldades obscenas que massacram seu pequeno mundo de desilusões. Mas para você, Deus se encaixa mais como uma brincadeira de mau gosto que atravessa os séculos e incomoda gerações. Perdido nesses pensamentos, entre um suspiro e outros seus passos se adiantam, deixando os outros pedestres para trás, ainda na expectativa do sinal abrir. Solto no meio do trânsito, você caminha indiferente aos carros, quando subitamente se assusta e olha para o lado no exato momento em que um ônibus o atinge em cheio.<br />
Você acorda assustado, coração em ritmo de desespero, a mente tentando assimilar o mundo se abrindo para seus olhos arregalados. Tentando se acalmar, busca as horas no relógio pendurado na parede. Levanta-se lento, ainda um pouco atordoado. Superado o susto do pesadelo, você se arruma e corre através do dia tentando captar todos os sinais e mensagens, porém a chuva atrapalha. Você gosta da chuva, mas precisa encontrar as mensagens e decifrar cada sonho que pulsa dentro de você.<br />
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<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/rl6ei9K0KQo?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-51416260405339625542012-06-21T18:41:00.002-03:002012-06-23T21:31:04.922-03:00Caçador de Tempestades Alheias<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxi9y8wJsL7fH-yAN_0FC_JEOGXcLZIPnKwf9eSP97cSn_zIgz_8vdWUO4OJabIX4GqCOpAkaY6PY3ktpkCXmwj4tMps43wyjmB3CUMtHaYjNI-y_Txgawx9kcgzjkcasbcDnQ/s1600/tornados.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="296" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxi9y8wJsL7fH-yAN_0FC_JEOGXcLZIPnKwf9eSP97cSn_zIgz_8vdWUO4OJabIX4GqCOpAkaY6PY3ktpkCXmwj4tMps43wyjmB3CUMtHaYjNI-y_Txgawx9kcgzjkcasbcDnQ/s400/tornados.jpg" width="400" /></a></div>
Eu estou em pé à beira de um penhasco. Não tenho intenção de saltar ainda, apenas estou ali, parado com um olhar atônito, presenciando aquele comboio de tornados devastando toda a vastidão da planície à minha frente. Há algum tempo, eu vinha acompanhando tempestades que escureciam os horizontes e distorciam os horizontes distantes. Eu estava ciente do perigo que corria quando decidi acompanhar tais tormentas, e fazia alguma ideia do que eu poderia enfrentar pelo caminho, pelas estradas. <b>Foi uma escolha minha, e eu sabia os riscos que correria. </b><br />
Mas nada me abalou tanto naquele momento, ali no topo daquele penhasco, do que aquela visão estranha, aterrorizante. Tentava me manter em pé a muito custo, e em alguns momentos meu corpo envergava para trás vacilando em movimentos deslocados, enquanto eu continuava brigando contra ventos arredios querendo me carregar para o alto. E diante de mim, lá estavam aqueles tornados, todos eles, verdadeiros fluxos de correntes de ar rodopiando com intensidade e fúria, forças de uma natureza incontrolável, destruindo tudo o que encontrava pela frente. <i>Casas arrancadas do chão, árvores se retorcendo agarradas às suas raízes, estradas inteiras varridas do mapa, postes sendo arremessados ao longe provocando descargas elétricas que eram rapidamente engolidas pelos imensos redemoinhos.</i> Toda aquela paisagem estava sendo devastada sem pena pelos colossais tornados, e eu ali, dominado pela sensação de pavor e aflição, apesar de saber que eu estava ali por escolha própria e não haveria qualquer possibilidade de voltar atrás. Essa alternativa já não existia mais em minha vida a partir daquele momento, e apesar do medo que se instalou em minha mente, e do desespero adrenalizado em meu coração fora de compasso, eu sabia que a única atitude que eu deveria tomar seria a de encarar aqueles gigantes devastadores e partir em direção a eles. Então eu zerei meus pensamentos, e lembrei do verdadeiro motivo que me carregou até aquele momento único e desafiador, ali no topo daquele penhasco, diante daqueles tornados.<br />
Eu já havia enfrentado tempestades parecidas antes, tormentas que surgiram diante de mim repentinamente, tormentas que me arrastaram para longe e quase acabaram comigo. Tempestades que por algum tempo me perseguiram numa caçada cruel, sangrenta, marcando minha jornada com feridas profundas. Sobrevivi para tratar de meus ferimentos e transformá-los em cicatrizes que apenas me fazem lembrar o quanto eu posso ser frágil se eu não monitorar os alicerces e bases que me sustentam e me tornam forte. Eu aprendi a sobreviver diante das adversidades da vida e diante de meus tornados que queriam me engolir. <b>Agora eu estava diante de furacões que não eram meus</b>, que não me perseguiam e nem queriam me enterrar vivo. Eles não estavam ali para me destruir. Esbocei no rosto um sorriso de satisfação e um olhar desafiador para aquele comboio que estraçalhava tudo o que pudesse estar ao alcance de minha visão. Eu não estava ali por mim. Estava ali para resgatar os sobreviventes que em mim habitam, estava ali pelas pessoas as quais eu me importava de verdade.<br />
Aprumei meu corpo, ergui o queixo e lancei em meu rosto uma expressão de puro contentamento em estar ali naquele momento. Saltei do penhasco e corri em direção aos tornados.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/dd0VU-XwuBw?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<br />
<br />
<b>Supercélulas</b><br />
<br />
Enxergo muitos tornados à minha volta<br />
jogando para o alto várias caixas de Pandora<br />
lançando medos, demônios e aflições para fora<br />
Desenhando nos céus olhos de insônia e revolta<br />
<br />
Fora de mim estão arrancando flores e paredes<br />
Ventos arrastando cotidianos para a destruição<br />
Ventanias de máscaras e turbilhões de desesperos<br />
Uma chuva de lágrimas açoitando as inércias<br />
daqueles que flutuam nervosos em suas tormentas<br />
<br />
E eu, atento, Caçador de Tempestades alheias<br />
perseguindo as vítimas durante as catástrofes<br />
resgatando os sobreviventes que em mim habitam<br />
antes que tudo enfim se torne tão somente<br />
escombros vazios num belo dia ensolarado.<br />
<br />
<b>por Ulisses Góes,</b><br />
<i>em junho 2012</i><br />
<br />
<br />
<b style="color: #b45f06;">Atualização contaminada:</b><i> posterior à publicação desse texto e da poesia, descobri o vídeo acima com imagens colhidas por caçadores de tempestades. Trilha sonora da banda australiana Midnight Oil, com a música "Dead Heart", do álbum "Diesel anda Dust". </i></div>Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-62671650369309217602012-05-28T20:54:00.000-03:002012-05-28T20:55:02.670-03:00Depois da última Era Glacial<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3pi4zZa6t6sY8OOuGQoNkPkul4gBzmaCA1DSft9FKZqngvqJQBImH9oEJnaiiDAqIOQVlhaeAsDQ0EMXHdKoT7ypEgHCKSJs7xzZ_xo6ap1bHPIxkeEGtA-nXivR9aYGuoONs/s1600/andarilhoholocenico.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3pi4zZa6t6sY8OOuGQoNkPkul4gBzmaCA1DSft9FKZqngvqJQBImH9oEJnaiiDAqIOQVlhaeAsDQ0EMXHdKoT7ypEgHCKSJs7xzZ_xo6ap1bHPIxkeEGtA-nXivR9aYGuoONs/s400/andarilhoholocenico.png" width="400" /></a></div>
E nessa escala de tempo geológico, <b>aqui estou eu errante andarilho perdido no período Holocênico</b>, presenciando a criação de pequenos infernos terrestres e o fim de minúsculas eras celestiais. Civilizações surgiram e desapareceram desde a última era glacial. Povos criaram e destruiram o mundo centenas de vezes, nações nasceram e sumiram na poeira dos tempos seculares. Líderes, governantes, ditadores, estadistas, imperadores, todos eles alcançaram o poder, e ainda assim tudo permaneceu efêmero e passageiro diante da escala do tempo. Movimentos, revoluções, guerras, batalhas, militâncias, tudo planejado para desenvolver mudanças, e ainda assim as mudanças se tornaram obsoletas e ultrapassadas. Cientistas, inventores, filósofos, pensadores, todos desenvolvendo o entendimento sobre o mundo que surgiu desde a última era glacial, e ainda assim tudo que se escreveu ainda não é o suficiente para explicar o funcionamento preciso deste complexo universo expansivo.<br />
Sinto-me solto neste mundo buscando entendimentos e sentimentos que definam minha origem e meu destino. Tenho aqui e agora essa vontade de escrever e correr o mundo numa liberdade que somente a mim cabe, poeta e andarilho holocênico descobrindo um mundo vasto perdido em céus e infernos criados por todos os homens.<br />
<br />
<b>Canção do Andarilho Holocênico</b><br />
<br />
Na terra dos deuses descansei meus pés cansados<br />
Andei livre e desesperado pelas montanhas desenhadas por mim<br />
Desenterrei meus passos para relembrar as estrelas que segui<br />
Desmontei altares e despedaçei pedaços de orações alheias<br />
<br />
Na terra dos descrentes desfraldei discursos flamejantes<br />
Despenquei de penhascos gelados e deslizei pela linha do horizonte<br />
Andei sobre as águas que descansam no copo meio vazio<br />
Afoguei meus desassossegos que boiam no copo meio cheio<br />
<br />
Na terra dos dragões derramei meus sonhos delirantes<br />
Distante de tudo e de todos descobri desvios e declives<br />
Demarquei minhas fronteiras e desloquei territórios<br />
Caminhei entre demônios acenando para anjos no céu<br />
<br />
Agora toda semana eu espero pelo fim do mundo<br />
com esse meus incansáveis olhos de pecador<br />
e meus pensamentos com gosto de vinho vindo de longe<br />
Despertando a vontade em desvendar terras novas.<br />
<br />
<b>por Ulisses Góes,</b><br />
<i>em maio 2012</i><br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/TWcyIpul8OE?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<br />Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-44189109024162319252012-04-25T11:31:00.004-03:002012-04-25T11:42:41.078-03:00Realinhando distorções num dia quente de abril<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ-tSslTD4ybG0oPIu4gpZhyphenhyphenRS7Lu4OktSycbXxUo6CVUwke5yo75NnEKQg4UB5pCaYujfrUc1v9m-xQ5DwnAUGxlbTd1th2pSc76qg9_pTN74qFUHB23BErt_MYxeokmI8qcR/s1600/blog.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ-tSslTD4ybG0oPIu4gpZhyphenhyphenRS7Lu4OktSycbXxUo6CVUwke5yo75NnEKQg4UB5pCaYujfrUc1v9m-xQ5DwnAUGxlbTd1th2pSc76qg9_pTN74qFUHB23BErt_MYxeokmI8qcR/s320/blog.jpg" width="320" /></a></div>
<b>Tudo o que temos agora é o que nós fizemos com o que tínhamos antes</b>. A vida segue essa premissa simples, um raciocínio lógico, uma conclusão afirmativa, uma verdade absoluta e inabalável. Assim como o caminho que hoje percorremos é resultado dos passos traçados anteriormente por nós mesmos. E no decorrer de nossas vidas, vamos nos tornando um depósito de distorções, erros, cicatrizes e equívocos com os quais aprendemos a conviver e a aceitar como parte de nossas experiências. É quando você aceita suas imperfeições e entende que você é o maior responsável por tudo o que você é hoje. Nesse exato momento, você começa a entender um pouco mais o mundo que você constrói, e procura evitar erros anteriores, busca o entendimento com as pessoas a quem você tem um laço sólido de amizade e carinho, dialoga com mais tolerância e sem julgamentos precoces.<br />
<b>Tudo o que nós sempre quisemos ser está flutuando ao redor de nossos pensamentos</b>. E são nossos pensamentos que transformam o mundo ao nosso redor. Nossos pensamentos transformados em palavras, em ações, atitudes, situações organizadas pelas nossas ideias. O ser humano medíocre é aquele que acumula ideias, frases, textos e nada faz com tudo isso guardado dentro dele. Ele se limita naquilo que ele próprio se tornou, se incapacitando e sabotando seu próprio desenvolvimento, condicionado pela sua apatia, seu comodismo, suas escolhas próprias que o impossibilitam de enxergar além de sua realidade microscópica.<br />
Suas escolhas definem o que você é hoje. Seus erros lapidam o que você será amanhã. E é preciso sempre acordar todos os dias acreditando que é possível realizar as metas definidas para sua vida. Há muito tempo atrás, eu era um <i>Caos errante e desgovernado</i>. Só que eu aprendi a controlar essa natureza e me tornei um <i>Observador do Caos</i>, enxergando e identificando as distorções e equívocos que se manifestam diante de mim. Se eu posso alterar, reorganizar, dissolver, realinhar ou redirecionar outros caos, isso dependerá apenas de minha capacidade de absorver eles e dar a eles infinitas novas possibilidades variáveis. Com esforço e humildade, estou trabalhando para me tornar um <b>Transformador do Caos</b>.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/6AuYjQJs0OM?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<br /></div>Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-14224954.post-83285391847649155062012-03-04T13:57:00.002-03:002013-05-01T02:59:47.344-03:00O Fio Vermelho por onde o Destino escreve<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiY2CnYwJO9N8VDg_qB_Px-mL4CsC2Ovsguek2D2dOOG3si3AdhcMLZeznXQ8jU3uzp9fOW5m4f6ExN-nFL6WwLVEjEE4jDZEt5n5wfv0LHY38FEQTcD_g0Ha6uiYVFq-zOobyj/s1600/Destiny1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="242" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiY2CnYwJO9N8VDg_qB_Px-mL4CsC2Ovsguek2D2dOOG3si3AdhcMLZeznXQ8jU3uzp9fOW5m4f6ExN-nFL6WwLVEjEE4jDZEt5n5wfv0LHY38FEQTcD_g0Ha6uiYVFq-zOobyj/s400/Destiny1.jpg" width="400" /></a></div>
Os procedimentos buscam seguir um padrão em sua vida. Os mais leigos chamam isso de rotina. Mas você precisa ficar atento, pois haverá um dia, um momento em que esse padrão será quebrado, e você será atingido por uma sensação de que seu mundo sofreu uma profunda transformação e não será mais possível voltar aos procedimentos anteriores, pois tudo estará alterado. Ciclos que se arrebentam, cronogramas que são desativados, agendas incendiadas. Você olha para o mundo ao seu redor, e percebe que ele foi sutilmente alterado, e você não pode fazer nada com relação a isso.<br />
Você sabe que é o seu mundo, e ao mesmo tempo não é mais seu mundo. Ele está igual e diferente. <b>As pessoas estão iguais e diferentes</b>. E você tenta assimilar tudo isso e se adaptar. O café que você toma é o mesmo, mas parece ter um outro gosto. O cigarro que fumam ao seu redor é o mesmo, mas o cheiro e a fumaça são diferentes. E você, logo você que antes se importava tanto, hoje parece aceitar as coisas de uma maneira mais tolerante e diferente. Porque não há nada a ser feito a não ser tentar entender como o <b>Destino</b> age e qual a lógica de seus atos misteriosos nas vidas que se cruzam e se conectam com a sua. <b>Eu reconheço que o Destino é um poeta sinistro escrevendo versos misteriosos enquanto eu tento, inutilmente, decifrar as entrelinhas de sua escrita.</b><br />
É quando você reconhece as pessoas que um dia você conheceu, e essa frase pode ser entendida aqui como conhecer novamente as mesmas pessoas de uma forma diferente, de um outro ângulo, sob um novo prisma e se surpreender tanto com elas como consigo mesmo e com suas reações. Conhecer de novo as mesmas pessoas é fascinante. E elas estão inseridas nesse novo mundo ao seu redor. Ele parece ser o mesmo mundo de sempre, mas não é. Já se passaram algumas centenas de dias e um novo padrão foi criado.</div>
Ulisses Góeshttp://www.blogger.com/profile/10379742574642949966noreply@blogger.com0